Dick Vigarista e Muttley: até Garth Ennis flopa de vez em quando

A assinatura do irlandês Garth Ennis em uma História em Quadrinhos é praticamente uma garantia de sucesso (e de violência, de sangue, vísceras e humor cáustico). The Boys, Hitman, Preacher, Bloody Mary, Judge Dredd, Justiceiro são apenas alguns personagens de uma imensa lista que foram criados ou tiveram histórias e fases exitosas elaboradas por Ennis.

Mas nem sempre o toque de Midas funciona, infelizmente.  Dick Vigarista e Muttley, um one shot que faz parte da reformulação que a DC fez de clássicos Hanna Barbera para os quadrinhos (o projeto foi lançado em 2016) é uma triste comprovação desse fato.

Se algumas das adaptações feitas pela DC deram muito certo (como os Flintstones e Space Ghost), a história elaborada por Ennis ficou muito aquém do desejável. Fraca mesmo, ainda mais diante do divertido desenho que a inspirou, A Esquadrilha Abutre.

O roteiro da HQ é totalmente sem pé nem cabeça. Até aí, tudo bem. O problema é que mesmo a loucura tem que ter alguma lógica, o que não acontece na história e, pior, o final é uma solução óbvia e sem imaginação.

Vamos por partes. A aventura começa no estilo mundo real, quando o Tenente Coronel Richard “Dick” Atcherly e o Capitão D. “Mutt” Muller, dois oficiais das Forças Aéreas estadunidenses, são enviados em um voo de reconhecimento sobre o Improvaquistão – o país acaba de passar por uma devastadora explosão após um teste com um reator atômico alimentado pelo elemento raro Instabílio 239.

Se você achou esses nomes terríveis na versão em português (em inglês eles também são sofríveis), se prepare porque lá vem mais um: “P-MBO GUERREIRO” é o nome de um estranho drone que passa ao lado da nave da dupla soltando um spray colorido e cheio de garatujas, cujo resultado é causar efeitos bem estranhos nas pessoas e objetos.

Já na cabine do avião, o manche se transforma em uma buzina de desenho animado, os olhos de Mutt – um sujeito que tem uma risada irritante e levou o cachorro vira-lata para a missão dentro do cockpit –  literalmente saem da cara dele. A nave cai e a dupla acorda num hospital na Alemanha, no qual Dick acaba se chocando ao descobrir que Mutt tem agora cara de cachorro.

 

Ocorre que o tal drone está sobrevoando várias áreas do mundo e as pessoas começam a apresentar, digamos, efeitos aleatórios de desenho animado. Um agente ali na Alemanha mesmo vira uma espécie de Hortelino Troca-Letras e atira em outro com uma arma enorme, deixando literalmente um buraco no meio do corpo do sujeito…e outro na cabeça de um motociclista.

Em um momento totalmente não-Garth Ennis, é bom enfatizar: nenhum deles sangra e nem há um festival gore de vísceras. Ambos seguem vivos, bem e com buracos redondos e perfeitos no lugar dos tiros…

O tal P-mbo continua sendo mostrado aleatoriamente sobrevoando locais do mundo, transformando um tubarão em alto mar no Tutubarão (piada visual, apenas, pros saudosistas) e passando sobre o pentágono, onde atinge o oficial superior de Dick e Mutt.

Trata-se de um general que, ao dar bronca na dupla, acaba enfiando a mão pelo telefone e dando um soco no Tenente Coronel do outro lado da linha – relembrando aqui uma das cenas clássicas do desenho animado.

Políticos e autoridades estadunidenses começam a se transformar em animais e a resolverem coisas com marretas e outros apetrechos de desenho, o planeta se transforma numa cabeça de um certo rato, os bigodes de Dick vão crescendo e Mutt vai virando mais cachorro.

Estranhamente, ele é o único personagem que se fundiu a um cão de verdade pra virar Muttley, uma “explicação” desnecessária, já que os outros apenas se transformam. Mas quem é que está contando as bizarrices desconexas do roteiro?

Pois lá vem mais uma: a certa altura se descobre uma gravação que mostra que o problema não era em si a explosão, mas um elemento chamado de Looneytunicon, descoberto em um templo onde as estátuas de deuses antigos remetem a Pernalonga, Patolino, Willi Coyote, Scooby Doo e o “mais terrível deles”: Pluto, o cachorro do Mickey.

Para salvar o mundo da transformação final em um desenho animado distorcido, o já obcecado pelo “P-Mbo” e agora de longos bigodes Dick Vigarista sai em missão final para tentar ganhar o dia. Ele será acompanhado, claro, por Muttley – que já não consegue mais falar (e está extremamente triste por não conseguir se reconectar com esposa e filhos).

E também terá a companhia de dois outros aviadores aleatórios e sem graça colocados na história apenas para “se transformarem” em Klunk e Zilly, a dupla que nos desenhos completa a Esquadrilha Abutre. Diga-se de passagem, com direito a um momento de inclusão forçado que não faz sentido algum: o futuro Klunk é o tenente Longman, um homem negro, e a capitã Zabarnowski, uma mulher, irá virar Zilly.

Nenhum dos dois lembra em nada os personagens do desenho durante toda a HQ e parecem estar ali apenas para o final óbvio: os quatro salvam o mundo e se transformam no desenho animado da Hanna Barbera, enquanto o planeta volta ao normal e esquece que eles existiram.

A HQ termina de forma melancólica e sem graça com o filho do capitão Mutt Miller, que sequer lembra do pai, assistindo à Esquadrilha Abutre na TV (o que o leitor adivinha pelas frases saindo do aparelho, já que o desenho em si não é mostrado).

É preciso ressaltar que a arte de Dick Vigarista e Muttley, de autoria do cartunista belga Mauricet, é muito bacana e há diversas referências – tanto claras quanto escondidas – aos mais variados cartoons, tanto da Hanna Barbera (Leão da Montanha, Esquilo Sem Grilo e Dom Pixote estão entre os que também dão as caras) quanto mais recentes, caso de Kung Fu Panda.

E há alguns momentos, inclusive de (fraca) tentativa de se fazer uma crítica a um certo imperialismo conquistador dos EUA por meio dos desenhos animados. Mas, infelizmente, tudo ali é muito jogado, sem amarração. Com isso, a história acaba se arrastando e ficando (ainda mais) sem graça até chegar no final triste e sem brilho.

Uma pena. O desenho era infinitamente melhor. Ennis, claro, tem crédito sobrando (ainda mais depois do sucesso de The Boys tanto nos quadrinhos quanto na versão live-action na Amazon Prime). Contudo, não dá pra deixar de dizer que a HQ nem chegou perto de ganhar uma medalha, medalha, medalha.

NOTA DO CRÍTICO: Ruim demais

Comentar

Follow us

Don't be shy, get in touch. We love meeting interesting people and making new friends.

Most popular

Most discussed

Nós usamos cookies para melhorar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade.