Mais do que uma pergunta, a frase acima é o título de uma das melhores Histórias em Quadrinhos do Homem-de-Aço já escritas. Elaborada em 2001 por Joe Kelly, a HQ – que vai ser relançada no Brasil neste ano pela Panini Comics – coloca o Superman em confronto não com monstros ou supervilões, mas com um novo tipo de super-herói que começou a fazer sucesso no finalzinho dos anos de 1990 e início dos anos 2000: o herói violento, que chega a matar em nome do que acredita ser o bem maior.
Considerada a melhor daquele ano pela crítica especializada e pelos leitores, a HQ já foi publicada anteriormente no Brasil duas vezes, porém com o nome de “Olho por olho” em vez do título “atualizado”, mais próximo do original em inglês (What’s so Funny about Truth, Justice & the American Way?). A primeira delas foi na edição 8 da revista Superman, lançada pela Panini em 2003. Depois, em 2008, ela foi incluída no primeiro volume da Coleção DC 70 Anos, que trouxe as dez maiores histórias do Superman selecionadas pela editora estadunidense.
Quem não teve a oportunidade de conferir a aventura, porém, irá ganhar uma nova chance agora em 2025, já que a Panini irá lançar uma revista de 48 páginas contendo exclusivamente a HQ de Kelly (que tem desenhos de Doug Mahnke e Lee Bermejo) em agosto. E a pré-venda já está aberta no site da editora, por R$ 22,90.
Superman: o que há de errado com verdade, justiça e um futuro melhor? remete claramente a um grupo de heróis específico lançado pela editora Wildstorm, chamado The Authority. Com histórias que exploravam mais violência e sexo, a equipe composta por superseres impunha a própria Justiça a qualquer cidade, estado ou país, independentemente de leis vigentes ou governos de plantão. O título caiu no gosto do público e o sucesso editorial do “super-heroísmo radical” gerou grande debate na comunidade dos quadrinhos.
Se para salvar vidas o Authority tivesse que matar milhares de pessoas sem nenhum tipo de julgamento legal (e eventualmente houvesse algumas centenas vidas inocentes perdidas como efeito colateral), qual problema?
Para se ter uma ideia do estilo do grupo, em um dos arcos de histórias (Authority – Sem Perdão, lançado pela Devir no Brasil) a equipe simplesmente submerge toda a Itália de um mundo alternativo – Albion – dominado por uma raça guerreira e criminosa. E antes de retornar para a Terra “tradicional” transmite uma mensagem dizendo que seguirão aniquilando países inteiros se o que restou do planeta “não se comportar”.
Pouco depois os integrantes do grupo conversam sobre terem mudado um mundo para o jeito que achavam que as coisas deveriam ser e a líder do Authority, Jenny Sparks, conclui dando o tom das próximas histórias: “Já mudamos uma Terra, agora falta outra.”
Superman: o que há de errado com verdade, justiça e um futuro melhor? coloca em cena uma equipe batizada de Elite, que é descaradamente decalcada no Authority. Surgida basicamente do nada, ela é composta por quatro supers que começam a tratar a injustiça mundial de maneira radical.
Logo de cara interferem em um confronto entre forças da Líbia (na história, sob o comando do ditador “Khadafi”) e um imenso gorila dizimando os dois lados, causando a morte de mais de dois mil soldados e inúmeros civis.
Só que boa parte da população mundial (e alguns veículos de imprensa) aprovam a ação, em um pensamento resumido pelo repórter Jack Ryder ao colega Clark Kent: “O mundo está doente e moribundo, Kent. As pessoas querem alguém que dê um jeito nele, e não frases de efeito e paliativos.” Bem ao estilo Authority, a Elite inclusive divulga um “manifesto” ao planeta dizendo para ele “se comportar.”
Pouco depois, quando um grupo terrorista ataca Tóquio, diante de um Superman impotente o quarteto simplesmente chacina os malfeitores (bandido bom é bandido morto? hmmmmm). O “escoteirinho da América” até tenta dissuadir o líder da equipe, Manchester Black (que, assim como a Jenny Sparks do Authority, aparece fumando o tempo todo e usa como símbolo na camisa a bandeira inglesa, pra deixar a paródia ainda mais evidente).
Superman fornece bons argumentos e até “dá bons exemplos” práticos aos super-heróis radicais, mas em vão. Pouco antes de teleportar o Homem-de-Aço para um estacionamento e deixá-lo com cara de idiota, Black dá o recado: “A gente está livrando a Terra dos canalhas e todo mundo nos adora por causa disso (…) Cientistas malignos, bichos-papões, boiolas de colante querendo ‘governar o mundo’. De hoje em diante, eles são seus…e o resto é nosso. A gente faz o que é necessário.”
Boa parte da opinião pública continua apoiando as ações da Elite (para a tristeza crescente do Superman) e a tensão entre o azulão e o quarteto vai escalonando até um confronto inevitável. E imperdível, já que, mais que a luta violenta com adversários hiperpoderosos, a “briga” é também entre valores, entre o conceito do herói malvado e do herói bonzinho.
E por mais que o leitor já adivinhe quem vai vencer, a forma pela qual isso acontece é inusitada e empolgante. Sem dar grandes spoilers, basta dizer que – finalizado o confronto físico e filosófico transmitido em tempo real para todo o planeta – o mundo provavelmente deve ter suspirado aliviado por Superman não acreditar que heróis devam ser malvados.
Em tempo: ironicamente, fora dos gibis a editora Wildstorm – fundada em 1992 – acabaria sendo incorporada seis anos depois pela DC, que até hoje detém os direitos de todos os personagens. Aliás, uma das heroínas originais do Authority, chamada Angela Spica (codinome Engenheira) irá aparecer no filme Superman: Legacy, que tem estreia prevista para 10 de julho no Brasil.
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