Sucessora do Homem-de-Ferro no Universo Cinematográfico Marvel, a heroína Ironheart (ou Coração-de-Ferro, para quem preferir o nome em português) faz estreia solo em grande estilo no Disney+. Depois de uma única aparição nos filmes da franquia, mais especificamente em Wakanda Forever, em 2022, a heroína juvenil ganha neste dia 24 de junho série própria com seis episódios previstos na primeira temporada – três já serão disponibilizados imediatamente na data de estreia.
A julgar pelas reações ao trailer divulgado no YouTube, porém, a personagem interpretada pela atriz Dominique Thorne terá não só altas expectativas a serem atingidas – após o sucesso “meio que inesperado” do último seriado da Marvel Television, o ótimo Agatha desde sempre – como ainda enfrentará resistências por parte do público.
Três semanas após a divulgação do trailer, o canal oficial da Marvel no YouTube registrava quase 9,2 milhões de views, com 214 mil curtidas e mais de 500 mil “dislikes” (apesar da plataforma não permitir mais a visualização da repercussão negativa, há inúmeras ferramentas na Internet que tornam possível “enxergar” os polegares pra baixo). Ainda que a maioria das pessoas que viram não tenha se manifestado, o número significativo de rejeições indica que Ironheart terá que se esforçar para conquistar boa parte do público.
Talvez não por coincidência, a personagem – cujo “nome civil” é Riri Williams – também enfrentou alta rejeição nas Histórias em Quadrinhos, quando surgiu em 2016. Isso porque Coração-de-Ferro é, em termos de criação, uma espécie de “Bane” da Marvel.
Bane, para quem não sabe, é o nome de um vilão que basicamente surgiu do nada para derrotar Batman e colocá-lo em uma cadeira de rodas em 1993. Em janeiro daquele ano a DC Comics lançou uma história apresentando o criminoso (Batman: Vengeance of Bane #1) e em abril o fora-da-lei totalmente desconhecido não só se tornou a grande estrela do arco A Queda do Morcego como planejou os eventos que levaram o Homem-Morcego a um burnout seguido de derrota homérica nas mãos dele.
Ou seja, em vez de se utilizar de um dos grandes vilões existentes na HQ, o que com certeza geraria mais impacto no público e faria sentido na história, a editora optou por um personagem desconhecido para derrotar um dos maiores super-heróis dela.
Não bastasse isso, ainda fez que Batman escolhesse como sucessor não um outro herói já estabelecido – como o herdeiro natural Dick Grayson, primeiro Robin e então já atuando como Asa Noturna – e, sim, um personagem amalucado e membro de uma seita religiosa que também era recém-criado, Azrael (surgido em 1992, ou seja, menos de um ano antes).
Exatamente o mesmo ocorreu com Ironheart . A Marvel havia planejado naquele ano de 2016 o arco Guerra Civil II, no qual ocorreria a morte do Homem-de-Ferro, após um confronto com a Capitã Marvel (o falecimento foi posteriormente revertido para um coma e eventual retorno). E, na linha “legado”, um novo herói deveria preencher o vácuo.
Seguindo a escola da DC, em vez de escolher um personagem consolidado nas histórias (como James “Máquina de Combate” Rhodes ou Peper “Resgate” Potts), a editora lançou Riri Willians em maio de 2016, publicou Guerra Civil II de junho a dezembro do mesmo ano e, com a suposta morte de Tony no fim da série, ela assumiu oficialmente a armadura em 2017.
Os fãs não gostaram nada da atitude “chegou-agora-e-já-sentou-na-janelinha”, ainda mais quando nas primeiras HQs a menina já começou a fazer atos considerados muito grandiosos para uma estreante. Entre outras coisas, ela derrotou todas as armaduras do Homem-de-Ferro logo no primeiro treino.
Para quem lia, a sensação era que as histórias da personagem tinham um tom meio forçado, com o objetivo de convencer em tempo recorde que ela era uma heroína muito poderosa e extremamente inteligente.
Somava-se a isso o fato de que a garota, de apenas 15 anos, soava arrogante e ainda dava lições e foras na Inteligência Artificial Holográfica de Tony Stark que a ajudava a se aperfeiçoar. Muitos leitores, inclusive, acharam desnecessária a agressividade da menina ao rejeitar a sugestão de assumir o nome “Ironwoman.”
Mas a rejeição foi sendo vencida aos poucos, na medida em que os argumentos começaram a se preocupar mais com boas histórias e menos em convencer os leitores sobre o quão boa Ironheart era. E nas histórias Riri mesmo foi ficando menos petulante e aprendendo – em duras lições – que havia muita gente melhor que ela.
Um dos destaques neste sentido foi uma HQ na qual um grupo de heróis do qual Riri faz parte, os Champions, tenta evitar o genocídio de uma raça alienígena e Coração-de-Ferro, ao se deparar com ninguém menos que Thanos, parte para cima dele. Sem nenhuma cerimônia e usando apenas uma mão, Thanos praticamente derrete a armadura da menina, dá uma surra nela e basicamente diz que só não vai matá-la porque tem mais o que fazer em vez de desperdiçar tempo com uma criatura tão insignificante. Derrotada e humilhada, Riri teria pesadelos com a cena em várias HQs depois disso…
Mas e o seriado?
É difícil saber a razão exata da rejeição dos fãs, identificada nos likes e dislikes do YouTube, ao seriado. O elemento do “mal-chegou-e-quer-sentar-na-janelinha” com certeza está presente, já que Tony Stark foi o grande herói dos filmes da Marvel até agora, tendo feito o maior sacrifício de todos para salvar o universo em Vingadores Ultimato (End Game), e assim como nos quadrinhos não faltam nos filmes e seriados outros personagens melhor estabelecidos para substituí-lo (inclusive os já citados Máquina de Guerra e Pepper Potts).
Além disso, o público tem um certo pé atrás com os seriados da Marvel. Afinal, ainda que haja bons títulos entre o grande número deles lançados nos últimos anos, boa parte não agradou à maioria dos espectadores, quer seja por problemas de roteiro, efeitos especiais ruins ou mesmo por focarem em personagens pouco relevantes e pouco conhecidos. E, sim, ainda há uma pequena parte que rejeita determinados personagens por misoginia ou racismo.
Mas há também elementos a favor do seriado, entre os quais o fato dele ter como produtor executivo Ryan Coogler, que dirigiu e roteirizou Creed (2015), Pantera Negra (2018), Wakanda Forever e Sinners (2025), entre outros. Além disso, o trailer e a sinopse mostram que há muitos dos bons elementos dos quadrinhos.
A série da Disney+ se passa cronologicamente após os fatos de Wakanda Forever. De volta ao mundo real e sem a armadura que usou na nação do(a) Pantera, Riri está tentando desenvolver uma armadura “icônica” que a ajude a tornar o mundo melhor.
Aparentemente sem financiamento (segundo informações que vazaram sobre o seriado, ela será expulsa do MIT logo no início da série), ela acaba sendo envolvida convencida por um sujeito chamado Parker Robbins, interpretado por Anthony Ramos, que muitas vezes é preciso seguir alguns caminhos alternativos para fazer um bem maior.
O que a garota não sabe, porém, é que Robins é na verdade o vilão Capuz (The Hood). Nas HQs, esse personagem criado em 2002 era um bandido de segunda linha, que comete crimes menores “para cuidar da mãe doente”, até que em um assalto mata acidentalmente um demônio. Sem saber o que o falecido era, o rapaz acaba roubando as botas e o manto com capuz que o morto usava.
Acontece que, ao utilizar os acessórios, ele ganha poderes como ficar invisível, andar no ar, se teleportar e canalizar mágica por meio das pistolas que carrega. Usando magia e inteligência, ele se torna o chefe de um império criminoso e chega inclusive a enfrentar pesos pesados entre heróis e vilões. Ele quase venceu em batalha, por exemplo, o Dr. Destino, que triunfou na luta com muito esforço e terminou com parte do rosto queimado.
No seriado, a princípio, o Capuz ainda não será tão poderoso, mas deve dar uma boa dor-de-cabeça para Coração-de-Ferro, até porque ela também estará desenvolvendo a armadura (no trailer é possível ver alguns dos modelos criados por Riri).
Há ainda especulações de que o capeta-mor do universo Marvel, o temível Mefisto, irá aparecer em Ironheart, finalmente. Ainda não está claro, porém, até que ponto isso irá mesmo ocorrer e como. O que é certo é que haverá confronto entre tecnologia e magia (infernal).
Vale dizer ainda que visualmente muita coisa das HQs parece ter sido aproveitada no seriado. A cena (que pode ser vista no trailer) em que a heroína segura um caminhão “no braço” usando um dos protótipos que desenvolveu é praticamente idêntica a dos gibis.
Um pouco mais sobre Ironheart
Elaborada pela equipe criativa comandada pelo roteirista Brian Michael Bendis (criador de Jessica Jones e Miles Morales) e o desenhista brasileiro Mike Deodato, Riri Willians apareceu pela primeira vez na revista Invencible Ironman número 7, em 2016.
Com um QI altíssimo que a identificou como um “supergênio” logo aos cinco anos de idade, ela ganhou uma bolsa de estudos do MIT quando tinha apenas 11 anos.
Aos 13, perdeu a melhor amiga e o padrasto em um tiroteio num parque público. Com a mesma idade, fazendo engenharia reversa em uma armadura Mark-41 do Homem-de-Ferro, ela criou a própria armadura e, graças a alguns atos de heroísmo, chamou a atenção de Tony Stark/Homem-de-Ferro.
O super-herói, então, passa a apadrinhá-la e eventualmente a escolhe como substituta caso algo lhe aconteça (o que efetivamente ocorre após a suposta morte dele na série Guerra Civil II).
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