Fracassos de bilheteria? O que aconteceu com os filmes de super-herói em 2023

A crítica especializada e a indústria cinematográfica cravam: os filmes de super-herói decepcionaram na bilheteria em 2023. Tanto é que Hollywood já prepara uma reorganização do gênero e, para este ano de 2024, são esperados apenas um blockbuster da Marvel (Deadpool e Wolverine) e um da DC (Joker: Folie a Deux) nas telonas. Mas afinal, o que aconteceu?

Primeiro, vamos aos números. Guardiões da Galáxia 3, melhor bilheteria do gênero em 2023, dificilmente pode ser chamado de fracasso. Afinal, com US$ 845 milhões arrecadados, foi a quarta maior bilheteria mundial do ano – considerados todos os filmes do ano – e é uma ótima aventura, que fecha a sequência com chave de ouro.

Claro, ficou um pouco atrás do filme anterior da franquia, que arrecadou US$ 869 milhões, e deixou os produtores um tiquinho chateados, mas nem de longe pode ser chamado de um revés.

A segunda melhor arrecadação do gênero de super-heróis também não se encaixa em qualquer conceito de flop, pelo contrário: a animação Homem-Aranha : Através do Aranhaverso levou US$ 690 milhões, quase o dobro do primeiro (Homem-Aranha no Aranhaverso, de 2018, que arrecadou 384,3 mi), além de elogios em todo o planeta, em especial pelos conceitos artísticos e roteiro bem amarrado.

Também ficou no top ten mundial: sexta melhor arrecadação entre tudo que chegou às telonas. Portanto, dois dos oito filmes de herói do ano de 2023 foram ótimos.  E um terceiro, Homem-Formiga e a Vespa – Quantunmania, ficou na décima posição mundial em bilheteria.

Ainda assim, este último filme foi considerado um fracasso pelos produtores porque teve um custo de US$ 200 mi e outros US$ 100 mi investidos em marketing, e arrecadou “apenas” US$ 476 milhões. Apesar de não ter dado prejuízo, na matemática hollywoodiana a arrecadação precisava pelo menos chegar à do primeiro filme, de 519 milhões de dólares, para ser considerado sucesso…

Descontados, portanto, esses três filmes, a lista das reais decepções dos filmes de heróis ficou assim: Flash, que levou US$ 270 milhões (sendo que custou US$ 350 mi); The Marvels, que  faturou míseros 202 milhões de dólares (e custou US$ 270 mi); Shazam 2, com 133 milhões e Besouro Azul com129 milhões.

Aquaman 2 estreou no final do ano, então fica difícil colocar na conta, mas teve bons dias em dezembro e até 12 de janeiro tinha arrecadado US$ 337 milhões. Ou seja, tem pelo menos um feito positivo: foi o melhor desempenho entre os filmes do Universo Cinematográfico da DC Comics. E isso porque é, sim, uma aventura bacana.

Fadiga?

A resposta mais fácil que tem sido dada às bilheterias abaixo do esperado é que o público “cansou” de filmes de super-herói. Mas se isso fosse verdade, como haveria três entre as dez maiores bilheterias 2023 em todo o planeta?

A verdade é bem mais complexa e tem que levar em consideração tanto o cenário mais amplo quanto fatores específicos de cada filme. Vamos começar com a lista da Marvel, deixando de fora – obviamente – os já citados Guardiões da Galáxia e Aranhaverso, que tiveram arrecadações dentro ou maior do que as esperadas pelos estúdios.

Antes de mais nada, vale destacar três fatores que prejudicaram os filmes restantes. O primeiro é um fenômeno iniciado na pandemia, com todo mundo que ficou em casa assistindo a streamings e, consequentemente, os estúdios aumentando a produção neste sentido.

No caso da Marvel/Disney, houve um número enorme de produções de séries de super-heróis (sem contar os diversos títulos da franquia Starwars) que acabaram sobrecarregando a turma de efeitos especiais – diga-se de passagem o trabalho foi tanto que esses profissionais até criaram um sindicato no ano passado.

O resultado foi que muito seriado e filme ficou com efeitos bem aquém da qualidade desejada nas primeiras edições (alguém aí falou Mulher Hulk?) e isso gerou inúmeras críticas e espantou previamente parte da audiência dos filmes.

Até porque, e eis o segundo fator importante, muita gente assina os streamings e, já que está pagando mesmo, prefere esperar os filmes da Marvel saírem na Disney+  pra assistir, em especial se a crítica especializada ou as centenas de canais no Youtube que se dedicam ao tema, muitas vezes de maneira mais passional que profissional, fazem pouco do lançamento nos cinemas.

E eis aí o terceiro fator: depois de Vingadores: Ultimato (de 2019), a expectativa dessa galera ficou alta demais. O filme que encerrou um ciclo de mais de dez anos iniciado com o primeiro Homem-de-Ferro, em 2008, foi avassalador. E, de maneira equivocada e muitas vezes inconsciente, virou ponto de comparação para todos os demais.

Acontece que não dá para esperar que o segundo filme do Homem-Formiga, convenhamos, chegue perto do impacto de Ultimato. O personagem tem uma pegada mais de comédia – e faz isso com muito mais competência que o fraco Thor Love and Thunder, por exemplo.   

E o roteiro de Quantunmania, ainda que bem amarradinho, não é tão atraente para o público quanto de outras mega-aventuras de ação.   Até porque, relembremos, Homem-Formiga é um personagem secundário (como ele mesmo brinca em parte do filme) e não tem o peso dos principais heróis Marvel.

Até houve uma tentativa de se dar mais força ao filme anunciando que ele traria o “futuro Thanos” do Universo Cinematográfico Marvel, o vilão Kang.  O problema é que o público em geral desconhece esse personagem e o fato do ator Jonathan Majors, intérprete do vilão, ter sido acusado por agredir a namorada no começo de 2023 prejudicou a divulgação do filme, já que ele foi vetado de entrevistas.

O ator  acabou condenado por no final do ano por “ agressão imprudente de terceiro grau e assédio” contra a ex-namorada, Grace Jabbari, e demitido. Vale lembrar que a Marvel inclusive deve mudar o vilão para o próximo filme dos (novos) Vingadores, que seria chamado de “dinastia Kang” e agora deverá ter outro nome e possivelmente outro vilão.

Mas, ainda assim, é preciso lembrar mais uma vez que Quantunmania ficou na décima posição entre as maiores bilheterias do ano, acima, inclusive, do queridinho John Wick 4, que veio na sequência.

Flop do ano: As Marvels

A falta de divulgação também foi um dos motivos para o fracasso de As Marvels. Diga-se de passagem, esse sim foi o maior flop da Marvel em 2023. O filme, que estreou em novembro, foi impactado em cheio pela greve dos atores e, consequentemente, as estrelas do longa não puderam fazer nenhum tipo de divulgação. Nada de participação em eventos, entrevistas, nem mesmo postagem em redes sociais. Silêncio total.

Tem mais: juntar as três personagens foi uma aposta arriscada. Carol Danvers, a Capitã Marvel, que já tinha um bom filme próprio e aparições impactantes nos  Vingadores, era até uma aposta razoavelmente segura.

Mas a adolescente Mrs. Marvel, que tem quadrinhos maravilhosos e ainda pouco conhecidos no Brasil, era um risco. Até porque muita gente achou que tinha que ver a série na Disney+  antes de ir ao cinema pra entender o filme, e a ironia é que se muitos espectadores têm streaming e preferem esperar o filme chegar nele, outros muitos não têm, e desconheciam a personagem totalmente.

Mesmo entre os que assistiram ao seriado Mrs Marvel na Disney Plus, a personagem parece não ter empolgado.  Cabe dizer que a série até tem méritos, mas difere dos quadrinhos em muita coisa essencial, e ficou longe de fazer o mesmo sucesso das HQs.

A terceira Marvel, Mônica Rambeau – que nos quadrinhos já utilizou os codinomes de Capitã Marvel, Fóton e Pulsar – é outra ilustre desconhecida da maioria do público. E, assim como Mrs. Marvel, tem a história cinematográfica conectada com outro seriado Disney+, esse uma produção excelente: Wanda Vision.

Por fim, o roteiro do filme tem como foco a guerra Kree x Skrulls, que teve elementos pincelados em outros filmes e séries, mas que não tinha, até então, gerado grande expectativa no público que vai aos cinemas.

E, mais uma vez, há uma conexão entre o filme As Marvels e um seriado da Disney+ que deveria ter sido assistido antes dele, à Invasão Secreta. Todos esses fatores específicos, somados aos mais amplos, afundaram As Marvels no limbo das produções fracassadas de 2023.

É preciso avaliar um outro fator apontado por muita gente: por ser estrelado por três mulheres, o filme teria sido vítima de misoginia? O fato é que houve muitos canais de Youtube – a maioria absoluta de linhagem ideológica questionável – que criticaram, sim, um filme protagonizado por três heroínas, simplesmente por isso. Afirmaram, porque falar até papagaio fala, que era algum tipo de “lacração”, de “nazifeminismo”, de “ideologizar crianças contra a masculinidade”  e outras bobagens.

Mas achar que isso teve algum impacto relevante nas bilheterias é equivocado, é bater palma para maluco. Afinal, esses mesmos canais “conservadores” fizeram afirmações na mesma linha – e bem piores – sobre o filme Barbie e adivinhe? O longa da boneca foi a maior arrecadação mundial de 2023, com volumosos US$  1,4 bilhão de bilheteria.

Outro exemplo dessa irrelevância é que também rolaram críticas, digamos, “puristas” e berros de “lacrate” por parte dessa galera em relação ao remake de A Pequena Sereia por ter sido realizado com uma atriz negra no papel principal, em vez de uma menina branca e ruiva como na animação de 1992. 

Mais uma vez, um barulho inócuo e irrelevante: o live action de Ariel ficou na sétima posição de arrecadação mundial, com US$ 569 milhões, logo atrás do Aranhaverso

Antes de falar dos filmes da DC, só pra que você não precise ficar indo e voltando neste texto, nem precise pesquisar na Internet pra preencher lacunas, as maiores bilheterias de 2023 foram:

  1. Barbie –  US$ 1,4 bi
  2. Super-Mário – US$ 1,3 bi
  3. Openheimer – US$ 952 mi
  4. Guardiões da Galáxia – US$ 845 milhões
  5. Velozes e Furiosos – US$ 704 mi
  6. Através do Aranhaverso – US$  690 mi
  7. Pequena Sereia – US$ 569 mi
  8. Missão Impossível: Acerto de Contas – US$ 567 milhões
  9. Elementos – US$ 496 mi
  10.  Homem-Formiga e a Vespa – Quantunmania – US$ 476 milhões

 

DC: ver pra quê?

Um dos principais fatores específicos que prejudicou os filmes da DC em 2023 tem nome e sobrenome: James Gunn. Calma aí, o cara é bom pacas, é o nome por trás de sucessos como a franquia Guardiões da Galáxia e com certeza vai mudar pra melhor todo o universo cinematográfico de Batman, Superman e companhia.

Porém, pouco depois de ter assumido o cargo, no final de 2022, Gunn anunciou que ia mudar tudo. Atores seriam trocados (Henry Cavill já foi demitido do papel de Superman e houve o anúncio que Jason Momoa, que nem tinha estreado Aquaman 2, não continuara no papel após o filme…), filmes descontinuados, enfim, um novo universo se avizinhava. Então, pensou boa parte dos fãs, pra que se dar ao trabalho de assistir ao atual?

Gunn já colocou o dedo de cara em Flash (que inclusive mexe com multiversos e já fornece uma boa teoria para o eventual reboot), costurou muita coisa nele e atrasou a estreia.  Isso tudo, somado aos escândalos protagonizados por um protagonista que muita gente já questionava, afastou o público.

E, ainda que o filme não seja de todo ruim, há muitos elementos por ali que ganharam força apenas por um certo saudosismo de filmes anteriores, inclusive dos Batman de Michael Keaton no final dos anos de 1980 e início de 1990.  Muitos críticos destacaram que as costuras deixaram o roteiro mais fraco, então, pra quer ir ao cinema? Melhor alugar em um serviço de streaming…

Quanto a Shazam 2 e Besouro Azul, se havia expectativa de maior bilheteria, é bom os estúdios contratarem gente mais competente pra fazer estas contas. O primeiro é um bom filme, sim, mas de novo: não é nada de impacto. O herói não está na lista de favoritos de quem lê quadrinhos DC e a pegada é de humor e filme família, assim como ocorreu com o filme inicial.

Tanto ele quanto Besouro Azul – que também sofreu com falta de divulgação – fariam sucesso na Sessão da Tarde, mas não são filmes para arrastar multidões aos cinemas, ainda mais se considerando todo o resto do cenário: descontinuidade e fim do atual universo, facilidade de esperar pra ver em casa etc.

Resumindo

Analisando friamente, não parece que o gênero de super-herói “cansou” o público e, sim, que os estúdios precisam avaliar mais cuidadosamente os lançamentos que fazem, e ter expectativas de lucro mais reais. Ou seja, faltou um bom planejamento.

Tudo indica que essa reorganização já está acontecendo, com redução de lançamentos de longas em 2024 e até com um pensamento mais pé no chão nas séries. Um exemplo são as do universo Marvel na Disney+. Ainda que já tenha lançado a minissérie Eco nos moldes anteriores (personagem secundária lançada em Gavião Arqueiro e com todos os episódios gravados de antemão), o canal anunciou que vai mudar a forma de produzir as séries.

Em vez de pensar em “um grande filme fatiado em episódios”, como acontecia até então, a Disney+ pretende começar a trabalhar com episódios piloto, e a medir audiência e comentários conforme o produto for sendo lançado. Isso vai possibilitar adequações de roteiro, eventuais reduções ou ampliações no número de capítulos e, principalmente, avaliações pontuais de investimento.

Para se ter uma ideia do que ocorria no modelo anterior, cada episódio de Mulher Hulk (série que ainda teve efeitos especiais “corrigidos” posteriormente em virtude da má qualidade na época dos lançamentos) custou em média US$ 25 milhões de dólares. Em comparação, os episódios de Game of Thrones (indubitavelmente uma série melhor, com mais audiência e mais longeva), custavam de US$ 6 milhões a no máximo US$ 15 milhões cada. Realmente, é preciso repensar.

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