Uma estrela cadente de brilho intenso e memorável, que sempre será lembrado, mas que acabou rápido demais. A descrição se encaixa bem para a cartunista Carol Cospe Fogo, que faleceu no início de julho de 2023, com apenas 40 anos, vítima de um ataque cardíaco que a deixou algum tempo na UTI, mas do qual infelizmente não houve volta.
Dona de um traço clean, que em muitas vezes lembra o desenho animado (talvez inspirado pelo background publicitário), e de um humor cheio de críticas certeiras, Carol foi a primeira mulher a conquistar o prêmio Ângelo Agostini como melhor cartunista. O reconhecimento veio em 2019, por escolha popular. E com um detalhe importante: ela se dedicava aos cartuns há apenas três anos quando recebeu a honraria.
Nascida em Belo Horizonte, em 6 de fevereiro de 1983, Carol Andrade começou a trabalhar na agência de publicidade do irmão quando tinha apenas 14 anos. Inicialmente, fazia trabalhos burocráticos (que achava “um saco” ), mas queria mesmo exercer a própria criatividade. Como achava ruim as propostas de rótulos e outros produtos feitos ou aprovados pelo diretor de arte do lugar, resolveu botar a mão na massa para provar que podia fazer melhor. E fez, tanto que o irmão a mudou de função rapidamente.
Assim, foi ilustradora, diretora de arte (afinal, o sujeito era ruim mesmo) e até promoter de festas e hostess de boate. “Tudo sempre ligado à estética, o que explica parte do apelido de Barbie”, contava. Sim, o primeiro pseudônimo adotado por ela como artista tinha o nome da boneca no meio: Barbie Cospe Fogo.
“É que eu ficava quieta num canto e, de repente, começava a cuspir fogo sobre tudo o que estava acontecendo em um ambiente”, revelou ao (programa de entrevistas) Távola. O “Barbie”, porém, acabou caindo em desuso e foi deixado de lado, até mesmo por sugestão de colegas de profissão, que achavam Carol Cospe Fogo mais marcante. De fato, era.
Fã de Quino (mais dos cartuns sem texto do que da Mafalda, que também gostava), Chris Riddel e de Aroeira, de quem se tornou amiga posteriormente, começou a fazer cartuns em meados de 2016, por uma necessidade pessoal: queria traduzir no papel o que sentia. Carol contava que foi uma mudança e tanto de ritmo, pois para produzir uma mascote para campanha publicitária, por exemplo, o prazo era de dias ou semanas, mas para fazer cartuns – ou charges políticas, um campo que adentrou rápida e eficientemente – era preciso mais rapidez.
Carol Cospe Fogo costumava anotar no celular ideias e depois as aprimorava. Perfeccionista, desistia do mesmo desenho quatro ou cinco vezes, e fazia de novo até se dar por satisfeita. A princípio, não tinha retorno financeiro como cartunista – se sustentava como publicitária, o que até achava positivo, pois com isso não tinha pressão de vender os trabalhos que podia criar livremente.
“Carol foi grande, inabalável na decisão, na confiança do que fazia, uma maneira muito própria de ver o mundo, de fazer a charge. Estou muito abalado, a conheci começando no cartum e acabou virando uma gigante, muito minha amiga, muito querida, gostava muito dela”, diz o cartunista Aroeira.
O também cartunista Bira Dantas endossa as palavras de Aroeira. “Ainda outro dia brinquei dizendo que ela cuspia chumbo derretido, que é bem mais difícil. Produtiva demais. Inteligente demais, artista demais, comprometida demais. Muito jovem, foi retirada de nosso entorno, este entorno das charges e cartuns que fazem a gente rir e chorar. De raiva ou tristeza. A gente teimou em não aceitar sua partida, a lembrança da sua amizade e simpatia estão tão vivas na lembrança, desdizendo uma notícia tão triste como essa”, lamenta.
Ele completa: “Ativa e radioativa, fazia charges pertinentes e impertinentes. Com graça, mostrava e denunciava nossas desgraças, bem como comemorava nossas vitórias. Sua voz e sua arte ajudaram a trazer de volta nossa combalida Democracia. Carol fará falta. Muita. Mas seguirá voando com outro querido que é Zé Celso Martinez como a Fênix voando pelos céus, iluminando as gentes brasileiras e suas lutas por um Brasil mais inclusivo e solidário.”
Diversas artes de Carol, como as que ilustram este texto, podem ser conferidas nas redes sociais. A cartunista também tem desenhos publicados na revista independente A Zica, no Jornal da Faculdade de Direito UFMG e no livro Mulheres e Quadrinhos, da Editora Skript (2019 ).
Ah, e também tem arte de Cospe Fogo que já virou camiseta, e não qualquer camiseta. Em janeiro deste ano, a linda (e dolorida) ilustração inspirada pela catástrofe Yanomami foi transformada em vestimenta pela Bufalo Branco e toda a venda das peças – infelizmente, em quantidade limitada – foi revertida para aquela nação indígena.
A mineira Carol estava vivendo no Rio de Janeiro, ao lado da companheira Ana, quando sofreu o ataque cardíaco. Além de Ana, família e amigos, Carol deixou uma legião (ainda crescente) de admiradores e a certeza de que foi cedo demais.
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