Levar para a telona um personagem mundialmente conhecido nos quadrinhos não é uma tarefa fácil. Que o digam Steven Spielberg e Peter Jackson, respectivamente o diretor e o produtor de “As Aventuras de Tintim – O segredo do Licorne” (The adventures of Tin Tin, The Secreto f the Unicorn), que chegou ao Brasil já cacifado por um globo de ouro e um possível Oscar na categoria animação a caminho. Desde que comprou os direitos da obra de Hergé, em 1983, Spielberg sonhava em levar o jovem aventureiro das HQs para a telona, mas mesmo com prêmios na mala e uma técnica impecável, a animação está longe de ser uma unanimidade.
Para uns, o filme peca pelo excesso, com cenas de aventura que são “mais do mesmo” e não precisariam estar ali. Seria melhor se fosse mais enxuto, dizem. Para outros, o filme “não remete às histórias clássicas do herói”, é mero decalque e Tintin poderia ser substituído por qualquer outro personagem de aventura sem que ninguém percebesse a diferença. E há, claro, os que adoraram, acharam a aventura incrível e saíram do cinema mais felizes do que entraram. Sacrebleu! Afinal de contas, o filme é bom ou não?
Em vez de responder de uma vez (apressadinhos, pulem para os parágrafos finais), o melhor é esmiuçar um pouco mais sobre a animação, ou, com o perdão do trocadilho, debruçar-se sobre ela tim-tim por tim-tim. Pra começo de conversa, Spielberg, que inicialmente tem como intenção fazer uma trilogia de aventuras do herói, reuniu neste primeiro longa três aventuras dos gibis: os roteiristas britânicos Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish fizeram uma fusão das aventuras “O Caranguejo das Tenazes de Ouro", "O Segredo do Licorne” e “O tesouro de Rackham, o terrível” (todas elas já lançadas no Brasil).
Na história, Tintin é um jovem repórter, cheio de recursos e sempre atrás de boa matéria. Um dia, compra um modelo de um galeão antigo, réplica do navio de um antepassado do capitão Haddock (que ele conhece nesta aventura). Depois que a casa de Tintin é invadida e a réplica some, o herói acaba indo parar a contragosto num navio e, quando o alcoólatra Haddock encontra um livro com as memórias do tal antepassado, a dupla – ou melhor, o trio, com a presença do inseparável cãozinho Milu – segue em uma jornada cheia de perigos para desvendar o mistério.
E bote perigo nisso. Já que o produtor é Peter Jackson, impossível não lembrar uma daquelas cenas da trilogia O Senhor dos Anéis em que o hobbit Frodo se vê em risco de morte e, a cada tentativa de se salvar, acaba se enfronhando em um perigo ainda maior. É essa mesma toada, mas em ritmo frenético, que Jackson impõe na maioria das cenas da animação.
Um ritmo que fica ainda mais entendido ao se analisar o passado de Spielberg, que há tempos descreveu Tintin como um “Indiana Jones para crianças”. Somando-se tudo isso – fusão de três HQs, a mão de Peter Jackson e a concepção de Spielberg sobre um Tintin Jones – é mais do que compreensível a origem do tal “excesso de aventura”, que com certeza agradará a muitos, mas não a todos.
A recriação dos personagens para a animação é muito boa (e todos os principais estão ali, inclusive os investigadores Dupond e Dupont), mas obviamente ocorreram mudanças na transposição de um meio para outro. Seja por unir três arcos diferentes em uma única história ou para conquistar fãs que nunca leram Tintin antes, há algumas mudanças em relação ao original.
E são estas mudanças – inclusive na utilização de luz e sombra – que geraram críticas de fãs mais puristas. Nada que não tenha ocorrido, por exemplo, nas excelentes adaptações dos X-Men para o cinema. A perseguição em Bagghar, por exemplo, não está nas HQs, ainda que seja uma das partes de maior ação na telona.
Como vem ocorrendo com as adaptações de HQ para a telona, a história é entendida facilmente por quem nunca leu um gibi do herói de Hergé, ao mesmo tempo que há inúmeras piadas e referências que serão entendidas apenas pelos leitores, mas sem prejuízo para os demais.
As paredes do apartamento de Tintin, por exemplo, têm recortes de jornal contando aventuras do repórter que com certeza despertarão a memória dos fãs, assim como retratos de personagens dos álbuns aparecem no mercado de pulgas. E Spielberg não deixa de fazer graça com ele mesmo, com uma referência ao próprio clássico, Tubarão.
Resumindo: As aventuras de Timtin não é uma cópia exata dos quadrinhos nem mesmo dos desenhos animados que os brasileiros viam nas TVs educativas, mas é diversão garantida e uma boa adaptação, mantendo boa parte da essência do personagem. O filme circula em versões convencionais e 3D, dubladas ou legendadas (nestas últimas, Milu vira “Snowy”, nome dado nas versões americanas).
Em tempo: o nome do personagem criado por Hergé no original é escrito com “ene” (Tintin ou Tin Tin, pronuncia-se “Tantan”). A expressão “tim-tim por tim-tim” se escreve desta forma, com emes, e significa detalhar algo, esmiuçar. No Brasil respeita-se a grafia original na maioria absoluta dos álbuns, mas mais recentemente tem-se escrito o nome do personagem com eme no final, Tintim, grafia esta adotada na tradução do título original do filme (The Adventures of Tintin). O MundoHQ optou por manter o nome do personagem no original e mais aceito, a exceção do título do filme, e entende que ficar mudando o nome do personagem parece coisa não de Tintin e sim de tantã…
(publicado em 22/01/2012)
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