Logo de cara o que tem que ficar claro para quem for assistir ao segundo filme do Capitão Marvel – oops, Shazam – é que se trata de uma comediazinha leve e familiar, assim como foi o primeiro longa dedicado ao personagem. Ou seja, não se trata de um filme “sério” de herói e sim de uma nova aventura que tem como principal objetivo divertir quem está assistindo.
Neste sentido, Shazam! Fúria dos Deuses, que chegou aos serviços de streaming após uma passagem de rápidos dois meses nos cinemas (e “apenas” US$ 133 milhões de dólares arrecadados por um filme que custou US$ 100 milhões), cumpre o objetivo. Com méritos, é bom que se diga.
Antes de mais nada, um esclarecimento necessário: o nome original do herói do(s) filme(s) Shazam é Capitão Marvel (no original, Captain Marvel). O personagem foi criado com este nome em 1940 por C.C. Beck e, em meados de 1973, adquirido pela DC (que antes disso moveu uma batalha jurídica contra Beck e a editora Fawcett, afirmando que o capitão era um plágio do Superman).
Contudo, quando foi relançar o capitão naquele início dos anos de 1970, a DC descobriu que a editora Marvel, concorrente, havia registrado o nome em 1967 para outro personagem dela, o Capitão Mar-Vel (precursor da Capitã Marvel). Por essa razão, a DC Comics não podia mais usar o nome Marvel nas capas das revistas do personagem e adotou nelas a palavra mágica que transforma o menino Billy Batson em super-herói: Shazam!
Dentro da revista, porém, o personagem continuava a ser chamado de Capitão Marvel, sua irmã era Mary Marvel, o amigo Freddy se transformava em Capitão Marvel Jr e assim por diante. Assim, quando a DC Films foi lançar o primeiro filme do herói, em 2019, optou pela solução dos gibis e batizou o longa de Shazam, até porque na mesma época saiu pela Marvel o filme da capitã – e, é bom lembrar, em inglês a palavra “captain” se aplica tanto ao gêneros masculino quando ao feminino, o que na prática significa que esta solução impediu que ambos os filmes e heróis tivessem o mesmo nome nos cinemas.
Finalizado o interlúdio, vamos para Fúria dos Deuses (ou Shazam 2, como também é carinhosamente chamado). Desta vez, o herói interpretado por Zachary Levi e os respectivos super irmãos adotivos terão que enfrentar deusas gregas que, graças a uma trapalhada feita pelo próprio capitão no primeiro filme, vêm a Terra para se vingar da humanidade.
Quem tiver boa memória vai se lembrar da trapalhada logo que ver um certo cajado exposto no museu onde começa a ação logo de cara, mas o próprio super-herói irá garantir que as pessoas saibam o que ocorreu em um rápido flashback mais à frente.
Enquanto as deusas fazem seu retorno arrasador, Billy Batson, o menino que se transforma no poderoso protagonista quando diz a palavra Shazam, vive sob uma angústia permanente. Não só porque a superfamília é constantemente chamada na mídia como “fiasco da Filadélfia” como porque, em virtude de estar próximo da maioridade, o garoto acha que vai ser expulso da família que o hospeda e perder aqueles que realmente se tornaram os pais e irmãos dele.
Por isso mesmo, Billy insiste que todos façam tudo juntos sempre, o que é extremamente difícil para um bando de adolescentes com interesses diferentes e torna as coisas ainda mais complicadas. Mesmo assim, aos trancos e barrancos, eles terão que enfrentar as deusas – vale destacar que Lucy Liu e Helen Mirren estão muito bem como Kalypso e Héspera, respectivamente.
Em meio a resgates duvidosos, lutas épicas (por vezes com consequências desastrosas) e diversos monstros mitológicos, o filme tem boas cenas de ação. Mais ainda, seguindo a proposta de ser uma comédia descompromissada, é repleto de cenas engraçadas – as cartas ditadas pela família à uma pena mágica para serem enviadas às tais deusas, por exemplo, garantem boas piadas.
Destaque para Jack Dylan Grazer que, com ótimo timing de comédia, constantemente rouba as cenas com mais uma ótima interpretação de Freddy Freeman, alter ego do Capitão Marvel Jr. Por outro lado, houve quem tenha achado que a interpretação de Zachary Levi como Capitão Marvel exagerada desta vez, dizendo que Billy Batson (interpretado por Asher Angel) parecia um adolescente normal, mas quando sua versão adulta era interpretada por Levi ficava muito caricaturada, parecendo mais criança (ou “mais imbecil”, disseram algumas más línguas) do que antes da transformação.
Porém, quem assiste com atenção percebe que o exagero é justamente fruto da ansiedade do personagem para manter a família unida e fazer bonito como super-herói. Mais ainda, o filme deixa claro que Billy – nas duas formas – é um tanto quanto, digamos, limitado intelectualmente. Por sinal, é muito divertida a cena em que as crianças brincam com isso, questionando onde está a tal inteligência de Salomão que seria um dos poderes do herói. E a resposta encontrada no roteiro para esta questão é muito bem pensada.
O final do filme, como toda boa atração de Sessão da Tarde, é feliz e previsível, com direito a participação especial de uma certa heroína da DC. Se você não sabe de quem se trata, não vamos dar spoiler, mas a ideia é digna de elogios, pois se encaixa perfeitamente no roteiro e ainda rende novas risadas diante dos diálogos finais entre ela e o capitão.
Em tempo, Shazam 2 comete apenas um erro. No primeiro, uma grande sacada foi manter o herói o tempo inteiro sem nome (falamos muito sobre esta genialidade aqui mesmo no MundoHQ). Neste, a ideia se repete até o finalzinho, mais uma vez de maneira inteligente.
Há, inclusive, um momento homenagem digno de destaque. Após um ato heroico, as pessoas que estão na rua começam a chamar o super-herói por diversos nomes, já que não sabem como nomeá-lo, e um senhor de idade, vestindo uma camisa vermelha, dispara um “Capitão Marvel”. O ator escalado para fazer a sugestão nesta cena é ninguém menos que Michael Gray, que interpretou Billy Batson em uma série televisiva da rede CBS de 1974 a 1976.
Mas eis que nos instantes finais do filme, o mago é perguntado por Billy sobre qual é realmente “o nome de herói” dele quando se transforma. E a resposta é que, “obviamente”, o nome é “Shazam.” Eis aí a bobagem mal elaborada no roteiro e um problema para um terceiro filme, caso venha a ocorrer.
Imagine a cena: alguém pergunta ao super-herói: “qual seu nome?”. Ele responde “Shazam” e imediatamente cai um raio e ele se transforma de volta no garoto Billy Batson em frente a todo mundo que estiver olhando, perdendo os poderes e entregando a identidade secreta de bandeja pra quem estiver por ali. Mal pensado, né?
Mas, felizmente, não é nada que estrague a leveza e a diversão de Fúria dos Deuses. E, certamente, caso haja um terceiro longa (o que parece cada vez mais improvável dentro das reformulações que o renomado roteirista James Gunn está promovendo no universo cinematográfico da DC), vão arrumar algum jeito de consertar isso.
Shazam 2 tem duas cenas pós crédito. A primeira, infelizmente foi prejudicada por, supostamente, Dwayne The Rock Johnson. Por alguma razão não explicada, o agigantado e sempre simpático ator teria vetado que esta cena ocorresse com dois personagens de Adão Negro, estrelado por ele.
Originalmente, a ideia era que Capitão Marvel fosse abordado por Gavião Negro e Cyclone, que o convidariam para integrar a Sociedade da Justiça da América. Em vez disso, quem dá as caras são Emília Harcourt (Jennifer Holland) e John Economos (Steve Agee), de Esquadrão Suicida, um grupo que não tem absolutamente nada a ver com a SJA. Pena.
A segunda cena aparentemente foi feita apenas para o público dar uma risadinha final e relembrar dois vilões clássicos das histórias do Capitão Marvel, que haviam abrilhantado o primeiro filme.
Em tempo: caso você não saiba ou queira relembrar quais são as entidades cujas iniciais que formam a palavra “Shazam” – além do já citado Salomão – e cedem poderes ao super-herói, dê uma olhadinha no item “curiosidades” do Capitão Marvel no nosso quadrindex.
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