Diz a lenda que, depois de terminar de esculpir a estátua de Moisés, diante do resultado tão realista, Michelangelo teria batido com o martelo nela e perguntado à própria obra por que ela não falava. Olhando paras várias imagens de Pokémon que o artista conceitual Joshua “Josh” Dunlop criou também é possível acreditar que elas deveriam se mexer, sair por aí correndo ou falando (no estilo dos “monstrinhos de bolso” japoneses, claro, repetindo os próprios nomes).
Afinal, a característica principal da arte deste Michelangelo 3D é justamente o realismo. É possível acreditar que o Bulbasaur “esculpido” por ele está por aí se escondendo em alguma floresta, que dá pra encontrar dezenas de Farfetch’d nadando em uma lagoa , achar que um Chansey deve ser alguma espécie de gato (ou coelho) que comeu demais, pescar uma Magikarp num rio próximo. E, por Deus, torcer para não encontrar um Rhydon pela frente quando estiver caminhando por aí.
Em entrevista exclusiva ao MundoHQ, concedida em agosto de 2020, Josh Dunlop conta um pouco sobre a própria formação, revela seu Pokémon favorito, fala sobre outros projetos com dinossauros – como o game Pangea – e os “Fakemon” que produz. O artista também conta como se surpreendeu quando sua primeira postagem com Pokémons ganhou 400 mil visualizações em uma única noite (atualmente ele tem mais de 200 mil seguidores só no Instagram) e lamenta a postura das pessoas que usam a arte dele, sem permissão, para alavancar os próprios negócios. Confira a entrevista a seguir:
Josh, primeiro fale um pouco sobre você, para que nossos leitores possam saber quem é a pessoa por trás do artista
Meu nome é Joshua Dunlop, tenho 32 anos e sou um Artista Conceitual freelancer morando em Londres, na Inglaterra. Sou noivo, mas ainda não tenho filhos. Originalmente estudei para ser um Ator/Diretor e cheguei a trabalhar neste ramo por um curto período. Porém eventualmente senti que queria uma mudança de rumo e decidi fazer meu mestrado em Arte Conceitual, na Teesside University, em Middleborough.
Quando você começou a trabalhar com arte e qual foi seu primeiro interesse na área?
Amo arte desde que eu era criança. Minha mãe ficava até preocupada porque eu ficava snetado no meio da sala, na frente da TV, rabiscando o tempo todo, cercado por lápis e papel. Originalmente era só um hobby, mas há seis estranhos anos eu decidi que queria tentar e mudar o rumo do meu trabalho. Fiz mestrado, que me ensinou uma série de ferramentas úteis, mas mais do que qualquer coisa eu tive um ano inteiro para me focar em arte. Só depois disso eu decidi usar 3D como parte de meu processo. Felizmente as pessoas realmente gostaram do meu trabalho e eu iniciei o projeto Pokemon Zoology, que rapidamente se tornou viral. O resto é história.
Você começou seu trabalho com dinossauros realistas (e pessoas) e isso se transformou em um projeto para game, certo? Como anda este projeto: já tem data para ser lançado?
De uma maneira fantástica, Pokemon Zoology deixou meu nome conhecido e atraiu milhares de pessoas para minha página, então fiquei nua situação única na qual muita gente pode ver minhas ideias. Sempre amei dinossauros, especialmente livros sobre eles como Dinotopia (de James Gurney, se você ainda não conhece, a arte é espetacular, vale a pena ler!) e sou um grande fã de jogos como Witcher 3. Apesar de ter visto alguns jogos que trazem dinossauros e humanos antes (Ark, Paraworld etc) eles sempre são muito estilizados e eu quis experimentar como ficaria um jogo num estilo full HD, semelhante às fantasias épicas que estão no mercado. Fiz um teste com um dinossauro usando uma sela e coloquei na minha página, e as pessoas aparentemente gostaram muito.
Logo depois o coronavírus veio com tudo e eu, assim como muitos artistas, sofreram com isso. Numa tentativa de gerar algo para as pessoas se focarem, eu me ofereci para fazer um “projeto comunitário” onde aristas, designers e outros pudessem se unir para criar um jogo “teórico” chamado Pangea: Beyond Extinction (Pangeia: além da extinção).
Decolou como um foguete e de repente eu me vi inundado por pedidos de pessoas querendo aderir ao servidor que preparei para o projeto. Então, um por um, apareceram designers, programadores e outros incrivelmente talentosos que me convenceram que juntos nós realmente podíamos construir um game. Foi muito empolgante. Então agora sou o Diretor de Criação de um time que tem mais de 30 artistas incríveis que estão, basicamente, dando vida ao jogo dos meus sonhos (rs). Estamos trabalhando há cerca de quadro meses e juntos fizemos um trabalho lindo, mas ainda está no começo e há muito a fazer, mas cara, é um projeto entusiasmante!
Você pode adiantar o roteiro do jogo?
Ainda estamos mantendo muito do projeto em segredo, mas basicamente é o jogo ocorre em um universo populado por criaturas pré-históricas onde os continentes nunca se separaram, cujo nome é uma homenagem a Pangeia, o supercontinente pré-histórico. Esse mundo é habitado por um número de civilizações humanas superpoderosas, que estamos batizando de Ancestrais, que criamos nos baseando em diversas culturas históricas. Cada uma tem diferentes aptidões e habilidades, que permite que elas sejam poderosos guerreiros e adestradores de dinossauros. O jogador poderá criar personagens únicos, explorar os ricos ambientes daquele mundo e descobrir uma gama enorme de fauna pré-histórica. É como “o que aconteceria se se Witcher 3 se encontrasse com Dinotopia.” Atualmente o jogo é para um só jogador rodar no PC, mas queremos adicionar elementos de multiplayer mais pra frente. Estamos construindo o game em Unreal Engine 4 do zero e já conseguimos criar muita coisa boa.
Mudando de assunto: por que Pokémon? De onde veio a ideia de transformar o anime/mangá/game em figuras realistas?
Bem, pouco depois de obter meu título de mestrado em arte, um amigo me encorajou a experimentar a criação em 3D, então eu passei uns meses intensamente aprimorando minhas aptidões no Zbrush até o ponto em que finalmente quis testar minhas recém-adquiridas habilidades em um projeto pessoal. Pokemon Go acabara de ser lançado e de cara obteve enorme popularidade, e isso me inspirou a trabalhar os starters originais da franquia (Bulbasaur, Charmander e Squirtle).
Primeiro eu só postei no meu facebook e um outro amigo sugeriu também colocar no Imgur (nota da redação: o Imgur é um servidor criado em 2009 considerado o “lar da hospedagem de imagens mais popular da internet)”” Eu não conhecia o site, mas pensei: “que se dane”, fiz o upload e fui pra cama. Na manhã seguinte um amigo me acordou às sete da manhã dizendo: “Suas fotos já estão com mais de 400 mil views”. Fiquei espantado! Rapidamente sites de todo o mundo pegaram as imagens e se tornou superviral. O consenso geral era “FAÇA MAIS” e assim nasceu Pokémon Zoology. A popularidade do projeto tem sido esmagadora e recentemente pasei dos 200 mil seguidores no Instagram, o que é espetacular.
Qual é o seu Pokémon favorito e qual é sua arte-Pokémon preferida?
Bem, meu Pokémon favorito só pode ser o Raichu. O design dele é muito legal e ele sempre foi tão ofuscado pelo Pikachu.
Afavorita das minhas criações é o Bulbassauro original, simplesmente porque foi o primeiro que criei. Provei pra mim mesmo que eu realmente poderia fazer aquilo e foi o começo de algo que mudou minha vida, por isso ele sempre vai ter um lugarzinho especial no meu coração.
No seu canal do Youtube sobre Pokemon Zoology fica claro que você pesquisa o visual de muitos animais reais para fazer seus Pokémon. Quanto tempo você leva para fazer um, contando pesquisa e o trabalho no computador?
Geralmente eu levo algumas horas pesquisando e juntando imagens de referência e fatos interessantes sobre os animais que quero usar no meu trabalho. Então faço uns esboços iniciais para experimentar algumas ideias antes de entrar no 3D. Em média, dependendo da complexidade, uma imagem pode levar de dois a três dias para ser feita, do começo ao fim.
Qual dos amigos de Pikachu foi o mais difícil de “transformar” em um animal realista?
Qualquer um com penas. Ha ha. É incrivelmente trabalhoso fazê-las realistas por causa do modo que a luz passa por elas e a colocação das penas é muito importante. Ainda é algo com o que luto bastante.
Você também desenha uns “Fakemon” muito legais. Acho até que a Nintendo devia pegar umas ideias contigo…já houve algum contato de alguém representando o jogo/mangá/anime pra trocar umas idéias com você?
Haha, obrigado. Bem, os Fakemon (é um termo comum na Internet) são bastante populares e algo com o qual me envolvi como criança, mas realmente nunca havia pensado muito depois de adulto. Então um dia eu redesenhei um Blastoise pra mostrar uma ideia que tive, as pessoas adoraram e pediram mais. Eu os acho relativamente fáceis de fazer se comparados com as versões realistas, então é relaxante desenhá-los. Em termos de estilo eu me inspiro nas primeiras gerações, que penso serem mais simples e naturais se comparadas a alguns designs que vieram depois. Eu quis voltar às raízes do Pokémon, quando muitos eram baseados em animais. Infelizmente ninguém da Pokemon Company se aproximou de mim ainda, mas vamos manter os dedos cruzados. Haha.
Você tem outros projetos além de Pokemon e Pangea? E, desculpe a indiscrição, mas esses dois são sua única fonte de renda? Sua arte é impressionante e torcemos para que consiga viver bem do que tira com ela.
Bem, eu tenho alguns projetos menores como os próprios Fakemon e outro de dinossauros chamado “Prehistorica”, que é basicamente um Jurassic Park. Também faço uma boa quantidade de frilas para jogos, TV e filmes (infelizmente não tenho permissão para falar sobr eles), mas meu trabalho pessoal é como as empresas me acham e me contratam, então é muito importante ara minha carreira. Além disso, vendo originais e outros no Etsy e tenho o suporte do meu Patreon (website onde as pessoas podem patrocinar individualmente o trabalho de artistas com contribuições diversas) que me ajuda mensalmente. Neste momento não há nenhum dinheiro envolvido no projeto Pangea, todos os envolvidos estão trabalhando, sem descanso, por amor.
Alguns trabalhos seus foram pegos por empresas sem o seu consentimento (e até sem nenhum crédito). Como você se sente quando isso ocorre e como faz para reverter esse tipo de situação?
Sim, essa é uma situação lamentável. Tive algumas disputas recentemente, primeiro com uma empresa da China que estava roubando e vendendo meu trabalho (felizmente, os sites que hospedavam a empresa a baniram) e na sequência com uma grande empresa usando meu trabalho sem me dar crédito. Eu sei que há muita discussão quando se fala sobre dar crédito, mas meu trabalho é meu meio de vida.
Como expliquei, como freelancer, muito do meu trabalho profissional se origina de empresas verem minha arte (onde quer que ela esteja) e seguirem um link para me encontrar. Se um site pega meu trabalho e dá crédito e link, isso é positivo. É uma propaganda gratuita e atrai mais atenção para minha página o que, se tudo der certo, vai terminar virando um trabalho ou um potencial comprador para um original. De qualquer forma, as coisas se equilibram.
Claro, há algumas pessoas nas mídias sociais que desconhecem a etiqueta artística e esquecem de creditar ou dar link. Geralmente, se você entra em contato e educadamente fala com eles, eles dizem “sem problema”, colocam o que faltou e, quem sabe, aprendem com isso. Meu problema, contudo, é com as grandes empresas que têm centenas de milhares de seguidores e postam artes alheias sem crédito. Eles têm noção da importância de dar o crédito e se recusam a fazê-lo. Nenhum artista deveria ser obrigado a correr atrás deste tipo de situação.
Infelizmente nestes casos, creditar depois não adianta, porque estamos em uma sociedade de alta demanda que, depois que algo é colocado no ar, raramente volta a ver aquilo. Se o engajamento inicial não tem um link, as pessoas curtem e seguem em frente. É incrivelmente raro que as pessoas tentem encontrar o autor da arte depois disso ter ocorrido. Ou seja, para artistas como eu, isso significa perder negócios. Numa escala pequena talvez não tenha um grande efeito, mas se estamos falando de uma companhia com seis sites diferentes em todo o planeta, cada um com pelo menos 200 mil seguidores, imagine como isso afeta o negócio de um artista.
É algo que ocorre muito mais do que deveria e eu quero chamar a atenção delas para isso, há muitas empresas usando o trabalho de artistas para promover seus próprios negócios sem compensar estes artistas. E se fazem isso, por lei, teriam que pagar royalties, mas as mídias sociais são uma área cinzenta. Apesar de eu não estar exigindo um pagamento daqueles que reusam meu trabalho (como disse, é publicidade gratuita, eu acho que o mínimo que eles poderiam fazer é dar crédito à fonte.
Última pergunta: algum projeto futuro no qual seus fãs devem ficar de olho?
No momento quase todo o meu tempo está focado em Pangea e Pokemon Zoology (há muito a fazer…haha). Mas está nos planos eventualmente lançar um Kickstarter (site da Internet que promove financiamento coletivo de projetos) para criar uma série de livros sobre Pokemon Zoology, então fiquem de olhos abertos! E por favor sigam as mídias sociais do Pangea para terem notícias sobre o progresso do game!
Links para conferir os trabalhos de Joshua Dunlop:
https://www.instagram.com/joshdunlopconceptartist/
https://www.patreon.com/JoshuaDunlop
https://www.artstation.com/joshuadunlop
https://www.facebook.com/JoshDunlopConceptArtist
https://www.facebook.com/pangeathegame
https://www.instagram.com/pangeathegame
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