Em meados dos anos de 1940, o governo americano – mais especificadamente o assessor de Washington para Assuntos da América Latina, Nelson Rockfeller – estava preocupado com o interesse crescente dos governos latino-americanos sobre o nazismo e o fascismo, e pediu a Walt Disney que fizesse uma viagem de “boa vizinhança” aos principais países do continente.
Disney e uma equipe de desenhistas vieram ao Brasil (no segundo semestre de 1941, com visitas a Manaus, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) e desta viagem surgiu o simpático “embaixador” Joe Carioca, ou melhor, José Carioca.
O personagem, cujas características principais eram arrumar comida grátis, evitar o trabalho, fugir de cobradores e conquistar garotas, fez sua estreia em alto estilo nas páginas dominicais dos jornais americanos, em outubro de 1942.
A página inicial mostrava uma panorâmica do Rio de Janeiro, fechando lentamente no barraco que era “a moradia de um jovem alegre e folgazão papagaio chamado José Carioca”.
O personagem durou dois anos nas páginas dominicais antes de ser substituído por outro latino de Disney, o galo Panchito.
Zé e Panchito, por sinal, contracenaram em dois desenhos animados com o Pato Donald – Saludos Amigos (1943) e The Three Cabaleros (1945).
Aliás, vale registrar uma curiosidade: o desenho Saludos Amigos estreou no Brasil antes da data oficial, em agosto de 1942, com o nome “Alô, Amigos”.
Ou seja, a estreia do papagaio em território nacional antecede os primeiros quadrinhos por alguns meses.
Com o fim da Segunda Guerra, José Carioca sumiu dos jornais americanos, mas em julho de 1950 a Editora Abril lançou no Brasil o número 1 do Pato Donald, trazendo na capa o personagem brasileiro. A Abril contratou desenhistas e roteiristas locais para criarem histórias do papagaio.
Mas quando o prazo apertado exigia mais HQs e não havia tempo para elaborar argumentos, Zé chegava a ser desenhado sobre o Mickey ou o Pato Donald em histórias menores estreladas por eles. Assim, muitas vezes ele contracenava com Chiquinho e Francisquinho, Pateta, ou mesmo Huguinho, Zezinho e Luizinho. E do nada estava em Patópolis e não mais no Rio de Janeiro…
Mas os quadrinistas brasileiros também criaram outros papagaios de sucesso, primos de Zé Carioca, que representam outros Estados e constantemente entram em cena com o personagem – Zé Paulista, Zé Jandaia, Zé Queijinho, Zé Pampeiro e Zé Baiano. Posteriormente (em 1992) surgiria ainda o Zé Pantaneiro.
Também aprimoraram o núcleo do Papagaio – personagens como o simpático Afonsinho e os cobradores da Anacozeca (Associação Nacional de Cobradores do Zé Carioca) são obra nacional. O Morcego Verde, alterego heroico do Zé, também é de autoria brasileira.
Nos anos de 1990 os estúdios da Abril reformularam o papagaio e sua turma para os tempos atuais, trocando o tradicional terno e chapéu de palha por camisetas, tênis e boné. O novo visual foi bem aceito, mas nem sempre é usado – mesmo porque grande parte das histórias de antigamente são reeditadas entre as novas HQs nas revistas.
Em abril de 2000, Zé Carioca protagonizou uma HQ excelente sobre a descoberta do Brasil, em homenagem aos 500 anos. Na revista, a história, feita com muito bom humor, é intercalada com relatos científicos e históricos sobre a descoberta do Brasil e a navegação portuguesa.
Em agosto de 2022, para comemorar seu aniversário de 80 anos do personagem, a editora Culturama lançou O Essencial do Zé Carioca, que reúne 14 histórias clássicas.
A edição é de capa dura e tem HQs de roteiristas e desenhistas que estão entre os melhores que trabalharam com o papagaio, entre os quais os brasileiros Waldyr Igayara de Souza (1934-2002), Renato Canini (1936-2013) e Ivan Saidenberg (1940-2009).
Enredo
Zé Carioca é um típico malandro brasileiro. Odeia trabalho, vive correndo de cobradores e mora em uma vila (em algumas versões, mais uma favela), a Vila Xurupita. O papagaio também sonha em ganhar na loteria (o que já ocorreu em uma das melhores séries já criadas pelos artistas nacionais, na revista O Zé Cutivo), não perde a chance de roubar uma jaca do vizinho e de filar uma boa feijoada e, principalmente, não pode ver um rabo-de-saia (para o azar da eterna prometida Rosinha Vaz).
Zé também se mete em encrencas como detetive, na sua agência Moleza (que não é exatamente um – argh – trabalho) e tem uma identidade secreta, a de Morcego Verde – inspirado pelo Morcego Vermelho, de Patópolis (por sua vez, uma alegoria bem-humorada ao herói Batman na pele do atrapalhado Peninha).
Nas histórias mais novas, o politicamente correto deu as caras e Zé é mostrado de maneira menos caricata, em especial menos malandro e vagabundo – ainda que com uma alta dose de cara-de-pau.
Personagens
Além do próprio Zé e dos primos regionais, aparecem no núcleo de Vila Xurupita, entre outros: Rosinha, a namorada, e o “sogrão” ricaço Rocha Vaz; Nestor, Pedrão e Afonsinho, os melhores amigos; os cobradores da Anacozeca (Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca); Zé Galo, o rival malandro e atrapalhado; Luís Carlos, outro rival no amor de Rosinha; Glória, rival de Rosinha no amor pelo Zé; Zico e Zeca, os sobrinhos travessos.
Curiosidade: José Carioca foi inspirado por desenho de um brasileiro?
O grande ilustrador brasileiro J. Carlos participou da escolha e da criação de um papagaio para o grupo de desenhistas de Walt Disney. Em um jantar com os americanos, o próprio Walt teria convidado J. Carlos para trabalhar nos EUA. O artista chegou a fazer um cartoon em cores, onde um papagaio de charuto na boca (vale lembrar, Zé Carioca aparecia fumando charuto nos primeiros números) fazia as malas observado por outros animais. Mas J. Carlos desistiu da viagem. Disney, no entanto, foi embora levando o papagaio na mala. E mandou de volta José Carioca.
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