Mônica

 

Em 1959, o repórter policial Maurício de Sousa, então trabalhando na Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo) criou uma série de tiras em quadrinhos com um cãozinho e seu dono, e ofereceu o material para os redatores da Folha. Maurício, natural da pequena cidade de Santa Isabel, já trabalhava há cinco anos no jornal e sempre sonhara em se tornar desenhista, mas só com aqueles dois personagens – chamados de Bidu e Franjinha – conseguiu uma chance.

Nos anos seguintes, o agora cartunista criou vários personagens (a maioria baseada em integrantes da própria família e amigos), entre os quais Cebolinha (1960) e Cascão (1961). Só em 3 de março de 1963 surgiria a personagem que mudaria sua vida: Mônica, que já na primeira tira dava uma coelhada em um então cabeludo Cebolinha – a tirinha que então fazia sucesso em vários jornais, vale ressaltar, era do menino. Sim, a turma era do Cebolinha e a dentucinha, em traços bem diferentes dos atuais, era apenas uma figura secundária que estava dando as caras por ali.

 

 

Ironicamente, uma secundária que surgiu graças a uma brincadeira de um colega da redação da Folha de S. Paulo. “Me perguntaram se eu era misógino e xinguei de volta, dizendo que claro que não (rs). Só depois olhei no dicionário e vi o porquê me chamaram daquele jeito: não tinha personagens femininas nas tiras. Fiquei pensando o que fazer, quando minhas filhas passaram perto de mim e vi as personagens na minha frente”, conta Maurício. Ali foram criadas, além de Mônica, a comilona Magali e a irmã do Cebolinha, Maria.

Mais duas curiosidades interessantes sobre a gênese da dona da rua. A primeira é que, na realidade, Mônica apareceu pela primeiríssima vez na Folha em 11 de fevereiro de 1963, um mês antes da primeira tirinha, numa espécie de avant première: a personagem era mostrada em um rodapé de página junto com outros filhos de Maurício, anunciando a estreia de tiras no caderno Ilustrada. Porém, sem nenhuma fala e sem que ninguém soubesse quem ela era. A estreia oficial, portanto, seria mesmo em março daquele ano.

 

A segunda é que inicialmente a personagem foi apontada como uma menina da vizinhança – em 10 de março de 1963, Zé Luís diz a Cebolinha que “lá vem aquela nossa nova vizinha, dizem que ela é muito forte e briguenta (…)”.  Porém, em setembro de 1964, em republicação feita na Folhinha, o texto da tira foi adulterado para dizer que ela era a irmã mais nova do próprio Zé Luís.

A ideia acabou sendo colocada de lado posteriormente, com Mônica voltando a ser filha única e sem nenhum parentesco com o apagado personagem criado tempos antes dela.

Por meio de um sistema de distribuição própria, de 1959 a 1969 as tiras tradicionais de Maurício até então – em especial Cebolinha, Piteco (da qual se derivaria Horácio), Hiroshi e Zezinho (na qual nasceu Chico Bento) e Fantasminha/Penadinho – bem como as páginas tipo tabloide para publicação semanal (Horácio, Raposão e Astronauta) chegaram a ser publicadas em mais de 200 jornais do país.

E, dentro das tiras da turma do Cebolinha, a forçuda e mal humorada Mônica ia ganhando cada vez mais espaço e conquistando os leitores, inclusive com a ajuda da televisão. Em 1967, Maurício de Sousa participou do programa da Hebe, na Record, para falar das tiras e da Mônica – inclusive com a presença da filha Mônica e do coelhinho de verdade dela.

Vale aqui um parêntese: o coelho – que só ganharia o nome Sansão em 1983 – era amarelo, de palha e bem duro (tanto na vida real quanto nas HQs iniciais). Só depois ficaria azul e fofinho.

A TV aparentemente se apaixonou por Mônica, que passou a aparecer muito. Nos intervalos comerciais, em diversas propagandas.

As mais famosas eram a dos produtos Cica, em especial a do molho de tomate, que já tinha como estrela o elefante Jotalhão.

Quem era criança na época com certeza se lembra de Mônica tentando colocar o elefante na panela (entendendo de maneira equivocada um pedido da mãe, a menina tenta cozinhar o paquiderme em vez do molho de tomate).

A Cica também colocou a baixinha ao lado de Popeye para fazer propaganda de geleia de mocotó. Nela, o famoso marinheiro está tomando uma surra de Brutus quando Mônica o salva, dando a ele um pote de mocotó dizendo que o produto é “o espinafre da nova geração”.

Mônica ganhou tanta atenção e fãs que, em 1970, quando Maurício assinou com a editora Abril para lançar seus primeiros gibis, a revista “Turma da Mônica” foi a primeira lançada nas bancas, já com tiragem de 200 mil exemplares. Foi seguida, dois anos depois, pela revista Cebolinha e, nos anos seguintes, pelas publicações do Chico Bento e Cascão, depois Magali, Pelezinho e outras.

Com o passar dos anos, os personagens de Maurício foram se estabelecendo em diferentes núcleos – Turma da Mônica; Turma do Chico Bento (ou da Roça); Turma do Horácio; Piteco; Turma da Mata (Jotalhão, Rei leonino e companhia); Turma da Tina; Turma do Penadinho; Astronauta, Turma do Papa-Capim etc. Com direito a alguns crossovers.

Mônica, a mais popular de todas as turmas, virou livros, álbuns de figurinha, peças de teatro, musicais, brinquedos – inicialmente, um pouco mais, digamos, toscos – e passou a fazer merchandising dos mais diversos, algo que ocorre até hoje.

Se no início era novidade fazer gibis em parceria com Coca-Cola, pilhas Ray-o-vac ou Band-aid, hoje é fácil encontrar a carinha dos personagens nos mais variados lugares e produtos. De frutas a fraldas, de macarrão instantâneo a bisnaquinhas, lá está ela. Também virou jogos de tabuleiro e, posteriormente, videogames.

E, claro, desenhos animados. O primeiro, um curta-metragem de 1976, marcou época: o Natal da Turma da Mônica. Por anos o desenho passou em dezembro na TV aberta e não havia quem não parasse para ver Monica, Cebolinha, Cascão e Anjinho construindo uma chaminé para ganhar os presentes do Papai Noel. E quem não soubesse cantar a musiquinha “Feliz Natal pra Todos”.

Nos anos de 1980, vieram uma série de longas metragens memoráveis, como As Aventuras da Turma da Mônica (1982), A Princesa e o Robô (1984), As Novas Aventuras da Turma da Mônica (1986), Mônica e a Sereia do Rio (1987), O Bicho Papão e Outras Histórias (1987) e A Estrelinha Mágica (1988).

Depois chegaram desenhos animados em série, tanto na TV aberta quanto canal a cabo, mais longas…. a Dona da Rua se tornou dona das telas.

Nos gibis (que depois da Editora Abril foram para a Globo e para a Panini, onde estão até hoje), o traço foi ficando mais fofinho ao longo dos anos, Mônica se tornou campeã de vendas em todo o país e teve histórias publicadas em vários outros – Estados Unidos, Japão, Itália… Ao todo são mais de 120 países, tendo suas histórias publicadas em dezenas de idiomas diferentes.

Mônica também teve inúmeras HQs brincando com filmes e novelas, e crossovers memoráveis com personagens da Liga da Justiça, Garfield e personagens clássicos do Walt Disney japonês Osamu Tezuka, como Astroboy e A Princesa e o Cavaleiro. Os quadrinhos da Mônica ganharam ainda novas versões, para públicos diferentes, sem que houvesse nenhuma interrupção na linha de revistas tradicionais.

Em 2008 veio a Turma da Mônica Jovem (TMJ), em traço mangá, com os personagens adolescentes, que se tornou sucesso instantâneo (e também virou desenho animado). Aliás, vale destacar que no número 50 de TMJ, numa HQ estilo “visão do futuro”, é mostrado  o casamento de Mônica e Cebolinha. A revista teve tiragem inicial de 500 mil exemplares, em um período em que Marvel e DC comemoravam quando vendiam vinte mil exemplares de qualquer revista de super-herói nos EUA.

Em 2019, na esteira do sucesso da Turma Jovem, Maurício lançou outro mangá: Turma da Mônica Geração 12, esse com os personagens “tweens”, com idade entre a das crianças das revistas regulares (que têm sete anos) e a da Turma da Mônica Jovem, já adolescentes. Ufa.

 

Tem mais? Tem, sim, muito mais. Mônica também estrelou várias Graphic MSP, as Graphic Novels em que outros autores desenham os personagens de Maurício de Sousa com o próprio traço e argumentos. E já foi homenageada pelos mais diversos artistas, seja em aniversários e datas especiais, seja em belas obras como no livro Mônicas, lançado em 2013 como uma das muitas comemorações dos 50 anos da personagem.

 

Impossível não citar ainda os hilários desenhos animados Mônica Toy, lançado em 2013, no estilo Chibi –aquele traço de mangás/animes em que o personagem é feito estilizado, minúsculo e cabeçudo.

E, claro, os filmes live action,  Turma da Mônica: Laços (2019) e Turma da Mônica: Lições (2021), baseadas nas Graphic Novels homônimas, bem como  Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo (2024). E as brilhantes Turma da Mônica – a Série e Turma da Mônica: Origens, ambas exibidas no streaming Globoplay.

Para terminar, nas entrevistas que deu por ocasião dos 60 anos da personagem, em 2023 (que vai ter um ano de comemorações diversas, que incluem criação de bibliotecas e estátuas do Sansão), Maurício disse ainda que pretende elaborar histórias da Turma da Mônica em versão adulta. E, posteriormente, na terceira idade (aliás, dessa última dá pra ter um gostinho no citado Turma da Mônica: Origens). Pelo visto ainda vem muitos novos sucessos da dentuça  por aí. Alguém duvida?

Enredo

Filha de dona Luísa e seu Sousa, Mônica é uma menina inteligente e sensível que adora brincar com seus amiguinhos. É também dona de uma força descomunal, que constantemente usa contra os meninos que a provocam chamando-a de bobona, gorducha, dentuça e outras variantes. Quase sempre usando vestidinho vermelho, ela leva consigo o coelhinho azul encardido, Sansão, cujas orelhas são vítimas de inúmeros nós garotada da rua. Vive aventuras cotidianas cheias de bom-humor, envolvendo brinquedos e brincadeiras, relacionamentos com os pais e amigos, namoricos, pontos de vista das crianças sobre o mundo adulto e, vira e mexe, histórias mais fantasiosas e recheadas de nonsense. É a líder da turminha, quer eles queiram, quer não.

Principais Personagens

Cebolinha – Ele fala “elado”, trocando os erres pelos eles, sempre anda de camisa verde e tem planos mirabolantes e “infalíveis” (que sempre falham) para vencer a Mônica. Inteligente e arteiro, Cebolinha também adora dar nós nas orelhas do coelho da Mônica por quem, secretamente, nutre uma paixão – em histórias que se passam no futuro, publicadas em gibis especiais, os dois se casaram e têm filhos. Na série Mônica Jovem, o casal deu seu primeiro beijo e até se casou em uma HQ que mostrava “o futuro”. Cebolinha foi criado baseado em um amigo de um irmão de Maurício, originalmente o personagem era mais alto e tinha mais cabelo.

Magali – Baseada em outra filha de Maurício, Magali é a amigona da Mônica e é também a menina que tem uma fome insaciável e nunca engorda. Adora melancias (e tudo o mais). Sonha em ser modelo e psicóloga quando crescer (aliás, vive exercendo a segunda vocação com as amigas, que a procuram para receber conselhos nem sempre tão bons assim). Era mais alta quando foi lançada e com cabelos um pouco diferentes dos atuais.

Cascão – O menino que praticamente nunca tomou banho na vida e tem um porquinho como estimação. Adora sujeira e geralmente pode ser encontrado no lixão, participando de planos infalíveis com o Cebolinha (os quais geralmente “entrega”), jogando bola ou fugindo da chuva. É bastante criativo e tem uma imaginação fora do comum. É baseado também em um amigo do irmão de Maurício e em parte no próprio autor, que já chegou a confessar que quando era criança não era lá muito fã de banho.

Seu Sousa e dona Luísa – Pais da Mônica, aparecem constantemente em histórias como personagens secundários – em geral festas de aniversário e levando as crianças a algum ligar – ou, algumas vezes, em papéis mais relevantes (nestes, em geral, Sousa é o pai desastrado e carinhoso, Luísa a mãe consciente e amiga).

Monicão – Cachorro da Mônica que é a cara dela, quase que literalmente. Além de invocado é um daqueles cãezinhos altamente incontroláveis, que não para um minuto.

Sansão – O coelhinho azul encardido que Mônica ganhou quando bebê. Já chegou a ganhar uma versão feminina, a coelhinha rosa Dalila, que não deu muito certo e raramente aparece nos dias de hoje.

Luca – Também conhecido como da Roda, é um deficiente inteligentíssimo, que adora esportes e mostra que cadeira-de-rodas não é empecilho para ser feliz e ativo. Mônica é declaradamente apaixonada por ele, apesar do amor secreto ser o Cebolinha e de, às vezes, a menina ter uma quedinha por Ronaldinho, Robertinho e outros personagens genéricos com nomes terminados em “inho” que moram “na rua de cima.”

Denise – Uma das personagens que mais cresceu no universo da Turma, Denise é a amiga sincera, desbocada, às vezes cínica, entusiasmada com o mundo (na maioria das vezes) e cheia de gírias do momento. Quando contracena com Mônica, geralmente é ela quem faz a amiga colocar os pés no chão após os delírios mais absurdos.

Milena – Personagem criada em 2019, é uma menina carinhosa, cheia de atitude, autoestima e habilidades musicais. Também adora animais – a mãe é veterinária – e constantemente ajuda bichinhos perdidos nas ruas.

Carminha Frufru – Loirinha de olhos claros, ela é fútil, invejosa, se acha. É a antítese da Mônica, mas constantemente é o centro das atenções entre os meninos, para a tristeza da dentuça.

Mônica também contracena constantemente com outras meninas e meninos do núcleo Turma da Mônica, como Marina, Nimbus, Do Contra, Franjinha, Titi, Aninha e Jeremias, entre outros.

Curiosidade: embaixadora da Unicef, do Turismo, da Cultura

Maior personagem de quadrinhos do Brasil, onde seus quadrinhos inclusive alfabetizaram muita gente, Mônica é também amplamente reconhecida no mundo inteiro. Desde 2007, a personagem é oficialmente embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cuja missão é defender e proteger os direitos de crianças e adolescentes em todo o planeta.

Mônica também é embaixadora do Turismo e da Cultura no Brasil – e, é bom frisar, é uma das poucas personagens femininas com representação tão grande em um país. Quando se fala em quadrinhos no Brasil, Mônica é incontestável. Talvez o mesmo só ocorra com Mafalda, da Argentina.

Cabem aqui mais algumas curiosidades: Maurício de Sousa fez várias adaptações para que seus personagens se tornassem mais politicamente corretos no decorrer da existência de Mônica. Cebolinha, por exemplo, que costumava pichar paredes com desenhos da coleguinha, agora no máximo prega cartazes nas paredes. As próprias cenas dos socos são minimamente mostradas, sendo que nas historinhas atuais geralmente aparecem “o antes”, por vezes intercalado pelo barulho do soco ou coelhada, e “o depois”.

Para conquistar mais o público, os personagens também viraram torcedores de futebol – Mônica é são-paulina, Cebolinha é palmeirense, Cascão é corintiano e a Magali, óbvio, é Peixe (santista). Uma grande mudança, porém, ocorreu nos anos 2000, com a ida de Mônica à escola. Visando ganhar mais força no mercado exterior, em especial Estados Unidos e Japão, onde personagens de HQs em idade escolar têm de dar o exemplo, Maurício já planejava há tempos matricular a turminha no colégio (antes apenas Chico Bento e os meninos mais velhos da Turma da Mônica, como Titi e Franjinha, iam à escola).

Para isso, Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão ficaram um ano mais velhos: antes tinham seis, agora têm sete. Visionário, Maurício também contratou uma equipe para desenvolver um método educativo real com os personagens da turma da Mônica.

Por fim, como toda flor tem espinhos, Mônica também já se viu em meio a polêmicas. Em época de polarizações políticas cheias de preconceito e estupidez no Brasil, a personagem já foi “acusada” de promover “ideologia de gênero”, por exemplo. Uma idiotice sem par, que felizmente nem arranhou a reputação da dentucinha.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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