Agora no streaming: Branca de Neve…e os sete errões?

Fracasso do ano em termos de bilheteria (custou US$ 250 milhões e arrecadou US$ 204 mi, ou seja, sequer se pagou), o live-action de Branca de Neve acaba de chegar ao Disney+. Após uma temporada de aproximadamente dois meses excruciantes no cinema, nos quais o filme foi alvo de uma chuva de críticas e até alguns boicotes, os assinantes do canal de streaming agora podem conferir com calma se a versão 2025 de Branca de Neve é mesmo (tão) ruim.

É bom dizer desde já que o filme tem méritos, mas foi vítima de uma série de pecados cometidos por ele mesmo. Talvez até de maneira exagerada: vendo de mente aberta e como uma fábula, ele tem bons momentos, gera algumas risadas e com certeza vai agradar ao público mais infantil.

O que fez o longa flopar, porém, foi uma série de erros que são enxergados principalmente pelo público adulto, além de polêmicas – desnecessárias- que foram geradas em torno da produção, parte delas antes mesmo do filme chegar ao cinema.

O MundoHQ sugere que você assista ao filme e tire as próprias conclusões, mas elenca aqui sete erros que abalaram os alicerces de Branca de Neve nos cinemas:

1) Musical sem aviso prévio – Muita gente se surpreendeu quando descobriu que o filme é um musical (ou tenta ser, na maior parte do tempo) quando já estava no cinema. É bom lembrar que toda animação Disney que se preza tem músicas entre cenas de ação, mas o live-action vai na direção oposta. Nos primeiros nove ou dez minutos, por exemplo, sequer há diálogo:  um narrador dá o contexto da história enquanto diversos atores cantam e dançam em coreografia. Depois há cerca de cinco minutos de ação e diálogos, e outra música com dança se inicia.

E ainda que as letras (e coreografias) de algumas músicas sejam interessantes, no geral (e, literalmente, no final) o resultado é cansativo. Para terminar, Gal Gadot é uma atriz inconstante, que varia o nível de interpretações até dentro de uma mesma franquia – por exemplo, estava bem no primeiro filme de Mulher-Maravilha, e sofrível no segundo, 1984  (que por sinal foi um filme meia-boca).

Mas quer você a ache boa atriz ou não, assistindo ao filme irá concordar que boa cantora ela não é. Enquanto não tem que impor a voz até que ela passa, mas quando a música exige volume e intensidade maiores, aí a coisa pega.

2) A mais bela de todas? Um tremendo furo no roteiro – Assim que o elenco foi confirmado, muita gente ficou fazendo comentários dispensáveis comparando a beleza da atriz que interpreta a Rainha Má (Gal Gadot) com a da intérprete de Branca de Neve (Rachel Zegler). Houve também comentários beirando ao racismo, questionando a escolha de uma atriz de ascendência colombiana para dar vida a uma mulher que “tinha a pele branca como a Neve” (aliás, no filme o nome da princesa é justificado porque ela nasceu em meio a uma nevasca).

Contudo, a Disney encontrou uma forma de evitar as comparações de beleza – e ao mesmo tempo passar a mensagem sobre o tipo de beleza que importa – ao deixar claro no filme que o que pauta a resposta do espelho é a beleza que vem de dentro, a beleza interior. E, neste sentido, o Espelho diz para a Rainha que Branca de Neve é a mais bela de todas logo após a garota perceber (muito tardiamente) a maldade da madrasta e passar a agir para trazer de volta uma vida boa para a população faminta e explorada cruelmente pela monarca.

Só que essa solução, aparentemente boa, é na verdade um tremendo furo no roteiro. Se só existissem Branca e a Rainha no reinado inteiro, o conceito seria perfeitamente viável. Mas considerando-se que as duas vivem em um reino cheio de gente generosa, que costumava dividir tudo entre si, e que a Rainha Má é cruel, frívola, egoísta, mesquinha, enfim, uma peste completa, sério mesmo que não existe ninguém além de Branca de Neve que tenha mais beleza interior que a vilã?

3) Os não-anões.  O título original do desenho lançado em 1937 é Snow White and the Seven Dwarfes , mas no live-action não há anões nem no título e nem no papel dos sete o-que-quer-que-sejam criados por computação gráfica. A confusão começou quando o (ótimo) ator Peter Dinklage, o Tyrion Lannister de Game of Thrones, criticou a produção do filme. “Não quero ofender ninguém, mas isso me fez dar um passo para trás. Eles se orgulham de contratar uma atriz latina como Branca de Neve, mas ainda estão contando a história de sete anões vivendo em uma caverna?”, pontuou, dizendo que a história perpetuaria estereótipos antigos sobre pessoas com nanismo e as retrataria como criaturas dóceis e submissas.

De imediato a Disney se pronunciou dizendo que não queria reforçar nenhum tipo de estereótipo negativo e afirmou que iria rever a situação, enquanto vários outros atores anões se posicionaram contra Dinklage, alegando inclusive que por causa dele sete boas oportunidades de trabalho estariam sendo fechadas.

Depois de muitas idas e vindas, a “solução” foi fazer as criaturas por meio de imagens geradas por computação gráfica, a famosa CGI, e como uma espécie de compensação pessoas com nanismo foram contratadas para outros papéis – há uma delas entre  os dubladores dos sete, uma em um papel com certo destaque  criado para o live action (Quigg, o mestre da besta), algumas que aparecem como figurantes nas danças). O problema é que, além de toda a polêmica, o visual dos anões – que sequer são referidos como  tal no live-action – não agradou boa parte dos espectadores, que achou o resultado caricaturado e “falso” demais.

4) Independente, pero no mucho – Muito, mas muito barulho foi feito em virtude das atrizes principais terem declarado – bem antes do filme chegar aos cinemas – que “não era mais 1937” e que não haveria príncipe encantado na história, que Branca de Neve seria mais líder, independente, etc. Já foi o suficiente para que o filme, antes mesmo de sair, fosse identificado como um tipo de libelo feminista e se iniciasse a chatíssima guerra conservadores versus progressistas na Internet.

Porém, tirando-se o fato de que realmente não existe um príncipe encantado literal – em vez dele aparece no longa uma espécie de Robin Hood chamado Jonathan, que rouba dos ricos (ou da rica) para dar aos pobres – essa Branca de Neve não é tããão independente assim.

Ok, de fato ela não limpa a casa dos anões quando a encontra suja e vazia. Em vez disso, limpa o lugar junto com eles ao som da tradicional  Whisle while you work, os ensinando a trabalhar em conjunto em vez de ficarem brigando. Por sinal, é ela quem ensina os anões a assobiar, numa sacada interessante para começar a “dar voz” a Dunga, que neste longa é patologicamente tímido em vez de mudo.

Mas, por outro lado, Branca de Neve fica esperando o pai voltar para resolver os problemas do reino (Jonathan até zoa a cara dela sobre ficar esperando um rei ou um príncipe para resolver as coisas na canção que zomba dos “problemas de princesa”).

O ladrão-galã também salva a vida dela ao se postar na frente de uma flecha atirada por um soldado da rainha. É ele que vai atrás da tirana enquanto Branca se esconde na casa dos anões e acaba sendo abordada pela bruxa com a maçã. E é ele que a desperta com o tradicional beijo  quando ela está dormindo- por pouquíssimo tempo – e dada como morta pelos anões.

Sim, Branca de Neve é mais ativa no filme, chega a salvar os “bandidos do bem” levando os soldados para a longe em um determinado momento e, depois de acordar com o beijo do mocinho, efetivamente lidera a revolução light que, usando apenas palavras, irá colocar o povo contra a Rainha Má e leva-la à auto ruína. Mas daí a dizer que o filme é uma mensagem feminista contra o conservadorismo há um longo – e exagerado – caminho.

Se for para falar em independência feminina a Branca de Neve de Once Upon a Time (Ginnifer Godwin) dá de dez a zero nessa. Aliás, a Rainha Má Regina interpretada por Lana Parrilla  também. E ainda assim ninguém propôs boicote ao seriado ou o transformou em motivo de guerrinha nas redes sociais.

5) Israel versus Palestina –  E para quem achou que polarização pouca é bobagem, Gal Gadot e Rachel Zegler resolveram criar mais uma fora do set. Gadot, que é isralense, se manifestou nas redes sociais defendendo a posição de Israel na guerra com a Palestina enquanto Zegler pediu pela liberdade da faixa de Gaza. As duas não entraram em conflito, mas parte do público fez isso por elas.

E ainda começou a interpretar a “linguagem corporal” das atrizes quando apareciam juntas em público, para comprovar que ali havia não só opiniões diferentes, mas um confronto. Até quando a dupla apresentou uma categoria do Oscar teve quem afirmasse que o andar mais  apressado da intérprete de Branca de Neve era para se afastar de Gadot.

6) Mudanças desnecessárias – É claro que todo live-action tem mudanças, até necessárias, em relação ao desenho animado que o originou. Mas dá para fazer com inteligência e conseguindo bons resultados, que o diga a versão de Aladdin com Will Smith. Branca de Neve tem cenas que remetem, sim, diretamente ao desenho, como Dunga brincando com pedras preciosas como se fossem óculos, as sombras dos anões nas paredes quando saem da mina ou os animais alertando os anões e os levando para tentar salvar Branca de Neve da madrasta.

Por outro lado parece ter havido pouco cuidado com cenas como a entrada da heroína na floresta, fugindo do caçador. No desenho fica claro que ela vê monstros por causa do medo que está sentindo, enquanto no live-action parece que de repente ela entrou em uma mata onde vive uma árvore-demônio. E a iluminação vermelha, deixando a floresta com aspecto de boate de segunda, não ajuda em nada.

Há outras mudanças inúteis e inexplicáveis, como o fato de os anões terem “poderes mágicos” que basicamente servem para iluminar a mina, já que fazem as pedras preciosas não-coletadas brilharem. Ainda que o efeito visual na cena seja bonito, é algo extremamente gratuito, já que eles não voltam a usar o poder para o que quer que seja no resto do filme. Como a Disney chegou a dizer que os sete humanoidezinhos criados por CGI não seriam anões e sim criaturas mágicas, talvez tenham feito a cena apenas para dizer: “Viu? Eles são mágicos.”

Aliás a própria magia da Rainha Má é mal explorada. A narração diz que ela teria algum poder ligado a beleza para, aparentemente, dominar as pessoas. Mas o que ela faz efetivamente é transformar a cor de uma rosa, tirar um diamante de dentro de uma outra, transformar uma terceira em cinzas e tirar uma adaga de cristal da manga. Parece mais prestidigitação de palco do que magia.

7) A mordida na maçã e o fim da Rainha Má – Começando pela parte boa, a transformação da jovem rainha em uma bruxa velha é muito bem-feita. E em virtude de uma mudança de roteiro compreensível, para possibilitar que Branca de Neve triunfe posteriormente sobre a madrasta e “liberte” o povo, a “vovó” não tenta vender maçãs para a mocinha enquanto ela fazia tortas para os anões, como na animação original (que por sinal pode ser vista na Disney+ também).

Ela diz que está ali para dar um recado do ladrão do bem Jonathan, que foi capturado pela Rainha Má, e então Branca de Neve se apressa para ir ao encontro dele, para tentar salvá-lo. Mas antes que ela se vá, a bruxa diz que conheceu o pai de Branca de Neve e oferece a ela uma maçã  “em memória do rei”  ou coisa parecida, para ela “comer na viagem”.

E de repente a princesa, que até então estava desesperada para ir ao encontro do amado, para tudo, pega a maçã e dá uma mordida ali mesmo (não era pra viagem?). Teria a rainha usado o “poder da beleza” (da maçã, no caso) para hipnotizar a mocinha? Ou será que ela estava com muita, muita fome, e resolveu comer ali mesmo, na hora, antes de sair? Não fica claro e não faz sentido.

Mas continuando a cena. No desenho original, os anões chegam com os animaizinhos, perseguem a bruxa sem poderes e ela acaba caindo em um abismo e morrendo. Daí eles colocam Branca num caixão com cobertura transparente, tempos depois o príncipe chega, a beija e…felizes para sempre.

No live-action, Jonathan chega rapidinho, beija a princesa, ela acorda tendo uma epifania e resolve ir para o castelo liderar o movimento para destronar a madrasta. Até aí, tá valendo. Mas o fim da rainha, sem dar spoilers, é patético e do nada. Só pra não deixar de falar algo, aquela história de quem quebra um espelho tem sete anos de azar é fichinha.

Ah, “e tem felizes para sempre”, você pergunta? Para sempre não dá para saber, mas que eles ficam felizes ficam. Tanto que, adivinhe? Todo mundo comemora com muita dança e cantoria…

NOTA DO CRÍTICO: Meia Boca

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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