Em 1941, o psicólogo William Moulton Marston criou a Mulher-Maravilha, primeira super-heroína a conquistar as páginas das HQs. Criada como uma espécie de contraparte do Super-Homem, a heroína conquistou logo de cara meninas que queriam ser como ela e também meninos, graças a um erotismo mal disfarçado nas histórias.
Na realidade, o psicólogo criou a heroína, uma precursora do feminismo, como uma forma de apoio às mulheres americanas, que na época estavam vendo os homens (pais,filhos, namorados, irmãos…) indo para a Segunda Guerra Mundial. Vale lembrar que então a maioria das mulheres americanas era criada para ser submissa ao marido/namorado/pai e a imagem da americana ideal passada de geração para geração era da fêmea frágil, dependente e que não podia nem sabia trabalhar e resolver problemas sem um homem por perto.
Assim sendo, a personagem surgiu carregando a bandeira de que as mulheres eram fortes, mais inteligentes do que os homens e – um conceito particular de Marston – bem mais honestas – o laço da Mulher-Maravilha, que inicialmente só era utilizado em homens, fazia com que quem estivesse amarrado falasse apenas a verdade. O psicólogo talvez baseasse sua opinião em fatos, afinal Marston criou na vida real um sistema de medição de pressão sanguínea que acabou levando à invenção do detector de mentiras.
Nas histórias de Marston, a Mulher-Maravilha usava em primeiro lugar a inteligência e a astúcia para resolver os problemas e, em último caso, os punhos. Os personagens homens apareciam sempre como fracos ou loucos e na maioria das histórias a heroína mostrava uma grande sensibilidade – preocupava-se mais, por exemplo, com a reabilitação dos criminosos do que com a punição – e criticava as leis do mundo patriarcal.
Os homens que apareciam como bonzinhos – entre os quais Steve Trevor, namorado de Diana – eram em sua maioria desajeitados, ingênuos ou menos sagazes do que ela e sempre acabavam precisando da ajuda da princesa.
Se o apelo ao público feminino estava no conteúdo, boa parte do masculino – e vá lá, parte do feminino também, por que não? – era atraído pela forma: o sucesso das histórias junto aos integrantes do sexo masculino se dava por meio das roupas sensuais para o padrão da época e ao fato de Marston, usando todo o seu conhecimento, usar imagens que remetiam ao imaginário sexual (em todas as HQs havia cenas de homens e mulheres sendo amarrados, chicotes, correntes e algemas).
A personagem fez tanto sucesso que em 1942 já ganhou revista própria, além de brinquedos e fantasias temáticas. Com o fim da guerra, os homens estadunidenses voltaram para casa e a Mulher Maravilha teve a primeira queda de vendas, afinal as mulheres agora estavam sendo obrigadas a “voltar para seus lugares”. Por fim, com a morte do autor em 1947, as histórias se tornaram piores e a Mulher-Maravilha passou a ser como qualquer outro herói, usando mais os punhos e em histórias pouco elaboradas.
A personagem voltaria a fazer sucesso no final da década de 1960/início da de 70, com o crescimento do feminismo. Aproveitando a onda, os produtores de TV da época lançaram o seriado Wonder Woman, tendo no papel principal a atriz Linda Carter. Apesar de ter um enredo particularmente ingênuo – a atriz girava em torno de si mesma com os braços abertos para “se transformar” em Mulher-Maravilha -, o seriado atingiu bastante sucesso em todo o mundo e impulsionou a carreira da personagem (bem como as vendas de maiôs com a bandeira americana).
O sucesso na TV, porém, pouco afetou os quadrinhos. Os gibis com a personagem só voltaram a ganhar impulso na década de 1990, graças a argumentos mais bem elaborados, envolvendo mitologia e aventura, e principalmente aos desenhos do brasileiro Mike Deodato Júnior, que vitaminou as formas da heroína – com destaque para seios, pernas e muitos músculos.
No Brasil – onde surgiu inicialmente batizada de Miss América – Mulher-Maravilha costumava aparecer mais nas HQs de outros heróis (em especial nas histórias da Liga da Justiça, da qual faz parte) sem grande participação no enredo das histórias. Na maior parte delas, ela parece estar apenas para enriquecer a estética da HQ ou, em outras palavras, decorar as páginas do gibi com suas belas formas.
Mas há diversas exceções, como a excelente Graphic Novel Hiketeia, na qual – por meio do ritual grego antigo que dá nome à HQ – a Mulher-Maravilha é obrigada a proteger “eternamente” uma mulher que acaba se mudando para Gotham City. A moça, porém, é acusada de assassinato e Batman vai persegui-la para entrega-la à Justiça, o que acaba colocando os dois em rota de colisão.
Já na série Crise Infinita (publicada no Brasil entre 2006 e 2007), Mulher-Maravilha viria a ganhar grande destaque, em especial por matar Maxwell Lord. O empresário, que até então era fundador da Liga da Justiça Internacional, é revelado como um vilão com poderes de controle mental e que planejava matar os super-heróis do mundo.
Na prática, ele chega a matar o Besouro Azul (Ted Kord) com um tiro na cabeça e consegue controlar mentalmente o Super-Homem, jogando Homem-de-Aço contra Batman e a própria Mulher-Maravilha.
Em 2024 a DC Comics também lançou o Universo Absolute, no qual Diana é guerreira e feiticeira, tem o corpo tatuado e nasceu no Hades, o inferno grego.
Vale lembrar ainda que, apesar de as tentativas de novos seriados da Mulher-Maravilha não terem vingado, foram lançados dois filmes com a personagem, o ótimo Mulher-Maravilha (2017) e o fraco Mulher-Maravilha 1984 (2020). Em ambos a heroína é interpretada por Gal Gadot, que também deu vida à personagem em outros filmes, como Batman vs Superman, Liga da Justiça, Shazam 2 e The Flash.
Enredo
Em pleno século 20, havia no meio do oceano uma ilha chamada Ilha Paraíso (ou Themyscira), onde viviam secretamente as Amazonas, lendárias guerreiras da mitologia grega. A ilha era governada pela Rainha Hipólita que resolve mandar para o mundo patriarcal a filha Diana, “uma mulher amável como (a deusa) Afrodite, esperta como (a deusa) Athena, rápida como (o deus) Mercúrio e forte como (o semi-Deus) Hércules.”
Ela segue então como embaixadora para os Estados Unidos (na versão original, a bordo do avião de Steve Tevor, que havia caído na ilha) com a missão principal de entender melhor o mundo do patriarcado e convencer as mulheres do mundo a serem fortes e independentes.
Além da inteligência, força, rapidez e beleza, a princesa Diana – que foi chamada pelo resto do mundo como “Mulher-Maravilha” – é uma exímia atleta e usa braceletes (com os quais consegue desviar balas e raios) e um laço mágico, que é praticamente impossível de ser arrebentado e obriga os que estão em seu poder a falar a verdade.
Nas histórias criadas após a morte do autor, Marston, Diana chegou a ganhar um avião invisível (que fazia grande sucesso nos desenhos animados dos “Superamigos”), mas atualmente tem poder de vôo próprio. O uniforme também mudou bastante, mas sempre tem as cores (e as estrelas) da bandeira dos EUA.
Também foram realizadas algumas alterações nas origens da personagem, na qual “descobriu-se” que ela foi criada do barro pela deusa Afrodite, que a deu de presente à rainha Hipólita. A própria Hipólita chegou a ocupar o cargo de Mulher-Maravilha em algumas HQs e há ainda a Moça-Maravilha (cargo ocupado inicialmente por Donna Troy e depois por Cassie Sandmark).
Personagens
Na chamada fase moderna, Diana tem várias amigas na cidade de Boston e na de Gateway City, onde se passa a maioria das histórias. Os personagens que mais chamam a atenção, porém, são mesmo os do núcleo mitológico, que inclui a rainha Hipólita, várias irmãs amazonas (entre as quais a chamativa Artemis), vilões como Circe e Medusa. Há ainda “participações especiais” de deuses como Ares e Atena, e do semideus Hércules (por sinal, quase um vilão nas HQs da moça). O namorado da década de 1940, Steve Trevor, também ganhou roupagem nova e reapareceu em algumas HQs. Além disso, a Mulher-Maravilha contracena constantemente com os outros heróis da Liga da Justiça (Flash, Super-Homem, Lanterna Verde, Aquaman, Batman e Ajax, o Marciano), da qual foia única representante fixa do sexo feminino por um bom tempo.
Curiosidade: triângulo amoroso
Na imaginação dos fãs – e em muitas histórias – a Mulher Maravilha se torna consorte de Superman ou de Batman. Na cronologia oficial, a tensão sexual entre os três existe desde que se conheceram (episódio mostrado na série especial Trindade, já publicada no Brasil) e há histórias em que um ou outro herói parece se entender mais com a moça. Vale lembrar, inclusive, que em um arco absolutamente surreal antes do casamento do Super com Lois, ele a Mulher Maravilha passaram séculos lutando e convivendo juntos em uma dimensão paralela, nos quais dividiram momentos bem próximos.
Já em HQs alternativas, Diana já se envolveu com ambos os personagens, em especial em futuros distantes. Em Kingdom Come e em Cavaleiro das Trevas (1 a 3), por exemplo, ela é a amante do Super e até teve uma filha e um filho com ele (em Cavaleiro das Trevas). Já em outras HQs fora da cronologia regular, a moça tem um affair com Batman.
Aliás, vale lembrar ainda que a sexualidade da Mulher Maravilha é um assunto que já rendeu muito. Nos anos de 1950, ela foi apontada como lésbica no temível – e homofóbico -livro A Sedução do Inocente. Nos quadrinhos, porém, a personagem sempre aparecia em relacionamentos heterossexuais.
No entanto, em 2016, o autor de HQs e editor da DC Comics Greg Rucka confirmou que Mulher-Maravilha era bissexual – fato que era confirmado na história Wonder Woman: Year One. E em 2017, no primeiro filme da Mulher-Maravilha, há um diálogo entre a heroína e Steve Trevor que brinca com esse fato.
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