Viúva Negra e Guardião Vermelho roubam a cena em Thunderbolts*

Se você ainda não foi ver Thunderbolts* no cinema, há duas coisas que precisa saber sobre o filme: a primeira é que ele é muito bom. Comparado com os últimos lançamentos da Marvel cronologicamente, é o melhor desde Spiderman No Way Home, de 2021 – sem colocar na lista Deadpool & Wolverine, que é literalmente um ponto fora da curva, já que foge à proposta dos demais e não dá para comparar laranjas com bananas.

O segundo fato a ser destacado é que dois personagens/atores roubam a cena cada vez que aparecem: a Viúva Negra Yelena Belova (Florence Pugh) e o Guardião Vermelho (David Harbour). Excelentes no papel e fundamentais no roteiro, e (talvez não) coincidentemente vivendo uma relação de filha e pai, não é exagero dizer que a dupla conduz o filme em meio aos demais protagonistas e o filme não funcionaria sem ela.

Ironicamente, há um certo contraponto entre ambos. Yelena, brilhantemente interpretada por Florence, já dá a linha do longa desde o início com ótimas cenas de ação (detalhe: o salto do prédio na Malásia, o segundo mais alto do mundo, foi filmado com a própria atriz, sem dublês). E com a definição clara de quem será o maior inimigo da superequipe que dá título ao filme.

Em mais de um sentido – e não há como esmiuçar todos sem dar spoilers, então não faremos isso – o inimigo está dentro de Yelena, dos demais Thunderbolts e de boa parte das pessoas: um vazio difícil de explicar. Em tempos em que cada vez mais se fala em Saúde Mental, a Marvel acertou em cheio ao mostrar, tanto de maneira metafórica  quanto mais diretamente, que a luta mais difícil muitas vezes é contra um adversário que está dentro de cada um de nós.

E, não sem razão, Yelena carrega dentro de si um vazio, arrependimentos, uma falta de propósito que a faz vagar perigosamente perto de uma depressão. E, na pele da personagem, Florence Pugh entrega isso sem forçar a barra, de maneira convincente. A atriz consegue alternar momentos em que é durona e arrebenta tudo que vem pela frente com outros de melancolia e tristeza genuínas.

A cena em que ela se queixa da distância que se estabeleceu com o “pai” e vai às lágrimas é de cortar o coração, mas sem beirar ao sentimentalismo exagerado. Harbour/Guardião Vermelho segue, de certa forma, na direção oposta, alternando momentos em que transmite delicadamente toda a ternura que sente por Yelena a outros de exagero cômico típico do caricaturado supersoldado russo decadente.

A cena em que ele chega atrasado para avisar a Viúva sobre a armadilha à qual ela e os parceiros incidentais sobreviveram (sem que ele saiba) é hilária. O desespero aliado ao jeito tiozão do personagem arranca risadas do cinema inteiro. E, enquanto Yelena não sabe exatamente como lidar com o vazio que sente, o Guardião tem certeza que isso é simples: basta ela se tornar uma heroína e, como ele foi no passado e quer ser novamente, ser adorado pela população.

Aqui vale lembrar um pouco o roteiro do filme: um grupo de (ex) super-heróis fracassados/de segunda linha acaba se reunindo incidentalmente para salvar a cidade (e possivelmente o mundo) de um grande vilão. Inicialmente, quatro deles – que se tornaram mercenários a serviço da Contessa Valentina Allegra de Fontaine – se enfrentam em uma missão “de limpeza” determinada pela diretora da CIA, que está em vias de sofrer um impeachment e quer eliminar rastros que podem comprometê-la.

Além da Viúva Negra, fazem parte deste quarteto Ava Star/Fantasma (Hannah John-Kamen), Antônia  Dreykov/ Taskmaster ou Treinadora (Olga Kurylenko) e John Walker/Agente Americano (Wyatt Russel). Se juntarão a eles ainda um sujeito chamado Bob – encontrado dentro do complexo onde os quatro se enfrentam e claramente mais do que aparenta – e o já citado Guardião, além de Bucky Barnes, o Soldado Invernal (Sebastian Stan). Este último, atualmente um congressista eleito, está atrás de provas contra Valentina.

Seguindo a fórmula (batida, mas eficiente) de primeiro lutarem entre si, para depois se unirem, o grupo – ou ao menos os que sobrevivem – não tem nenhuma coesão, não sabe trabalhar junto e tem dificuldade para seguir ordens, mas acaba se tornando a única esperança da população contra um poderoso vilão.

O roteiro é repleto de cenas de ação, humor e punchlines engraçadas e inteligentes (boa parte por conta do Guardião Vermelho), com algumas reviravoltas, e bem amarradinho. E com um final bastante interessante, dando um passo – e ganchos – para os próximos filmes do Universo Marvel.

Apesar de os Thunderbolts serem pouco conhecidos por quem não lê quadrinhos da Marvel (e até por uma parte dos que leem), o fato não interfere nada no filme. Primeiro porque nele é mostrada a origem do grupo, que é formado por personagens que já apareceram em outros filmes e seriados  da Marvel/Disney, e até de onde vem o nome da equipe.

Segundo porque os Thunderbolts do cinema tem pouco a ver com os dos quadrinhos, onde surgiram em 1997 como um grupo de vilões (os Mestres do Mal) disfarçados de heróis e comandados pelo Barão Zemo. A primeira formação do grupo nas revistas, além de Zemo, incluía os criminosos Rocha Lunar, Besouro, Colombina, Golias e Armador, todos usando nomes falsos e uniformes diferentes. Se você nunca ouviu falar esses nomes antes, não se sinta mal, porque -a exceção de Zemo, um adversário do Capitão América– eles eram totalmente irrelevantes.

Outros personagens um pouco mais conhecidos chegaram a integrar a equipe dos gibis em diferentes épocas. O herói Gavião Arqueiro, um vingador, chegou a comandá-la e vilões como Venom, Lady Letal , Mercenário e Doutor Octopus chegaram a fazer parte dos Thunderbolts. Diga-se de passagem, o único que aparece no filme que já foi parte do grupo nos quadrinhos é Taskmaster, que nos gibis é um personagem do sexo masculino.

Uma curiosidade é que muita gente diz que os Thunderbolts são “o Esquadrão Suicida” da DC. Nos quadrinhos há de fato uma similaridade, já que nos dois casos se trata de grupos formados por criminosos que agem sem muita ética em missões perigosas (e na maioria heroicas) em troco de benefícios diversos. E há até os que ressaltam que ambos são comandados por mulheres inescrupulosas, o que é verdade só para os filmes, já que nos quadrinhos Amanda Waller chefia o Esquadrão Suicida, mas Valentina não comanda os Thunderbolts.

Porém é importante destacar que, no filme, os Thunderbolts não são bandidos e, sim, heróis fracassados, com passados complicados, ou deixados em segundo plano. Além disso, há uma outra diferença importante: por mais que tenham um certo desejo por fama (em especial um certo ex-supersoldado russo) e reconhecimento, a equipe não luta por perdão de penas recebidas ou por benefícios pessoais. Ainda que muitas vezes tenham valores distorcidos e métodos pouco ortodoxos, os Thunderbolts do Universo Cinematográfico Marvel querem ajudar e salvar pessoas.

Em tempo, o filme tem duas cenas pós crédito. A primeira é divertida e vale a pena ver, mas a segunda é mais “importante”, pois se conecta diretamente ao filme do Quarteto Fantástico, que estreia em julho, e até alimenta algumas especulações sobre um possível acontecimento do futuro longa.

Os problemas

É claro que nem tudo são flores em relação a Thunderbolts*, também há algumas pedras, ou melhor, críticas no caminho do filme. Uma delas é que a própria Marvel/Disney acabou fornecendo alguns spoilers, que serão comentados aqui de forma a não entregar nada antecipadamente para quem, por sorte, não ficou sabendo deles.

O primeiro é que, ao colocar o asterisco no nome do filme, a produtora chamou a atenção dos fãs, que começaram a especular sobre o porquê e descobriram a resposta muito antes da estreia do filme, em 1º de maio de 2025 (no Brasil). Todo mundo que participa ou segue canais/influenciadores/especialistas no universo dos super-heróis já ficou sabendo de antemão do que se tratava o tal asterisco.

E não bastasse isso, logo depois da estreia foi lançada uma nova campanha na qual, de maneira divertida, o cartaz dos Thunderbolts* era substituído por um novo revelando um outro nome para o longa. De novo, se você não assistiu ao filme e teve a sorte de não ser exposto a este spoiler, não somos nós que vamos te contar.

Na mesma linha, os fãs deduziram outros dois fatos vendo trailers da Marvel. O primeiro foi quem é realmente o tal Bob, um dos personagens mais interessantes e complexos (e tristes) já lançados nos quadrinhos, ainda que pouco popular. O segundo é que, olhando os nomes nas cadeiras dos atores já escalados para o filme vindouro do Dr. Destino (em 2026) no trailer com Robert Downey Jr., é possível ver a ausência de um dos integrantes do elenco de Thunderbolts*. Logo, os fãs concluíram que a não-escalação daquela pessoa implicava que o personagem interpretado por ela não passaria para a próxima fase do Universo Marvel, ou passaria “desta para melhor” já em Thunderbolts*. Dito e feito.

Importante destacar que nenhum destes fatos afetou o filme em si, que, para a alegria dos fãs, é realmente muito bom. Tanto que em menos de um mês nos cinemas já arrecadou US$ 325,7 milhões de bilheteria mundial (o custo do filme, segundo o Hollywood Reporter, teria sido de US$ 180 mi).

A crítica final também não afeta Thunderbolts*, pois ela é direcionada não ao filme em si, mas à Marvel/Disney: a demora em lançar o longa. Não se está falando aqui de um atraso de produção, mas sim ao fato de que Thunderbolts* poderia e deveria ter sido lançado anos antes, no lugar de outros filmes e séries que foram priorizadas e não tinham nenhuma razão de ser ou efeito prático na cronologia (como Mulher-Hulk ou Thor Love and Thunder, por exemplo).

Isso dificultou até mesmo a lembrança de quem vai ao cinema em relação aos componentes da equipe, é difícil lembrar de cabeça quando foi mesmo que eles apareceram ou foram vistos pela última vez, e em que filmes ou séries.

Então, só para relembrar:

Yelena Belova –  estreou e foi vista pela última vez antes de Thunderbolts* no filme solo da Viúva Negra Natasha Romanov, Black Widow, em 2021;

Guardião Vermelho – estreou e foi vista pela última vez antes de Thunderbolts* no filme solo da Viúva Negra Natasha Romanov, Black Widow, em 2021;

Agente Americano – estreou e foi visto pela última vez antes de Thunderbolts* na série The Falcon and The Winter Soldier, levada ao ar pela Disney Plus em 2021.

Taskmaster –  estreou e foi vista pela última vez antes de Thunderbolts* no filme solo da Viúva Negra Natasha Romanov, Black Widow, em 2021;

Fantasma – Estreou e foi vista pela última vez antes de Thunderbolts* no filme O Homem-Formiga e a Vespa, em 2018.

Soldado Invernal – O mais conhecido dos Thunderbolts* estreou como Bucky Barnes em 2011, no filme Capitão América: o primeiro Vingador, e como Soldado Invernal em Capitão América 2: o Soldado Invernal (2014). A última aparição havia sido na série The Falcon and The Winter Soldier, levada ao ar pela Disney Plus em 2021, mas Barnes fez uma minúscula aparição especial em Capitão América Admirável Mundo Novo (2025)

Contessa Valentina Allegra de Fontaine – Estreou na série The Falcon and The Winter Soldier, levada ao ar pela Disney Plus em 2021, e naquele mesmo ano apareceu também no filme solo da Viúva Negra. A última aparição antes de Thunderbolts* foi em Pantera Negra: Wakanda para Sempre (2022). 

NOTA DO CRÍTICO: Esse é bom

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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