O Deus da Trapaça estreou em grande estilo no Disney+: a série Loki – protagonizada pelo (ótimo) ator Tom Hiddleston – teve maior audiência de um primeiro dia dos Estados Unidos, levando em conta qualquer uma das produções da Marvel na plataforma. Segundo a agência de estatísticas de streaming SambaTV, o primeiro episódio foi assistido em 890 mil casas no dia do lançamento (9 de junho), deixando pra trás os “antecessores” Falcão e o Soldado Invernal (759 mil) e WandaVision (655 mil).
Caso você não tenha assistido ainda (ou, pena, não tem acesso ao Disney+ para assistir) e esteja se perguntado se os números se justificam, a resposta é: sim, com certeza. A proposta da nova série é bem interessante e, além de Hiddleston arrebentar (como sempre) na pele de Loki, a escolha de Owen Wilson como o agente temporal Mobius se mostrou muito acertada.
Mas nada de colocar os bodes na frente da carruagem de Thor (ou o carro na frente dos bois, pra quem não conhece a mitologia nórdica), comecemos do início: a história do seriado, como já ocorreu com Wanda e Falcão, se inicia imediatamente após os eventos de Vingadores: Ultimato.
Relembrando: os Vingadores saíram de um tempo presente onde Loki havia morrido nas mãos de Thanos, tentado salvar Thor e os demais asgardianos, e viajaram no tempo em busca do Tesseract/Joias do Infinito. Eles voltaram para o período dos acontecimentos originalmente vistos no primeiro filme dos heróis, quando Loki já está devidamente capturado depois da invasão Chitauri a Nova York.
Porém, em Ultimato, na confusão gerada por um Hulk descendo as escadas e acertando Tony Stark quando ele passava em frente à porta carregando o poderoso cubo cósmico, Loki acaba pegando o Tessaract e fugindo rumo ao – até então – desconhecido.
Portanto, o personagem principal do seriado é “aquele “ Loki, que ainda não passou por toda a jornada de redenção que viveria na sequência, se não tivesse fugido. Ele não teve ainda a experiência traumática da morte da mãe, Frigga (em Thor: O Mundo Sombrio), não realizou o sonho de governar Asgard após banir Odin, não se reaproximou de Thor.
Basicamente quem escapou foi aquele Loki inicial, ardiloso e, digamos, imaturo e obsessivo pela conquista do(s) mundo(s). Ocorre que o cubo leva o vilão para o meio do deserto da Mongólia (uma referência, inclusive, ao primeiro filme do Homem-de- Ferro). Ali ele é capturado por um grupo de soldados de uma entidade chamada TVA – ou, na sigla correspondente para o Português, AVT (Autoridade de Variância do Tempo).
Essa entidade, criada nos quadrinhos em 1986, é uma espécie de polícia temporal. Quando detecta algo irregular na linha do tempo, que supostamente não deveria ter ocorrido, a TVA segue em busca das “variantes” geradas, na tentativa de impedir o surgimento de universos paralelos. E, neste contexto, Loki é uma variante (o “verdadeiro”, não custa lembrar, já morreu nas mãos de Thanos).
Mobius, um agente da TVA, impede que o “Loki variante” seja apagado da história justamente por achar que o deus nórdico pode ajudar a capturar uma outra variante misteriosa que está causa estragos enormes. A dupla, então, vai viajar no tempo e no espaço atrás deste outro vilão misterioso, que muita gente chegou a achar que seria o temível Mefisto, o capeta-mor da Marvel, por causa de um vitral apontado por uma testemunha.
Porém, cabe lembrar, nem de longe o diabo é o único personagem com chifres na Casa das Ideias, que o diga o próprio Loki… e não se fala mais nisso.
Viagens no tempo à parte, o seriado mistura aventura, muito bom humor (com direito a várias piadas em cima das burocracias típicas e equipamentos da TVA) e história de detetive. E em meio a tudo isso, Loki ainda terá que fazer uma reflexão um pouco mais profunda sobre os próprios propósitos e, mais ainda, a razão por trás deles. Uma combinação que, somada às ótimas atuações da dupla de protagonistas, tem tudo para dar certo!
Nesta primeira (?) temporada, são seis episódios, que são disponibilizados às quartas-feiras pela Disney+.
Loki tem gênero fluído…ah, vá?!
Em tempos polarizados e em pleno mês do Orgulho LGBT+, uma cena discreta – que talvez passasse despercebida em outras épocas – causou furor (em especial) na Internet . Tanto no teaser soltado antes da estreia quanto em determinado momento do primeiro episódio (lá pelos 15 minutos), Mobius segura nas mãos a ficha de apreensão de Loki, com os dados do prisioneiro. E, no campo “sexo” (ou, para os que preferirem, gênero), não está escrito nem masculino nem feminino, e, sim, “fluído”.
Antes de mais nada, cabe o parêntese para quem não sabe: uma pessoa de gênero fluido é aquela que não se identifica com uma única identidade de gênero, podendo transitar entre vários deles (como o feminino, masculino e agênero, por exemplo). Tais mudanças podem ser graduais ou súbitas, constantes ou inconstantes, em intervalos de tempo aleatórios, etc.
Findo o parêntese, a tal ficha causou furor. De um lado, muita gente destacando que a Marvel “revelou” que Loki é gênero fluído. De outro, comunidades e movimentos comemorando “a inclusão” do personagem no universo LGBTQ+. E, claro, os haters e cabecinhas-pequenas de sempre apareceram destilando homofobia e preconceito.
O irônico, porém, é que Loki já é gênero fluído muito antes da Marvel revelar qualquer coisa neste sentido: na própria mitologia nórdica (que data de antes de Cristo), Loki já transitava entre os gêneros. Entre outros exemplos, o Deus da Trapaça assume o gênero feminino para ouvir uma conversa de Frigga na qual ela revela que Balder pode ser morto por um visgo.
E Loki é a mãe de Sleipnir, o cavalo de oito patas que é o mais veloz do mundo. Isso mesmo, mãe. Em uma famosa história sobre a reconstrução do muro de Asgard, Loki se transformou em uma linda égua branca para atrair o garanhão de um gigante que trabalhava na obra. Tempos depois, o Deus da Trapaça retorna à Asgard e dá à luz Sleipnir.
Fora da mitologia em si, também não é de hoje que Loki é apontado como gênero fluído. Apenas para ficar em exemplos mais recentes da cultura pop, na trilogia Magnus Chase e os Deuses de Asgard (lançada em 2015 por Rick Riordan, mesmo criador das séries de Percy Jackson), Loki não só é fluído como o mesmo ocorre com Alex Fierro, descendente dele que é interesse romântico do personagem principal.
Não bastasse tudo isso, na própria Marvel a fluidez de gênero de Loki não é novidade (portanto, nada foi “revelado” no seriado, como pregaram alguns títulos sensacionalistas por aí). Já em 2008, portanto há mais de uma década, apareceu pela primeira vez Lady Loky, a versão feminina do Deus.
E seis anos depois, em 2014, a Marvel determinou em definitivo que o personagem, assim como na mitologia, era efetivamente fluído nos quadrinhos, onde ele já vinha alternando entre gêneros em diversas histórias.
Aliás, uma das mais queridas dos fãs apareceria no ano seguinte, nos hilários gibis de Unbeatable Squirrel Girl 7 e 8 , onde Loki ajudava a Garota Esquilo com seu uniforme, ressaltando as qualidades de um deus de gênero fluído como fashion designer.
E, é claro, apesar de todo o frisson causado pela dita notícia de agora, ela também já era velha até para os envolvidos no seriado. “Eu diria que os detalhes estão inseridos na história, mas é algo que reconhecemos. Ele tem gênero fluido na mitologia nórdica e nos quadrinhos, então sentimos que era algo importante de fazer, como dizem, ser parte do cânone”, diz a diretora do seriado Loki, Jate Herron.
O próprio Tom Hiddleston completa: “Isso está presente nos quadrinhos por algum tempo e na história do personagem por centenas, senão milhares de anos.” Isso posto, a grande questão a ser respondida é: o que isso importa para o seriado ?
Há quem diga que nada, que seria apenas um detalhe da concepção do personagem reiterado nas telas. Mas, por outro lado, não costuma haver pontas soltas nos seriados da Marvel e, nos bastidores, já se diz há tempos que a atriz Sophia Di Martino, que integra o elenco, deve interpretar a infame Lady Loki.
A questão, então, é saber – caso isso se confirme – se Lady Loki será o próprio Loki exercendo sua fluidez ou se aparecerá como uma outra variante do personagem principal. E, se este último caso se tornar verdadeiro, seria a Lady uma aliada ou estaria em lados opostos aos de Loki, defendendo interesses próprios ? A conferir…
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