Nos anos de 1970, o mestre cartunista Maurício de Sousa propôs ao tricampeão mundial Pelé, o Rei do Futebol (que nos deixou em 30 de dezembro de 2022, aos 82 anos), a criação de um personagem que representasse o grande ídolo. O jogador queria uma versão mais velha e heroica, enquanto Maurício propunha uma versão criança, até mesmo porque, dizia, o craque precisava fidelizar esse público e gerar novos fãs.
Diz a lenda que uma longa conversa teria ocorrido entre os dois durante um voo de avião para a Itália e que Maurício, na sequência, “enganou” o Rei: mandou desenhos da versão menino para que Pelé abrisse diante dos próprios filhos para fazer uma escolha e, claro, as crianças gostaram e pediram para que Pelezinho ganhasse as páginas dos quadrinhos em vez de “Pelezão”.
E assim ocorreu em 1976, inicialmente em tiras. Sucesso absoluto entre os leitores, um ano depois – em 1977 – o personagem já ganharia o próprio gibi: A Turma do Pelezinho. As histórias, divertidíssimas, tinham como fundo a infância do próprio Pelé – tanto que os integrantes da turma foram baseados em amigos de infância reais do craque (confira mais abaixo) e os pais do jogador, Dona Celeste e seu Dondinho, integravam o elenco.
O êxito foi além das bancas e logo surgiram brinquedos, produtos diversos, bolas e equipamentos esportivos com a marca Pelezinho. O gibi, por sua vez, continuou nas bancas até 1986 (foram 66 edições publicadas até então, sendo que as histórias inéditas foram até 1982 e, depois delas, vieram almanaques com melhores histórias – além de tiras publicadas em jornal e alguns especiais em virtude da Copa do México).
Porém, em 1986, justamente dez anos depois da estreia do personagem, Maurício de Sousa trocou a editora Abril, que publicava todas as HQs dele, pela Globo. Na nova editora, Pelezinho foi excluído do time de gibis da turma e – como praticamente nunca contracenava com eles, a exceção de um crossover com o Cascão – foi mandado para o limbo dos gibis. Nunca ficou muito claro o porquê do cancelamento, uma vez que, até onde se sabe, ele tinha ótima vendagem.
Uma das versões ventiladas à época dizia que alguns amigos de infância do verdadeiro Pelé que eram retratados nos personagens não estavam mais gostando de se ver nos gibis ou ao menos queriam receber por isso. Há ainda quem fale que o gibi tinha, sim, caído em vendas, e que a nova editora não quis arriscar e cancelou Pelezinho.
Ele ficou “esquecido” até 1990, quando reapareceu em dose tripla: estrelou a edição 7 da série de tiras As Melhores Piadas; protagonizou o gibi Copa 90, só com histórias inéditas (com direito a um “crossover” com Pelé) e em Pelezinho Especial – 50 anos de Pelé, uma edição em tamanho gigante e com mais de 200 páginas.
Nesta edição, que trazia histórias, tiras e fatos sobre o próprio Pelé, também foi feita uma tentativa de “atualização” do personagem: em uma das histórias, ele aparecia em uma nova versão pré-adolescente.
A ideia não colou, ficando restrita praticamente à revista e à propaganda de um serviço telefônico para o qual as pessoas podiam ligar para ouvir histórias de bastidores e dicas de futebol (o que também parece não ter decolado).
Em 2001, uma série de boatos surgiu dando conta de uma possível volta, o que não ocorreu. Em 2005, Pelé, o do mundo real, viajou para a argentina para se tornar o primeiro entrevistado de Maradona no programa de TV que o ex-jogador passou a capitanear.
Para celebrar o acontecimento, Maurício divulgou uma ilustração na qual Pelezinho tocava bola com Dieguito, um personagem concebido pelo cartunista nos anos de 1980, mas que nunca havia saído da prancheta até então.
A arte renovou a esperança dos fãs que acreditavam em uma volta de Pelezinho, mas não passou disso. Alguns anos depois, quando o Brasil foi anunciado como sede da Copa para 2014, os Estúdios Maurício de Sousa divulgaram um cartaz da turminha do personagem comemorando o fato de o Brasil sediar o Mundial – ele chegou a ser cotado como mascote da competição (o que não vingou, o posto ficou com o colorido tatu-bola Fuleco).
Um ano antes da Copa, porém, a Editora Panini (onde agora Maurício publicava suas turmas) lançou Pelezinho: coleção histórica. A publicação – assim como já havia feito com Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e Chico Bento – trazia antigos gibis do personagem republicados na integra, com comentários explicativos sobe as aventuras, contexto histórico etc.
Também foi lançado As Melhores Histórias do Pelezinho, que trazia a republicação de histórias aleatórias do pequeno craque. Este título, em especial, gerou grande controvérsia a partir do número oito. Isso porque, a partir dele, a MSP começou a redesenhar o personagem principal e diversas das outras crianças negras.
Nenhuma explicação foi dada a rigor. Na época se aventou desde uma mera atualização de traço, um “update cosmético”, a uma mudança em decorrência de acusação de “blackface”, uma vez que originalmente Pelezinho e outros personagens pretos, como Cana Braba e Teófilo, não tinham nariz e a boca era desenhada dentro de um círculo no rosto, denotando lábios grandes.
Qualquer que seja a explicação, a mudança não caiu bem entre os leitores, que já idolatravam o personagem original e nunca identificaram nenhum tipo de preconceito nas HQs.
Polêmicas à parte, Pelezinho voltaria – com o nariz e boca novos -em grande estilo em 2014, mas não nos gibis e, sim, na TV. Em virtude da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, a MSP lançou os curtas-metragens de animação Pelezinho em: Planeta de Futebol. Com muito humor, bola e toda a turma, Pelezinho mostrava em desenhos na Dicovery Kids diversas curiosidades sobre os países participantes da Copa do Mundo. Os desenhos podem ser assistidos ainda hoje no You Tube.
Contudo, pouco depois da Copa, Pelezinho voltou a ficar no ostracismo, sem que nada de mais relevante tenha sido lançado. Com a morte de Pelé em 2022, foi especulado o lançamento de algum tipo de edição especial homenageando o craque e sua versão infantil, mas nada ocorreu neste sentido.
Enredo
O futebol, claro, estava sempre em foco nas HQs de Pelezinho, com disputas entre os times da vila onde o garoto morava e outros de fora, com o goleiro Frangão tentando (inutilmente) defender chutes de Pelezinho e o boca suja Cana Braba xingando a todo mundo nas mais diversas situações. O elenco feminino também tinha destaque, com a tímida Neusinha (por quem “Perezinho” era apaixonado), a pior cozinheira do mundo Samira e Bonga, uma menina um pouco mais desenvolvida por quem todos babavam.
As histórias também incluíam (claro) uma dupla de vilões que atazanava a vida do menino, aventuras e “artes” do dia a dia e um pouco de nonsense, seja com as aventuras solo do cachorro de Pelé, Rex, que também jogava um bolão, ou com criaturas mágicas como os coelhos que transformaram Bonga numa coelhinha sexy, uma das mais famosas.
Aliás, um ponto interessante – e talvez um pouco mais realista – das HQs de Pelezinho era justamente a leve erotização proporcionada por Bonga, personagem que talvez não fosse tão bem-vista nos dias de hoje…
Personagens
Pelezinho – o herói da história é inteligente e faz de tudo com a bola nos pés, mas às vezes fica meio nervoso e precisa aprender a se controlar. É baseado em Pelé quando pequeno;
Frangão – O desengonçado goleiro da turma, alto, de cabelos ruivos e narigudo, sonha – inutilmente – em defender um chute de Pelezinho;
Samira – Uma amiguinha descendente de árabes, que cozinhava muito mal. Os kibes de Samira eram utilizados com as mais diversas funções, mas comê-los somente em último caso;
Neuzinha – A namoradinha de Pelé, baseada na primeira namorada do jogador na vida real, Neuza Kitizo Uyheara, que era vizinha dele na cidade de Bauru. Carinhosa, sensível e muito independente;
Cana Brava – É provavelmente o mais engraçado dos personagens. Amigo fiel de Pelezinho, é nervosinho, desbocado e boca-suja (os xingamentos apareciam nos balões na forma de cobras e lagartos desenhados);
Rex – O cachorro esperto de Pelezinho, que também joga bola;
Teófilo – amigo de Pelézinho que também jogava bem, meio fortinho e metido a galã;
Bonga – A namoradeira da turma, Bonga é uma daquelas meninas que se desenvolveu mais cedo que as demais. Também tem a boca bem suja quando irritada e não leva desaforo para casa;
Seu Dondinho e Dona Celeste – Os pais de Pelezinho (e de Pelé também!);
Jão Balão – O principal rival, que se acha o máximo, mas é meio grosso. Sempre com seu bonezinho vermelho na cabeça, vive elaborando planos para Pelezinho falhar.
Zé – O assistente atrapalhado de Jão.
Curiosidade – Pelezinho abriu portas para “seleção de craques” de Maurício
Pelezinho foi o primeiro jogador de futebol a ser imortalizado por Maurício de Sousa como personagem de gibi, mas não o último. Além do Rei do Futebol e de Dieguito, concebido pelo cartunista nos anos de 1980, outros jogadores brasileiros de destaque também viraram protagonistas de HQs elaboradas pelo pai da Turma da Monica.
Seguindo a mesmíssima fórmula, com algumas variações (como o número ou tipo de animais de estimação, por exemplo), Maurício criou a Turma do Ronaldinho Gaúcho em 2006.
E, em 2013, foi a vez de Neymar Jr. Assim como Pelezinho, Gaúcho e Neymar também viraram desenho animado e tiveram tiras e HQs publicadas em outros países. Mas, assim como Pelé na vida real foi melhor que os demais, Pelezinho também superou Neymar e Gaúcho nas HQs. O “primogênito” é muito melhor.
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