Djota Carvalho
Uma das melhores sagas de História em Quadrinhos de todos os tempos, premiada mundialmente não só com honrarias dedicadas a HQs como a obras literárias, The Sandman resiste ao tempo. Mas, pelo menos em se tratando da versão para streaming, não resistiu às denúncias de violência sexual contra o escritor Neil Gaiman: após três anos em produção, a segunda temporada da ótima adaptação da Netflix estreia em julho de 2025, mas será a última.
Claro que a Netflix, elegantemente, não diz explicitamente que a suposta conduta de Gaiman (o autor e a esposa ainda não foram julgados) tem algo a ver com o cancelamento. Quando confirmou – em janeiro – que não renovaria The Sandman, Allan Heinberg (produtor/showrunner da série) afirmou que “ao analisar o material da primeira temporada” os diretores perceberam que não teriam material para fazer mais etapas da produção.
Vale lembrar que essa “análise” só se tornou pública após as denúncias que surgiram em 2024. E que The Sandman nos quadrinhos tem 75 capítulos divididos em diferentes arcos, sendo que destes mais ou menos 15 (não necessariamente na ordem) foram utilizados para produção de toda a primeira temporada…
Também é curioso que Dead Boy Detectives, spin-off de The Sandman lançado na Netflix em abril de 2024, também foi cancelado. Já a série Good Omens, da Amazon Prime baseada em obra de Gaiman, teve a terceira temporada “encurtada” para um único episódio sem a participação do autor.
E o projeto de adaptação da Disney do ótimo The Graveyard Book, outra obra do escritor inglês, foi suspenso por tempo indeterminado. Assim como o musical Coraline, baseado em livro dele (que anteriormente já virou filme e Graphic Novel).
De volta à segunda temporada de The Sandman, o seriado retorna à Netflix fatiado em dois. A primeira parte da segunda temporada, com seis episódios, estará disponível em 3 de julho. Já os cinco episódios que compõem o “volume 2” chegam no dia 24.
Segundo o resumo da temporada inicial descrito pelo próprio Allan Heinberg, no final da temporada passada Sonho/Dream (Tom Sturridge) – após se libertar do aprisionamento de décadas – descriou o pesadelo Corinthio e destruiu o Vórtice que ameaçava consumir o Reino do Sonhar e o reino e o universo. Enquanto isso, no Inferno, Lúcifer e Mazikeen planejaram vingança contra ele pela “vergonha pública” imposta na batalha entre Morpheus e o monarca do inferno. E, em paralelo, o senhor dos sonhos também socorreu a ex-amante, a musa Calliope, com quem havia brigado sobre o destino do filho de ambos, Orfeu.
“A segunda temporada começa algumas semanas depois. Depois de mais de um século longe do Sonhar, Dream vem restaurando e reconstruindo seu reino. Ao transformar o palácio, ele promete deixar o passado para trás e olhar para o futuro. O passado, claro, tem outras ideias. Em termos de design, Sonho tem um novo palácio que simboliza seu intenso desejo de seguir em frente após os eventos da 1ª temporada. O que significa que sua sala do trono foi remodelada. Também exploramos uma série de períodos de tempo, mundos e reinos inteiramente novos. E todos os designs – os cenários, os figurinos, os adereços, os efeitos visuais – têm suas raízes nos quadrinhos”, diz Heinberg.
Ele acrescenta: “Assim como na 1ª temporada, nossa adaptação pretende ser fiel aos movimentos da história de Sonho, mas de uma forma que espero que surpreenda os fãs fiéis das HQs.”
Entre os rostos novos surgindo na temporada está Delirium (Esmé Creed-Miles), a irmã mais nova dos Perpétuos. “Delirium é um personagem favorito dos fãs nos quadrinhos de The Sandman. Fiquei um pouco intimidado por ter que escrever Delirium porque a voz dela é muito específica. Achei que seria difícil, senão impossível, escalar esse papel, então tivemos uma sorte incrível de Esmé Creed-Miles estar disponível e interessada. No momento em que ela abriu a boca na audição, sabíamos que ela era Delirium. Ela era hábil – e idiota – e simples e verdadeira, e estamos todos loucamente apaixonados por ela”, diz.
O foco inicial da temporada 2 deve ser o arco das HQs Estação das Brumas, a julgar pelo trailer e pelos personagens que tiveram nomes divulgados no cast -que incluem o deus da trapaça Locki (Freddie Fox), Odin (Clive Russell), Thor (Laurence O’Fuarain); os representantes do mundo das fadas Cluracan (Douglas Booth) e Nuala (Ann Skelly); e o perigoso e dissimulado Puck, de Sonho de Uma Noite de Verão. Este último, por sinal, será interpretado por Jack Gleeson, o cruel príncipe Joffrey Baratheon de Game of Thrones.
O arco dos quadrinhos começa justamente com a reunião de Sandman e os irmãos perpétuos e, a partir dali, uma nova ida de Morpheus ao Inferno em busca de Nada, uma antiga amante. E, do novo – e surpreendente – confronto com Lúcifer, um fato que colocará o Sonhar no centro de interesse de inúmeras deidades e seres mitológicos.
Diga-se de passagem, as cenas do Jardim de Destino, bem como dos três defensores da entrada do Castelo de Sandman – um dragão, um unicórnio e um grifo – reproduzem à perfeição os quadrinhos. Porém, resumir todos os demais arcos da história em onze episódios é certamente uma tarefa hercúlea, para não dizer impossível.
Independentemente das justificativas do showrunner, há, sim, muito mais conteúdo nas HQs para mais temporadas e o sucesso da primeira também mostra que os fãs (dos quadrinhos e do seriado) são um público ávido, que consumiria muito mais do que duas seasons.
Ou seja, a realidade é que poderia haver mais temporadas não fosse o cancelamento autoimposto em virtude das acusações contra Gaiman e quem perderá com o encurtamento será, sem dúvida, o público. Para quem assiste, resta torcer que resumir à força o conteúdo das HQs em uma única “temporada final” seja minimamente digno e não uma solução meia boca.
E, quem sabe, sonhar que quando o pesadelo de Gaiman nos tribunais eventualmente terminar haja algum tipo de retomada de The Sandman. Um sonho, porém, que dificilmente se realizará.
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