Sabrina Spellman é uma garota meio bruxa e meio humana, que ao fazer 16 anos precisa deixar para trás os amigos “normais” (que não sabem que quem ela é realmente) e ir para a escola de bruxos aprender a arte arcana. Dito assim, parece um draminha teen bonitinho destinado a um final feliz, até mesmo com um quê de Harry Potter, mas não se engane: O Mundo Sombrio de Sabrina, novo seriado da Netflix, é uma série de terror e não há final feliz no horizonte.
Boa parte boa dos meios de comunicação, porém, entendeu – e escreveu – que se tratava de um “reboot” de Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira, sitcom de comédia que passou na TV de 1996 a 2003 (aqui no Brasil, pela Globo e depois na Nickelodeon), estrelado por Melissa Joan Hart. Ledo engano, talvez gerado a partir da interpretação do release da própria Netflix, que descreveu o programa como “uma releitura dark da origem e das aventuras de Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira.” Dark, sim, mas a origem não é bem essa.
Apesar de os dois seriados – o de 1996 e o de 2018 – serem inspirados por quadrinhos da Archie Comics, a comediazinha teve como fonte as histórias originais criadas em 1962 (Sabrina the Teenage Witch), na qual a personagem título é uma “meia-bruxa” que vive com as tias Zelda e Hilda, além do gato falante Salem (um bruxo transformado em animal como punição por tentar dominar o mundo e outras coisinhas). Aquela Sabrina tinha como principal preocupação ajudar os amigos com sua magia sem que descobrissem que ela era uma bruxa, algo proibido de ocorrer pelas leis da bruxaria.
O Mundo Sombrio, porém, é inspirado em outra série de quadrinhos da Archie Comics, ou melhor dizendo, do selo Archie Horror – que surgiu em 2013 no auge da onda The Walking Dead colocando os personagens da até então idílica Riverdale para enfrentar um apocalipse zumbi. Logo no início desta trama macabra, a bruxa adolescente Sabrina faz uma participação (bastante) especial e, com o sucesso da HQ, no ano seguinte o selo lançou outro título de terror: Chilling Adventures of Sabrina.
E é este último quadrinho, assinado pelo roteirista Roberto Aguirre-Sacasa e o desenhista Robert Hack, que inspira a série em que estreou na Netflix no último dia 26 de outubro, em clima de Halloween. A história, então, obviamente tem contornos mais arrepiantes do que a descrita no início deste texto: quando fizer 16 anos, Sabrina – interpretada pela atriz Kiernan Shipka – terá que assinar com sangue o Livro da Besta e se comprometer a obedecer o senhor das trevas para ter acesso total a poderes que incluem, por exemplo, parar de envelhecer.
Como fica claro desde o começo da série, porém, o compromisso não é apenas um ritual repetido por tradição, como insistem suas tias. Pelo menos no caso dela ,Satã (sim, ele mesmo) tem um interesse mais pessoal na garota. Mesmo com o “padre profano” garantindo que o tal “caminho da noite” trata apenas de se ter livre arbítrio garantido para fazer o que bem entender, não é bem a liberdade que está sendo oferecida à menina.
Em meio a isso tudo, ela ainda teria que deixar para trás o namorado Harvey Kinkle e as amigas, entre elas a miúda Suzie, que sofre bullying por ser homossexual e que, sem saber, vem recebendo uma proteção extra de Sabrina. Logo nos primeiros episódios, por sinal, uma das ações de Sabrina – induzida por uma professora que ela não sabe, mas, sem trocadilhos, é uma capeta – rende bons sustos dentro de uma mina abandonada.
Aliás, sustos são garantidos na série, que não é recomendada pra menores de 16 anos nem pra quem não gosta do gênero. E não serão só sustos, mas também muito suspense e cenas grotescas, com grande inspiração em clássicos como O Bebê de Rosemary, O Exorcista, A Noite dos Mortos Vivos e alguns outros. Traduzindo, O Mundo Sombrio de Sabrina tem possessões para os mais variados gostos e sangue e vísceras à vontade – com direito a canibalismo, inclusive.
Apesar de não querer se entregar ao mal, Sabrina desde sempre deixa claro que gosta de usar magia inclusive para pequenas vinganças – e é auxiliada constantemente pela figura do primo Ambrose, responsável por dicas e comentários ácidos dignos do gato falante Salem na série cômica, aquela que, como já dito, não está sendo “rebootada” pelo canal de streaming no Mundo Sombrio.
Aliás, quem gostava do gato falante Salem ficará feliz em saber que ele está ali, ao lado de Sabrina, mas pode tirar o cavalinho da chuva se espera um felino mais efusivo. Pelo menos nesta primeira temporada, o “familiar” (nome dado a um servo sobrenatural que assume a forma de bicho, que todo bruxo tem) diz pouca coisa, apesar de observar e fazer muita.
Além de beber em clássicos de terror, o novo seriado também reconhece a inspiração em outros quadrinhos, que sempre foi declarada abertamente pelo autor Roberto Aguirre-Sacasa, que pé o showrunner tanto dO Mundo Sombrio quanto de Riverdale, a outra série Archie exibida na Netflix. E por isso, em uma cena quase desconexa do contexto do seriado, Harvey e Ambrose se confessam fãs de quadrinhos e citam os grandes autores ingleses de graphic novels de suspense como Neil Gaiman, Grant Morrison e Alan Morre. Uma justa homenagem.
A fonte principal dO Mundo Sombrio, porém, são mesmo os próprios quadrinhos de Aguirre-Sacasa e Robert Hack. A questão é: será que no seriado eles ousarão tanto quanto nas HQs? Aparentemente sim, até porque a dupla pausou a publicação para a estréia na TV, provavelmente para não dar no papel mais pistas do que pode ainda pode vir a ocorrer no seriado. Mas as pistas já dadas revelam que o destino de Sabrina é bem macabro.
Caso você não queira correr o risco de possíveis spoilers, recomenda-se que pare a leitura por aqui. Não necessariamente o seriado vai seguir os quadrinhos, contudo pelo que se vê nesta primeira temporada, há muita coisa em comum entre as duas mídias, então talvez você prefira não se arriscar…
Enquanto você decide se segue com a leitura ou não, um último destaque sobre o seriado da Netflix: a abertura é desenhada por Robert Hack e vale a pena ser conferida, com direito a uma homenagenzinha no final à personagem Sabrina original dos quadrinhos e aos personagens da Turma de Archie.
Chilling Adventures of Sabrina
Resolveu continuar? Então vamos lá: tanto a série de quadrinhos quanto a da TV são ambientadas nos anos de 1960, algo que fica claro com o cenário, cinema, carros, aparelhos eletrônicos e a ótima trilha sonora.
Na TV, é palpável que há algo estranho na morte dos pais de Sabrina, ele (Edward) um sumo sacerdote da bruxaria e ela, Diana, uma reles mortal. Porém, ao menos de início, tudo leva a crer que o casal tinha um amor a La Romeu e Julieta e foi punido por isso. Aliás, eles mesmos (em uma aparição espectral) aconselham Sabrina a fugir do ritual de assinatura do Livro da Besta.
Nas HQs, porém, Edward é um dos grandes vilões. Ele casou-se com a mãe de Sabrina porque queria gerar nela um filho para entregar ao demônio em troca de mais poderes e, quando a esposa descobriu isso, ele a torturou até que ela enlouquecesse.
Outro diferencial nos quadrinhos é que ninguém está a salvo da maldade. Uma das vítimas acaba sendo Harvey, namorado de Sabrina. Ao surpreender a irmandade de bruxas em meio a um ritual, ele acaba devorado por uma delas. Será que o seriado terá coragem de fazer o mesmo com o personagem do ator Ross Lynch?
Até porque a coisa não para por aí nas HQs: Sabrina resolve ressuscitar o namorado, mas sem que ela saiba as coisas dão bastante errado. No lugar da alma de Harvey, quem vem habitar o corpo restaurado do rapaz é o demoníaco pai dela, Edward. A consequência disso é que Harvey-Edward come os pais do garoto…
E pra não acabar com as esquisitices, quase acaba namorando com a própria filha, que não sabe que o pai-morto habita o corpo do namorado e se joga em cima dele.
Por fim, Betty e Verônica, da turma de Archie, também fazem participação especial nas HQs de Chilling Adventures of Sabrina, porém nela as duas cheerleaders também são bruxas. Provavelmente isso tem poucas chances de acontecer na série da TV, mas como Riverdale – a série baseada em quadrinhos de Archie exibida na Netflix – anda caminhando para um lado ainda mais sombrio na terceira temporada, os fãs já começam a especular sobre um possível crossover entre as duas. Será?
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