Jeremias

Em 1º de janeiro de 1960, o personagem Franjinha – que era publicado em tirinhas com o cãozinho Bidu desde o ano anterior – ganhou histórias mais longas na revista Zaz Traz. Por essa razão, precisava de um elenco de apoio, uma turminha.  E foi ali, na aventura “Um rapaz de outro mundo”, que apareceu Jeremias, o primeiro personagem negro criado por Maurício de Sousa.

Na ocasião, porém, o menino sequer tinha nome. Ao lado de outros três garotos “de apoio” (que viriam a ser Titi, Humberto e Manezinho), Jeremias tinha a pele pintada de nanquim. Era, portanto, totalmente preto, a exceção de pontos brancos nos olhos, boca e (estranhamente) nariz – e eventualmente usava um chapeuzinho de coroa, no estilo em moda em para meninos de algumas HQs da Luluzinha.

Como sucesso de Franjinha e Bidu, a dupla ganhou revista própria naquele mesmo ano – levando o nome do cachorrinho em destaque – e foi somente em maio, na revista Bidu número 3, que o personagem foi chamado pela primeira vez de Jeremias (na história Magriço, o terrível).

Contudo, ainda seja um dos personagens mais antigos (antecedeu Mônica em três anos) e o primeiro negro, Jerê – como também é chamado nas HQs – passou décadas sendo nada mais que um secundário, que tinha participações esporádicas, muitas vezes apenas fazendo figuração ou sendo escada para os demais.  Nem ao menos tinha uma personalidade e características mais definidas, era simplesmente mais um menino da turminha.

Foi só em 1983, mais de duas décadas depois da primeira aparição, que Jeremias protagonizou uma aventura. Mais especificamente, Sincero demais, em Cebolinha 125. Nesta época, o personagem já era desenhado com a pele marrom e a boca com contorno redondo em volta, além de já ter praticamente definido como acessório fixo o chapeuzinho vermelho.

Em 1986, ele apareceria em um dos episódios do desenho animado As Novas Aventuras da Turma da Mônica, chamado A Fonte da Juventude. Foi em 1987, porém, que foi publicada uma HQ protagonizada por ele que começou a aprofundar o personagem: O Príncipe que veio da África. Nela, o pai de Jeremias contava a história de Jeremim, tataravô do menino e um príncipe africano escravizado e trazido para o Brasil.

Corajoso e forte, Jeremim fugiu dos captores e libertou diversos outros negros. A partir dali, Jeremias passava a ser ais consciente da própria história e, ele mesmo, um contador de histórias, em especial daquelas que traziam elementos da própria herança cultural.

Também foi ganhando outras características, como ser criativo e dono de uma imaginação enorme, bom nos esportes e na música (toca violão em algumas HQs, pandeiro em outras), amigo fiel, um pouco fofoqueiro (ao menos em alguns quadrinhos), sonhador e que quer ser astronauta um dia.

Também foi aprofundada a amizade dele com Franjinha (os dois são melhores amigos) e ambos passaram a ser oficialmente integrantes da “Turma do Bermudão”, formada também por Titi e Manezinho. Basicamente, meninos mais “descolados” que os demais já que são mais velhos –  importante registrar que enquanto os integrantes principais da turminha teriam sete anos, Jerê e companhia já teriam completado dez, ainda que o comportamento mostrado seja mais adolescente.

Em 2013, uma outra mudança – estranha e marcante – ocorreu no visual de Jeremias. Como havia questionamentos por alguns movimentos negros em relação ao formato da boca do personagem (não só Jerê, mas outros pretos como Pelezinho, Cana Braba e Bonga), os estúdios simplesmente suprimiram totalmente os lábios do garoto. O visual, que gerou bastante estranheza e descaracterizou o menino, permaneceu até 2016, quando os lábios carnudos foram redesenhados, de maneira menos caricata.

Em 2017, Jeremias participava de várias HQs e protagonizava algumas, mas naquele ano outra personagem negra surgiu e começou a ganhar espaço e protagonismo rapidamente: Milena.  Porém, em abril do ano seguinte viria a grande reviravolta do personagem, na Graphic MSP Jeremias – Pele. Não só ele protagonizou uma publicação centrada inteiramente nele, mas, em Pele, a questão do racismo foi introduzida pela primeira vez de maneira contundente em uma história em quadrinhos de Maurício de Sousa.

O próprio criador da Turma da Mônica foi impactado pela HQ escrita pela dupla Rafael Calça e Jeferson Costa – e que ganharia inclusive um Prêmio Jabuti em 2019. Na apresentação da Graphic, intitulada “Uma história que precisava  ser contada”, Maurício faz uma espécie de mea culpa:

(…) “Pele me ajudará a corrigir uma injustiça histórica: apesar de sérum de meus primeiros personagens o Jeremias nunca havia protagonizado uma revista sequer. E o faz agora, em grande estilo. Tanto que essa história forte, verdadeira, emocionante e profundamente necessária chacoalhou nosso estúdio e, daqui para frente, estaremos muito mais atentos à realidade que nos cerca. E os leitores verão essas mudanças também nos nossos gibis mensais” (…)

Além da importância da história, Pele também estabeleceu que o avô materno de Jeremias  se chama “Graciano”, uma homenagem muito merecida a “seu Graciano”, quadrinista preto que trabalhou com Maurício de Sousa de 1966 a 2016, e estabeleceu a “forma” definitiva do cabelo do Cascão.

Em 2019, foi anunciado pela MSP Estúdios que Jeremias ganharia um live action, mas ainda não há detalhes sobre o projeto. O personagem aparece, porém, em Turma da Mônica Reflexos do Medo (2024), interpretado pelo ator Bruno Vinicius. Jeremias viria a protagonizar ainda mais duas Graphic MSP, Alma (2020) e Estrela  (2023), esta última inclusive dividindo a capa com de Milena.

 

 Principais Personagens

Jeremias faz parte do núcleo da Turma da Mônica, de forma que contracena com a turminha tradicional, ainda que ande mais com Franjinha, Manezinho e Titi, a “Turma do Bermudão.”  Além deles, destaques para:

Alexandre e Carol – o pai e a mãe de Jeremias, (atualmente) ambos arquitetos. Primeira a surgir nas HQs, em 1983, a mãe já foi mostrada exclusivamente como dona de casa, já revelou que foi passista de escola de samba e originalmente foi chamada de Jurema. O pai apareceu sem nome e profissão definida e teve várias mudanças físicas, já foi mais velho, careca, e bigodudo.

Jeremim – lançado como tataravô de Jeremias na primeira história em que apareceu, em 1987, o príncipe africano trazido para o Brasil também já foi apontado como bisavô paterno do garoto, pai de seu Matias (que por sua vez é pai de Alexandre).

Seu Graciano –  Avô materno de Jeremias, foi ele quem deu ao neto o boné/chapéu vermelho do qual o menino nunca larga.

Manfredo – Originalmente criado em 1981 como o cachorro contrarregra das histórias em que Bidu é um ator, o cachorro foi colocado como pet de Jeremias na Graphic Novel Bidu-Juntos (2016) e posteriormente em Franjinha – Contato (2022).

Em uma História em Quadrinhos publicada nas revistinhas da Turma da Mônica, Jeremias já apareceu também tendo um papagaio de estimação, Paco, mas aparentemente a ideia não foi continuada.

 

 

 

Enredo

Jeremias é um menino criativo e cheio de imaginação, que gosta de contar histórias para os amigos e jogar bola. Mora no bairro do Limoeiro, assim como os demais personagens do núcleo da Turma da Mônica, e é melhor amigo de Franjinha. Também faz parte da Turma do Bermudão junto com Franja, Titi e Manezinho – definida como “uma panelinha pré-adolescente”, que tenta parecer mais velha que é por meio de comportamentos adolescentes e do uso de gírias.

Em algumas histórias Jeremias demonstra uma forte conexão a família e as raízes e cultura africanas, inclusive contando para a turminha lendas e fatos que se passaram com os próprios ancestrais. Nas Graphic MSP o personagem também aborda temas como racismo, marginalização e religiosidade africana.

Curiosidade: Jeremias é evangélico e flamenguista

Religião não é um assunto presente nas HQs da turma da Mônica, a exceção de produtos mais específicos. E em um deles, “A Turma da Mônica: O Estatuto da Criança e do Adolescente”, Franjinha está falando sobre o Direito à Liberdade, que inclui o direito a escolher a própria religião. Neste momento alguns personagens declaram qual religião seguem e Jeremias declara ser evangélico, sem nenhuma denominação específica.

Jeremias também é um dos poucos personagens da turminha que torce para um time de futebol fora de São Paulo  – o quarteto principal da turminha, por exemplo, é composto por uma são paulina (Mônica), um corintiano (Cascão), um palmeirense(Cebolinha) e uma santista (Magali). No caso de Jeremias, ele é oficialmente flamenguista. Mas antes da definição oficial ele já foi mostrado como torcedor do Santos em três HQs, do Corinthians em duas e do Bahia em uma.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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