Djota Carvalho
Em pleno Mês do Orgulho, a Panini Comics confirmou o lançamento da versão brasileira da HQ que mostra o matrimônio de Mística e Sina, ícones do universo LGBTQIA+ nos quadrinhos. Lançado originalmente nos EUA em 2024, o enlace do casal é o primeiro casamento entre mulheres no Universo Marvel e deve chegar às bancas em agosto, mas já está em pré-venda no site da editora.
A história do amor entre as duas personagens levou décadas para “sair do armário.” Mística (Mystique, no original), é uma mutante de pele azul, olhos amarelos e cabelos ruivos. Contudo, o poder mutante dela é o de mudar de forma, assumindo com perfeição a aparência (e voz) de qualquer ser humano, de ambos os sexos. A exemplo de Wolverine, Mística também envelhece de maneira extremamente lenta e, apesar de aparentar ser uma jovem mulher, nas HQs ela já tem mais de um século de vida.
A personagem, que normalmente aparece nas histórias como uma vilã, foi criada em 1978 pela dupla Chris Claremont e Dave Cockrum, aparecendo pela primeira vez na revista Mrs. Marvel número 16 (e rapidamente se tornando uma personagem constante nas HQs dos X-Men, como inimiga ou aliada eventual). Tão mortal quanto sedutora, a mutante – cujo nome “civil” é Raven Darkhölme – chegou a se envolver com diversos homens e teve inclusive filhos com dois deles, mas Claremont já tinha em vista desde a criação que ela seria bissexual e planejara um grande amor para Mística, uma outra mutante chamada Sina.
Criada em 1980 por Claremont (desta vez com desenhos de John Byrne), Irene Adler – que usa o nome Sina ou, no original, Destiny – desenvolveu o dom mutante da previsão do futuro quando tinha 13 anos e escreveu 13 livros contendo predições detalhadas do futuro para o próximo século. Assim que acabou de escrever o último, ela ficou cega. Além dos poderes de previsão (fora o que escreveu nos livros, muitas vezes sem entender, ela consegue enxergar possibilidades de futuros imediatos minutos antes de ocorrerem), ela também tem poderes de se projetar astralmente e, assim como Mística, tem grande longevidade.
Nas HQs de Claremont – que comandou os X-Men de 1975 a 1991 – as duas personagens sempre foram mostradas como muito próximas uma da outra. Elas inclusive teriam criado juntas um filha adotiva, a personagem Vampira (Rogue), surgida em 1981. E havia pistas de que ambas eram mais que amigas. Em uma HQ publicada em Marvel Fanfare #40 (Outubro de 1988), Mística – usando a forma masculina de “Eric Raven” – dança com Sina e a chama de “meu amor.”
Em 1989, quando Sina morre para salvar Mística (calma, ela ressuscita depois), a mutante de pele azul fica inconsolável e em meio ao luto se torna ainda mais cruel. Um ano depois, em Uncanny X-Men #265 (Agosto de 1990), o vilão Shadow King se refere à Sina como a “leman” de Mística. A palavra, do inglês arcaico, significa “amante.”
Mas nada era deixado às claras, até porque o famigerado “Código de Ética dos Quadrinhos” esteve em vigor até 1989 nos Estados Unidos e, dentro da própria editora, consta que havia uma política de “nada de gays no Universo Marvel.” Tanto que o primeiro personagem abertamente homossexual da editora só assumiu nas histórias apenas em 1991 – o também mutante Estrela Polar, da Tropa Alfa.
Chris Claremont, assim, conseguiu apenas induzir o fato para os leitores, ficando muito aquém do que planejava. Ele queria, inclusive, ter revelado que o X-Men Noturno era filho de Mística e Sina – a primeira teria assumido forma/corpo de homem para engravidar a amada (essa revelação só ganharia corpo nos quadrinhos em 2023).
Saindo do armário
O tempo passou e ainda que boa parte dos leitores tivessem certeza que Mística e Sina eram um casal, somente em 2019 foi publicada uma HQ (em History of the Marvel Universe #2) nas qual as duas se beijavam. A esta altura, a Marvel já tinha outros personagens abertamente gays há tempos – o próprio Estrela Polar já havia se casado com outro homem em 2012 e o X-Men Homem-de-Gelo se assumira em 2015.
Vale lembrar que essa história do beijo, inclusive, mostrava um momento “do passado”, pois naquele ano de 2019 a personagem Sina continuava morta nas HQs. Mas, como nos quadrinhos dificilmente um bom herói ou vilão permanece morto, em 2021 Sina foi trazida de volta à vida e, a partir dali, a Marvel definitivamente assumiu a dupla como um casal nos gibis.
Foi revelado, inclusive, que Mística e Sina teriam se casado em segredo antes da morte ter ocorrido (o que explicaria ainda mais o sofrimento de Raven). Mais ainda, em 2023 a Marvel fez uma “retcon” – nome dada às histórias de “continuidade retroativa”, na qual um fato até então estabelecido é recontado de outra forma e esta nova forma passa a valer como definitiva – na qual oficializava a origem de Noturno pensada por Claremont.
Ou seja, a partir daquele momento, Noturno passou a ser filho biológico de Sina e Mística, que teria assumido uma forma masculina para concebê-la com a então amante. Isso posto, em 2024 veio o passo mais icônico: o já revelado casamento secreto das personagens ganhou forma no especial X-Men Wedding Special, que aqui no Brasil sai no volume 4 da coleção Vozes da Marvel: Orgulho.
A edição tem 64 páginas e é formada por cinco histórias mostrando o casamento, com “direito a romance, mistério, vilania…e até penetras!”
Vozes da Marvel
No Brasil, a coleção Vozes da Marvel: Orgulho já teve outros três volumes lançados, sempre com o objetivo de destacar a diversidade e os personagens LGBQTIA+ da editora. O primeiro volume, de 2022, trouxe a história dos anos de 1990 na qual Estrela polar se assumiu gay, além de aventuras com outros personagens como Homem de Gelo e o casal Hulkling e Wiccano (aquele que protagonizou um beijo que despertou a fúria censora de um certo prefeito do Rio de Janeiro).
O volume 2, de 2023, apresentou o legado da Serpente da Lua e trouxe aventuras com Hércules e os Jovens Vingadores . Por fim, o volume 3, de 2024, trouxe a (bissexual) a Gata Negra, Hulkling e Wiccano e outros heróis.
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