Wakanda Forever! Shuri, nem tanto

A imensa ansiedade pelo lançamento de Wakanda Forever gerou euforia e decepção em igual tamanho. Houve quem tenha comemorado e afirmado que o filme é melhor que o primeiro, mas também quem tenha achado que é digno da lata de lixo. Mas, passados seis meses da estreia no cinema – em novembro de 2022 – e três da disponibilização no Disney Plus, já é possível se analisar o filme com maior distanciamento e menos paixão.

Há, sem dúvida, vários acertos. A começar pelo – mais uma vez – excepcional figurino, que merecidamente rendeu um Oscar . As roupas dos wakandenses, remetendo à fictícia cultura daquele país e refletindo diversas culturas africanas por tabela, são um espetáculo à parte. Bem como o “funeral” de T´Challa, que é duplamente tocante uma vez que o personagem teve que morrer em virtude da morte do ator que o interpretava, Chadwick Boseman – levado pelo câncer quando tinha 43 anos.

O filme aborda a morte do super-herói pela mesma doença. Em vez de apelar a efeitos especiais para mostrar T´Challa doente, o roteiro foca de maneira acertada em Shuri inutilmente tentando achar uma cura para doença, se desesperando a cada nova falha. Até que a morte inevitável chega, anunciada à filha pela rainha Ramonda (Angela Basset, sensacional como sempre).

A interpretação do elenco nas cenas seguintes, quando Wakanda se despede de seu rei, leva a crer que o sentimento pela passagem do colega, quase três anos depois, ainda é latente. Fica até difícil saber se a dor demonstrada em alguns rostos é realmente fruto de trabalho ou genuíno. Ou, possivelmente, um misto dos dois.

Passado esse primeiro momento emotivo, o filme engrena na trama principal. Aproveitando o momento de fragilidade de Wakanda, Estados Unidos e França reforçam tentativas – lícitas ou não – de obter vibranium, o metal cheio de propriedades únicas que até então só encontrado nas terras do Pantera Negra.

As ações para chegar ao metal são em geral mal sucedidas, gerando inclusive um belo discurso anti-hipocrisia de Ramonda na ONU,  mas acabam levando a uma descoberta em alto mar. Contudo, a jazida em questão não pertence a Wakanda, mas a uma civilização até então desconhecida, Talocan, governada pelo poderoso Namor (bem interpretado pelo ator Tenoch Huerta).

Talvez esta seja uma das maiores sacadas do filme: nos quadrinhos, o príncipe submarino governa a mitológica Atlântida. Em Wakanda Forever, porém, foi desenvolvida a ideia de uma civilização de ascendência mesoamericana (com inspiração tanto em maias quanto em astecas) que – por meios explicados no filme – acaba se retirando para o fundo do mar para fugir dos males dos conquistadores.

A nova ideia garantiu uma concepção visual muito bem elaborada para o povo de Namor, das vestimentas aos adornos, prédios, templos e construções. O personagem em si também ganhou desde uma explicação para o nome – uma corruptela do espanhol “sin amor”, ou seja, sem amor – e até mesmo uma versão mítica para si mesmo e para as asas que só ele tem nos pés: ele seria algum tipo de encarnação de K’uk’ulkan, literalmente a “serpente alada”, uma divindade mesoamericana.

Ocorre que, além de rechaçar totalmente a tentativa dos exploradores de vibranium (leia-se aniquilamento total dos invasores), Namor acaba enxergando em Wakanda, agora governada por uma rainha emocionalmente abalada, uma aliada em potencial para impor as próprias vontades às nações dominantes, em vez de ser ameaçado por elas.

E, quando é refutado, o príncipe submarino não só sequestra Shuri para tentar convencer a rainha a mudar de ideia como, depois que ela é resgatada, decide inundar Wakanda para conquistar a aliança à força (com o que sobrar daquele país, imagina-se).

Se você não assistiu o filme ainda, antes de xingar esse texto pelo spoiler, saiba que o maior deles já foi dado pela própria Disney Plus quando disponibilizou o filme no streaming, ao colocar foto de Shuri totalmente vestida de Pantera Negra no catálogo.

Tudo bem, talvez esse tenha sido o mistério menos misterioso dos filmes dos últimos tempos, mas o fato é que quem não foi ao cinema e vinha se mantendo longe dos spoilers sabia apenas que o manto seria assumido por uma mulher. Especular se seria Shuri, Ramonda, Okoye ou Nakira era justamente a graça. Valeu, Disney.

De volta ao filme – e com mais alguns spoilers à frente – se segue a batalha final entre os reinos, com um final mais do que previsível, e pelo qual todos torcem.

Contras   

As críticas ao filme seguem alguns pontos bem específicos. Um deles é a batida fórmula de “vingança porque mataram um ente querido e boa parte da população do meus país, mas no fim eu me mostro maior e poupo o assassino.” Mesmo com a conversa de Shuri com Killmonger (uma boa sacada do filme) como pano de fundo, fica meio estranho que após toda a fúria demonstrada por ela e das muitas razões para eliminar Namor, Shuri decida poupá-lo quando ele já estava rendido aos pés dela.

Outro ponto levantado por muita gente é a própria batalha mano a mano entre Shuri-Pantera e Namor. Muita gente achou que Namor nunca perderia pra ela, pois tem força nível Hulk etc. Porém, a explicação do filme é plausível – também nas HQs ele perde força quando se desidrata – e vale lembrar que nos gibis o próprio T´Challa já derrotou o príncipe submarino usando basicamente a própria força e uniforme.

Aliás, Shuri também quase chegou lá nos gibis usando exatamente a tática de desidratar Namor, em uma luta que teve o final abreviado pela presença do Quarteto Fantástico.

É fato, porém, que o que causou mais estranheza no filme foi a rendição de Namor à Shuri. Isso porque o personagem original nunca se renderia. A arrogância do príncipe submarino é muito superior a qualquer vontade de sobreviver.  Porém, em uma cena pouco depois (à qual teve gente que não prestou muita atenção), Namor insinua, por meio de uma “leitura” dos escritos mitológicos nos murais de Talocan, que a derrota fazia parte de uma estratégia para o futuro.

Um ponto levantado com uma certa dose de razão pelos críticos é que, ainda que tenham sido envolvidos em boas cenas de ação, a heroína estreante Riri Willians/Coração-de-Ferro (Dominique Thorne) e o agente Everett Ross (Martin Freeman) ficaram um pouco soltos no filme, poderiam ter sido melhor aproveitados. Neste caso, a crítica não deixa de ter uma certa razão.

As afirmações que devem ser amplamente rechaçadas, porém, advém de posturas – digamos – ideológicas que atualmente andam ganhando espaço na mídia, em especial da Internet: houve gente que andou criticando a “supremacia feminina” no filme, o fato de que um herói do sexo masculino morreu e quem se destaca agora no filme são apenas mulheres. Sinceramente, vão catar coquinhos.

Esse pessoal estranhamente não critica quando há apenas heróis homens nos filmes, além de esquecer que os personagens femininos fortes sempre cercaram T´Challa tanto no filme anterior quando nos quadrinhos, inclusive protagonizando várias vitórias dos heróis.

As Dora Milaje sempre foram as temidas guerreiras protetoras de Wakanda, a rainha Ramonda já era uma presença forte no primeiro Pantera Negra, Shuri já era o braço direito do irmão (ainda que atuando como megacientista e não guerreira), Nakia já era uma espiã mortalmente competente.

Aparentemente, essa galerinha não sofre apenas de falta de memória: por trás de acusações de misandria (“desprezo a homens”) e lacração, cada vez mais parece que o problema é dor-de-cotovelo e paixões mal resolvidas. Em tempo, esse mesmo pessoalzinho criticou o fato de Okoye e Aneka terem sido mostradas no filme como um casal gay. É muita falta do que fazer…

Fator Shuri

O maior problema real para a maioria das pessoas que critica o filme, porém, reside em uma mesma personagem: Shuri. Primeiro por uma dificuldade gerada pela própria intérprete da heroína, a guianesa-britânica Letitia Wright.

É comum que as pessoas confundam um pouco intérpretes com personagens, tanto que muitas vezes atores e atrizes que fazem vilões são hostilizados na rua, enquanto os bonzinhos são idolatrados. Por essa razão, pra muita gente ficou difícil engolir Shuri como uma cientista brilhante quando na vida real Letitia arrumava polêmica nas redes sociais questionando a vacina contra o Covid com ar de negacionista da ciência.

Soma-se a isso o fato que no filme anterior a menininha Shuri era mostrada “apenas” como gênio tecnológico, sem aparentemente nenhuma habilidade para luta. E, do nada, lá está ela lutando como uma mestre de artes marciais, algo que o simples consumo da erva-coração não garante. A cerimônia dá aos novos panteras mais força e habilidades ampliadas, mas o conhecimento de luta vem do treinamento.

Nas HQs, porém, Shuri recebeu esse treinamento e foi mostrada diversas vezes lutando antes de assumir temporariamente o manto do irmão quando ele ficou gravemente ferido em uma luta contra Dr.Destino e Namor (vale lembrar que nos quadrinhos T´Challa, criado em 1966, permanece vivo e bem). Já nos filmes, nada disso foi previamente mostrado, o que sem dúvida causa um estranhamento.

Não à toa, muita gente respirou aliviada quando M´Baku clamou a coroa de Wakanda – aliás, turminha dos heróis machos, eis aí um personagem masculino que cresceu muito de um filme pra outro, merecidamente.

E também teve quem respirou ainda mais aliviado com as revelações feitas por Nakia no pós crédito, sobre um certo Toussaint… Aliás, vale destacar que o (único) pós crédito de Wakanda Forever é obrigatório para fechar a história. Diferentemente de outros pós da Marvel, que trazem informações extras ou dão pistas para o que poderá acontecer em outros filmes, este é fundamental para a conclusão da história.

Juntando-se os dois fatos (o novo rei e o pós crédito), há bons indícios de que – assim como nos quadrinhos – a titularidade de Shuri como Pantera Negra será temporária. Já há quem cogite que Letitia deve passar o manto na sequência.

Em tempo, até o momento a atriz foi a única a dizer que haverá um Pantera Negra 3, durante uma premiação. Mas, ainda que não haja nenhuma confirmação oficial, é bem provável que isso ocorra mesmo, afinal o título continua sendo um blockbuster. Porém não se surpreenda se o título for “Pantera Negra: o herdeiro de T´Challa” ou algo semelhante.

Tudo isso dito, o veredito final sobre Wakanda Forever é positivo. É, sim, um bom filme. Poderia ser melhor e ter aprofundado mais algumas linhas do roteiro? Sem dúvida alguma. Como disse a própria Shuri ao irmão no primeiro filme: “Só porque algo funciona, não significa que não possa ser melhorado.”

E com o perdão da “Filosofia Tostines”, o fato de poder ser melhorado não quer dizer que não funciona. Wakanda Forever é um exemplo disso.

NOTA DO CRÍTICO: Vale a pena

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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