Primeiro filme a ter Sam Wilson (interpretado pelo ator Anthony Mackie) oficialmente como Capitão América, Admirável Mundo Novo (Captain America: Brave New World) ultrapassou os US$ 400 milhões em arrecadação nas bilheterias em pouco mais de um mês em cartaz. O valor é maior que o total arrecadado mundialmente pelo primeiro filme da franquia (Capitão América: o Primeiro Vingador, de 2011, com US$ 370,6 mi) e supera com folgas o que foi gasto na produção, cerca de US$ 180 mi.
Portanto, na prática, é um sucesso comercial – que ainda pode crescer, apesar de estar a anos luz de distância da bilheteria mundial de Deadpool & Wolverine, o blockbuster do estúdio em 2024, que arrecadou incríveis US$ 1,3 bilhões ao redor do planeta.
Independentemente dos valores de arrecadação, Admirável Mundo Novo também é um bom filme de ação e de super-herói, e não decepciona quem gosta do gênero.
Pelo contrário, o argumento é redondo, os efeitos visuais são eficientes e os personagens centrais – bem interpretados em especial por Mackie e Harrison Ford, na pele do general (e presidente eleito) Thaddeus Ross – conduzem bem a história.
Ainda que outros coadjuvantes pudessem ter mais espaço ou aprofundamento (caso de Joaquín Torres, o novo Falcão), isso não prejudica o resultado final de maneira alguma.
Tanto que a recepção e as resenhas ao filme foram, na maioria absoluta, boas.
O curioso, porém, é que entre as pessoas que estão falando mal do filme, as críticas não se destacam por questionar o roteiro, as interpretações ou os efeitos especiais. Para um seleto clube de haters, o problema é que o novo Capitão América é um ser-humano “comum”, sem superforça, resistência, velocidade, enfim, sem todos os poderes dados pelo Soro do Super Soldado, a composição química que na história original, de 1941, transformou o franzino Steve Rogers em um sujeito alto, musculoso e extremamente poderoso.
E também aparece entre esses críticos gente dizendo que “Capitão América só tem um”, Steve Rogers, e a turminha da hashtag “Sam não me representa” – que ainda afirma que colocar um homem negro para substituir um herói loiro faz parte da tal cultura woke e por aí vai.
Vamos por partes. Em primeiro lugar, qualquer um pode ter o um Capitão América favorito e se sentir representado por ele. É fã de Steve Rogers? Ótimo. Curte mais Sam Wilson? Beleza. È uma questão de opinião e até de empatia. Isso posto, o resto é ignorância pura.
“Capitão América só tem um” mostra claramente que quem reclama nunca leu as histórias em quadrinhos. Desde a criação do personagem, um total de DOZE pessoas diferentes já usaram o uniforme. Isso sem contar outras quatro (mostradas na série The United States of Captain America) que se vestem com fantasias de alguma forma remetendo ao Capitão como uma homenagem ao herói.
Das 12, sete não tomaram soro nenhum nem tiveram características alteradas artificialmente. Outras dois tomaram versões do Soro do Super Soldado feitas por indivíduos ou agências do governo tentando recriar o original. Mais dois receberam poderes do vilão Power Broker.
E há um caso – Bucky Barnes, o Soldado Invernal – em que há dúvidas do uso do soro ou não, já que ele foi manipulado em diversos experimentos pelo nazista Arnim Zola e as histórias não deixam claro a utilização (além do que, seria mais provável utilizar alguma versão do soro/gases que criaram o Caveira Vermelha e não do capitão).
O fato é que tomar ou não o soro, ter ou não superpoderes, não é garantia de ser um bom super-herói, nem mesmo um bom Capitão América. Isso fica claro no filme: Sam Wilson tem grande agilidade, tática, é um guerreiro nato e se vale da armadura/uniforme desenvolvido em Wakanda para garantir força e armamento extra. E quando está sem o uniforme, tem que depender das próprias habilidades para se livrar do perigo.
Dizer que um personagem sem superpoderes que depende das habilidades, uniforme e equipamentos não é um super-herói é negar a existência -por exemplo – de Batman.
Por fim, cabe lembrar a quem alega que Sam Wilson assumiu o escudo “por causa da cultura Woke” que nas Histórias em Quadrinhos o Falcão se tornou Capitão em 2014, quando esse conceito nem existia. Nos gibis daquela época, o Soro do Super Soldado de Steve Rogers para de funcionar e ele envelhece inesperadamente (a ideia foi reaproveitada no Universo Cinematográfico Marvel em Vingadores Ultimato) e acaba pedindo a Sam para substituí-lo. Isso, ressalte-se, há mais de uma década.
Aliás, esse pessoal que politiza e vê segundas intenções em tudo realmente exagera: na Internet houve quem dissesse que no filme originalmente apareceria um Hulk Laranja, em uma referência “ao tom de pele do presidente estadunidense Donald Trump”, para induzir que Trump é um monstro, um inimigo a ser combatido. Daí, para não ficar na cara, afirmam os conspiracionistas, “mudaram” para vermelho. Parece piada, mas não é. A afirmação era feita em tom de denúncia.
Bom lembrar para essa galera que o Hulk Vermelho é um personagem que existe desde 2008 nas HQs e que, ainda que o trama de Admirável Novo Mundo envolva confronto político-armamentista entre os EUA e outros países, não há nenhum tipo de metáfora ou referência ao atual governo estadunidense.
Então, vamos ao filme
O longa começa com Sam Wilson, já Capitão América, atuando em uma missão para recuperar uma carga misteriosa a pedido da Casa Branca. Apesar de fazer quase todo o trabalho pesado sozinho (em cenas de ação e luta bem coreografadas com direito às tradicionais piadinhas/punchlines bem encaixadas), ele conta com a ajuda do novo Falcão, Joaquin Torres (Danny Ramirez), e um grupo de militares.
A carga misteriosa é um volume de adamantium, metal que nos quadrinhos reveste as garras de Wolverine e no Universo Cinematográfico Marvel, ao qual o mutante ainda não pertence oficialmente na cronologia oficial, é encontrado na Ilha Celestial (nome bonitinho dado ao monumental cadáver de Tiamut, deixado no meio do oceano em Os Eternos).
O adamantium recuperado havia sido roubado pelo vilão Coral (Giancarlo Esposito) e pertencia ao Japão, um dos países com os quais o general/presidente Ross, pai de Betty e sogrão do incrível Hulk, está tentando fazer um pacto pacífico para a exploração do metal. Acontece que, durante uma apresentação na Casa Branca, as coisas desandam quando há uma megatentativa de assassinato a Ross na qual um amigo do Capitão (sem spoilers) é incriminado.
A partir daí a ação se divide entre descobrir quem realmente está por trás do ataque e livrar o amigo inocente, e impedir que o mundo entre em guerra por causa do adamantium. E se isso fosse pouco, o clima de tensão entre Ross e o Capitão só aumenta e as coisas se complicam ainda mais quando surge o Hulk Vermelho. Que você só não sabe quem é se não tiver visto nenhum trailer ou nenhuma foto do monstro.
Mas se a identidade do Hulk Vermelho (que não é o vilão do filme, diga-se) não foi mantida em segredo, a ideia de como a criatura surgiu foi muito bem desenvolvida. Assim como o arco de redenção de Ross. Interpretado com maestria por Harrison Ford, o personagem realmente demonstra a difícil e coerente jornada de raiva, descontrole, erros e arrependimento do general.
No mais não faltam boas cenas de ação e luta para chegar a um final esperado, sem muitas surpresas, mas dentro da expectativa de um bom filme de herói – que para muita gente a Marvel andava devendo.
O filme poderia ser melhor? Claro. Personagens como o vilão Coral e o novo Falcão poderiam ser melhor explorados. Bem em cena, tanto Esposito quanto Ramirez por vezes parecem mais estar fazendo uma participação especial do que efetivamente se envolvendo no plot do longa. O mesmo vale para Ruth Bat-Seraph, a super-heroína israelense dos quadrinhos que neste filme é introduzida como uma agente governamental (interpretada pela também israelense Shira Hass) e mal aparece.
Ainda assim, o diretor Julius Onah entrega o que promete – um admirável mundo novo – com novos Capitão América e Falcão, novos vilões e ameaças, e novas promessas que deverão ser desvendadas até a estreia do filme do Dr. Destino, em 2026.
Não custa lembrar que Ross pede ao Capitão América que crie um novo grupo de Vingadores e, a julgar pelos quase 30 nomes de atores e atrizes confirmados neste finalzinho de março pela Marvel para Avengers: Dooms Day, Sam Wilson vai atender ao pedido.
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