Ziraldo de oito a oitenta: vou te dizer uma coisa, o que interessa mesmo no mundo é o afeto

 O escritor, artista plástico, humorista, dramaturgo e cartunista Ziraldo Alves Pinto, criador de obras infantis como Flicts, Menino Maluquinho e a Turma do Pererê, é homenageado no evento “Lá Fora Frio, Aqui a Mil!”, que o Sesc-Campinas realiza ao longo de julho de2012. Aos 80 anos, se diz encantado e surpreso com as homenagens que lhe são concedidas e demonstra grande estima e admiração pelas obras lançadas. Além disso, revela que está produzindo uma série de dez livros, ao ritmo de um por ano, como forma de se manter vivo e ativo.

Na fila de autógrafos, vi vários adultos que ainda se emocionam com sua obra 

Não é que eles ainda se emocionam. Todos pegaram essas histórias no momento em que estavam descobrindo o mundo. Se daqui há três anos aparecer um grande autor que faça uma obra maior ainda, não irá comover essas pessoas. Me lembro quando vi Monteiro Lobato numa palestra em Belo Horizonte. Eu era adolescente e fiquei muito comovido, não sabia se ia até ele ou não. Então eu sei o que esses meninos (a organização, que criou a sala de leitura temática) estão tratando como um ser que eles magnificaram na cabeça deles. Eu estava em Paris outro dia e um sujeito de uns 50 anos que sabia tudo de Pererê veio em minha direção e disse: “Ziraldo, eu não posso acreditar no que está acontecendo”. Ele ficou tão emocionado que caiu no pranto. Todo o menino que teve um lar organizado, que foi estimulado a ler e escrever, no Brasil, foi atingido pelo Menino Maluquinho.

O senhor citou Monteiro Lobato. Há outros autores que o cativaram?

O dia que eu conheci Millôr Fernandes foi inesquecível. Fui no Cruzeiro (revista extinta em 1975) levar meus desenhos, num sábado, e só tinham três pessoas lá. Uma delas era o Millôr, que estava paginando um livro que ele ia fazer. Cheguei na sala, olhei pra ele, o chamei e ele disse: “Ziraldo Alves Pinto, de Caratinga, Minas Gerais”. Eu tinha 17 anos e escrevia para ele, mandava desenhos. Quando ele me viu, pensou que só poderia ser aquele menino do interior de Minas. Vou te dizer uma coisa, o que interessa mesmo no mundo é o afeto.

 

 

Parte dos gibis estão sendo digitalizados, tornando-se mais interativos. O senhor concorda com essa mudança?

Antigamente você pegava um desenho e colocava no livro. Agora tem centenas de plataformas. Quer dizer, há mil maneiras de tratar a narrativa. Eu tenho que ficar muito calmo, porque não consigo acompanhar. Algumas histórias minhas ganharam outro formato, mas eu nem tomo conhecimento de como é, simplesmente continuo fazendo meus desenhos, as coisas que eu sei fazer.

 

Assim como a Turna da Mônica virou adolescente, o senhor tem a intenção de fazer o Menino Maluquinho crescer?

Não. Isso é coisa de Mauricio de Sousa. Não mexo com isso, não. É personagem, é literatura. A não ser que você esteja fazendo uma saga com capítulos, aí, dez histórias de um mesmo personagem eu faço em quadrinhos, mas aquilo não é coisa de autor. O Menino Maluquinho é um livro. Tudo isso que veio depois é por causa do fato dele ter tido um impacto literário importante. Ele é como se fosse um filho meu. Não vou mexer nele, não.

 

 

O senhor continua com rotina de trabalho intensa?

Eu trabalho sem parar.

 

Podemos esperar novos personagens, então?

Eu não sei. Estou fazendo essa série de Meninos do Espaço. Me propus a fazer dez livros, um por ano, e já estou no sexto. Na verdade, foi um golpe que eu me dei para não morrer. “Enquanto eu não terminar, não posso morrer”, pensei.

 

A morte é algo que o incomoda?

Não, não. Tanto que faltam quatro e eu vou me apressar para fazer tudo de uma vez. Mas não é para morrer, não. Descobri uma coisa recentemente. Eu não sabia qual era a relação do velho com a morte. Olhava os velhos e pensava: “coitado deles, como é que ele vive com essa tristeza?”. Não dá para o cara explicar. Você tem que viver. E, não muda nada minha relação com o mundo. Isso que achei fantástico. Você continua trabalhando como se fosse viver sempre.

 

Nem as ambições mudam?

Você não fica o tempo todo prestando atenção nas suas ambições? É evidente que tem uma porção de coisas que você gostava demais de fazer e agora nem liga. Não tenho a menor vontade de ir pra boate ver as moças, ficar lá no escuro fumando e elas dançando. Não faz falta pra mim. E se fizer para algum contemporâneo meu é porque ele não viveu bem.

 

O senhor fez 80 anos e declarou que sua maior frustração foi não ter sido um bom jogador de basquete. É verdade?

Eu gostava de fazer esporte. No futebol era ruim pra burro, mas o basquete você aprende a jogar. Pode não virar um craque, mas aprende. Futebol você não aprende. Qualquer idiota aprende a lutar MMA (artes marciais mistas). Agora, futebol não dá.

 

O senhor torce para que time?

Sou flamenguista há 70 anos. Sou o mais antigo torcedor do Flamengo que eu conheço. Comecei a torcer quando o Flamengo foi tricampeão em 41, 42 e 43. Tenho muita ligação com o time. Escrevi uma história em quadrinhos sobre o Flamengo.  

Outra grande paixão, se assim posso dizer, é a política.

Minha geração toda se comprometeu com o negócio da Ditadura (Militar, 1964-1985) e tem essa coisa de ter consciência do extraordinário País em que a gente vive.

 

Tem o desejo de assumir algum cargo?

Nem pensar. Eu trabalhei para Funarte (Fundação Nacional de Artes) e me arrependi amargamente.

 

 Por quê?

 O artista não é burocrata. Cada um com sua especialidade. Burocrata é burocrata. Quer colocar um médico no Ministério da Saúde? Besteira. Tem que colocar um bom administrador que faça um curso sobre as necessidades médicas. O médico pode ser consultor, mas nunca ministro. Porém, acho que você tem esse espaço todo que eu tenho para falar com as pessoas, num país onde está tudo por fazer, você não pode ficar jogando conversa fora.

 

(entrevista originalmente publicada em Papo C, do Caderno C do Correio Popular de 18 de julho de 2003. Reproduzida com autorização da Rede Anhanguera de Comunicação)

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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