Quem gosta da Mulher-Maravilha – e principalmente de histórias de origem da personagem – tem duas boas opções lançadas pela Panini Comics: Mulher-Maravilha: Terra Um (DC de Bolso) e o segundo volume de Mulher-Maravilha por George Pérez – Volume 2 (Omnibus).
Terra um, de Grant Morrison (argumento) e Yanick Paquette (desenhos) foi publicada originalmente em três volumes, entre 2016 e 2021. Todos eles já saíram no Brasil, com capa dura, pela própria Panini: a novidade agora é juntar todos eles este único volume pela coleção DC de bolso. Trata-se de um gibi de proporções menores, com 14,5 x 21,7cm, tamanho que – apesar do nome – não dá pra por no bolso, não. As medidas da revista são um pouco maiores que as de um gibi padrão da turma da Mônica ou de um extinto “formatinho”, aquele em que a editora Abril Jovem costumava lançar os quadrinhos Marvel e DC muito tempo atrás.
Porém, diferentemente daquelas revistinhas da Abril, a qualidade de impressão é boa e os desenhos nas páginas são maiores. Além disso, a revista é muito mais grossa, já que são 376 páginas. E o preço cobrado – em bancas, livrarias ou pelo site da Panini – é de R$82,90, o que corresponde a mais ou menos metade da soma das três edições originais. Ou seja, a revista tem proporções menores que as originais, mas traz a obra completa a um preço mais acessível.
Tudo isso explicado, o que falar sobre Terra Um? Basicamente é uma releitura das origens da Mulher-Maravilha, uma HQ que mescla elementos clássicos da personagem criada por William Moulton Marston em 1941 a conceitos e ideias mais modernas introduzidas ou adaptadas por Morrison. Na propaganda da DC, “uma abordagem provocativa” que oferece “uma leitura contemporânea sobre liberdade, empoderamento e identidade.”
Assim como na maioria das HQs da Mulher-Maravilha, um povo constituído exclusivamente por mulheres guerreiras, as amazonas, vive na Ilha Paraíso/Themyscira, em uma sociedade próspera e isolada da influência dos homens e do patriarcado. Contudo, uma delas, justamente a filha da rainha Hipólita, a princesa Diana, está insatisfeita com sua vida reclusa e quer explorar o mundo, à revelia da mãe das leis das amazonas.
A jovem consegue escapar quando o avião do piloto Steve Trevor – o primeiro homem que ela vê na vida – cai nas praias da ilha e ela foge (misturando o objetivo de salvar a vida dele à própria vontade de deixar Themyscira). Cabe destacar que o prólogo da história traz uma jovem Hipólita sendo subjugada pelo semideus Hércules, uma das justificativas para o isolamento futuro das amazonas. Também é mostrada a constituição da Ilha Paraíso, a infância de Diana, o treinamento da princesa e os ritos de passagem da princesa que se torna a maior guerreira da tribo. Tudo com direito a diversos elementos da mitologia grega, incluindo titãs e criaturas maravilhosas.
Fora da ilha, Morrison mostra tanto o deslumbramento da Mulher-Maravilha com um mundo que para ela é repleto de novidades às dificuldades que ela tem ao lidar com o machismo, conceitos e leis vigentes nos EUA. Ainda há espaço para a relação de Diana com a mídia que retrata os feitos dela, a desconfiança do governo estadunidense que chega a classificá-la como uma ameaça e até mesmo confrontos com nazistas.
Em paralelo, as amazonas irão perseguir a princesa rebelde e a levarão de volta à Ilha Paraíso para encarar um julgamento, no qual ela irá relatar o que viu e fez no mundo do patriarcado em uma tentativa de tentar convencer as demais guerreiras de que quebrar a lei e ter contato com o resto do mundo é necessário (daí o fato de partes da história serem contadas em flashback).
Fora o argumento, cabe ressaltar a bela arte de Paquette, que usa a iconografia estabelecida nas HQs da princesa amazona nas divisões e transições dos requadros, utilizando desde imagens e símbolos típicos da Grécia antiga ao “W” (do nome em inglês da heroína, Wonder Woman) e ao laço da verdade para dividir as páginas.
Mas onde entra a tal “abordagem provocativa”? A DC não explicita e deixa a cargo do leitor definir isso. Neste sentido, não faltaram polêmicas aqui e ali. Grant Morrison, por exemplo, deixa claro na HQ que na Ilha Paraíso, onde só há mulheres, predomina o amor homossexual. Pode até ser que isso tenha gerado algum tipo de reação exacerbada em leitores conservadores ou homofóbicos, mas já se especulava sobre a sexualidade das amazonas nos quadrinhos desde os anos de 1950 e em 2016 – ano em que foi lançado Terra Um – o editor da DC Comics Greg Rucka confirmou que a Mulher-Maravilha era bissexual, o que já havia sido mostrado na HQ Wonder Woman: Year One (e houve até uma brincadeira sobre o tema no primeiro filme da Mulher-Maravilha, em 2017.
Alguns críticos também apontaram um possível excesso de bondage, o que nem de longe é uma novidade na personagem. Nas HQs originais de Marston – que era psicólogo – era comum o fato da Mulher-Maravilha prender, amarrar ou restringir laço vilões e eventuais adversários. E dela mesma ser restringida com cordas ou correntes. Tudo sem apelo sexual explícito, mas, para quem sabe o que procura, estava lá décadas atrás, e está em Terra Um. Sem novidades.
Também há algumas mudanças específicas na história, como a presença de um “avião cisne” em vez do avião invisível tradicional da Mulher-Maravilha – o que foi considerada palatável, e positivo, pela maioria dos fãs. E (esta, sim, uma alteração de destaque), em Terra Um Steve Trevor é um homem negro e não mais um homem branco.
“Ele sempre foi esse loiro de olhos azuis aborrecido, o isso não cabe no mundo moderno. Eu queria diversidade. Pensei que seria muito mais potente fazer de Steve Trevor um cara negro. É muito mais poderoso no contexto de tudo o que Marston estava fazendo nos anos de 1940”, disse Morrison em entrevistas que concedeu sobre o quadrinho.
Há ainda duas outras polêmicas que parecem mais fofocas fabricadas do que fatos da HQ em si. A primeira é que Yannick Paquette teria desenhado o rosto de Diana tendo como base o da ex-atriz pornô Sasha Grey. A história surgiu a partir de um fã que achou as duas parecidas e foi crescendo a partir dali, sem nenhum tipo de embasamento. E, comparando as duas, é um pouco forçada (confira na imagem abaixo).
A outra é a de alguns leitores que criticaram a “superioridade” das mulheres em relação aos homens na história, chegando a falar em misandria (ódio ou aversão ao sexo masculino). Quanto mimimi… Uma sociedade de mulheres guerreiras que se fechou para se proteger do patriarcado provavelmente irá se achar superior aos homens e, convenhamos, talvez até seja. Agora, não deixa de ser engraçado que essa galera nunca reclame quando os homens são mostrados como grandes heróis e as mulheres como secundárias.
E é hilário que alguém reclame de mulheres fortes como protagonistas e “da falta de presença” de homens em uma HQ que desde que foi criada tinha como proposta empoderar as mulheres, que conta a história de mulheres guerreiras e que tem como título “Mulher-Maravilha”. Vá entender.
Omnibus de George Perez
Falecido em 2022, vítima de câncer, George Pérez foi um desenhista de renome com trabalhos tanto para DC quanto para a Marvel. Era admirado principalmente pelo estilo clean e, ao mesmo tempo, extremamente detalhado. Em se tratando de Mulher-Maravilha, Perez foi o grande responsável por reimaginar a personagem (com conceitos, argumentos e desenhos) após Crise das Infinitas Terras, um dos maiores reboots do universo DC, realizado em 1986.
Não à toa, a DC e a Panini disponibilizaram aos leitores livros que reúnem várias HQs de Perez que abordaram esse origem reformulada, os chamados Omnibus. Nos quadrinhos, a palavra (que em latim quer dizer “para todos” e, sim, é de onde veio o “ônibus” usado para veículos de transporte coletivo) se refere a qualquer edição que reúna várias edições produzidas por um mesmo autor ou sobre um mesmo tema/personagem.
Assim, o primeiro Omnibus da Mulher-Maravilha de Perez (que reunia Wonder Woman 1 a 24, de 1987, e Wonder Woman Annual 1, de 1988) foi lançado em 2024 e este segundo dá continuidade à reformulação da personagem após a Crise nas Infinitas Terras. Desta vez, o volume traz as edições de Wonder Woman 25-45, de 1987, e Wonder Woman Annual 2 (1988), com “ação épica, mitologia e sensibilidade emocional, uma celebração da heroína em sua essência mais nobre e poderosa.”
São 640 páginas, capa dura com sobrecapa, acabamento de luxo que valoriza as HQs (muitas vezes com diferentes argumentistas, mas sempre sob a batuta de Pérez) e a arte soberba. Uma edição pra fã nenhum botar defeito, mas prepare o bolso: o livro custa R$ 274,90. Contudo, antes que você se assuste, lembre que (sem mencionar a qualidade do trabalho) são 640 páginas, o que dá mais ou menos R$ 0,43 por página, bem mais barato que o valor do ovo, por exemplo…
E convenhamos que a Mulher-Maravilha vale a pena!
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