Humor fuleiro: porquinhos de Pigz são fofinhos, mas bocas-sujas e raivosos

Logo na apresentação de Pigz – Porcos, Pérolas e Altos Fuzuês, o (bom) cartunista Eduardo Cardenas diz que o quadrinho “é   também uma celebração do mau humor, fuleiragem, instintos primitivos e do prazer insuperável – e, muitas vezes, inconfessável – de esculhambar o próximo.” Ele não podia estar sendo mais verdadeiro.

A turma liderada por Poe – criado originalmente em 2002 como “Potão” e repaginado na versão atual a partir de 2004 – se destaca logo de cara pelo traço fofinho do autor. Mas não se engane, não há nada de cuti cuti nas histórias reunidas na revista lançada pela Editora Universo Fantástico.

Pelo contrário, o protagonista bonitinho da HQ é extremamente agressivo, boa parte das piadas apela para a escatologia e a definição de dicionário do termo “fuleiragem” utilizado por Cardenas. Não tanto em relação a algo “fuleiro” ser “sem valor e de teor insignificante”, mas mais  em relação ao significado “Desprovido de requinte, de bom gosto.”

 

O humor de diversas histórias apela para palavrões, cuspidas, referências a fiofós, “doenças xexelentas”, ofensas diversas, sujeiras e algumas vísceras, e otras cositas más.  Poe e Afonsinho, em especial, também são extremamente verborrágicos nas falas, com balões lotados de texto, um excesso que por vezes faz perder o tempo da piada e torna a leitura cansativa.

Cabe aqui dizer que não há nenhum problema em quadrinhos que se utilizem de palavrões, escatologia e vísceras a torto e a direito. De Deadpool a The Boys, passando por basicamente qualquer coisa escrita por Garth Ennis ou pelo cartunista brasileiro Marcatti, não faltam exemplos de boas HQs que fazem isso. O problema é que Pigz força um pouco a mão neste sentido. Há (muitos) momentos em que a sensação do leitor é de que não precisava tanto.

Já quando o roteiro flui mais naturalmente, como na história “Mamãe não me amava nem amava esse porco!!”, o resultado é bom. Esta HQ de uma página ilustra claramente o mal humor de Poe (em contraste com a felicidade incondicional do jacaré Crockx), faz o leitor rir e as ofensas e impropérios ditos pelo porquinho se encaixam com perfeição ao roteiro.

Cardenas também tem ótimas sacadas, em especial em alguns cartuns de quadro único distribuídos pela revista. A paródia com o suíno a la Hellraiser recebendo um presente do Saci, por exemplo,  é inteligente e certeira. E, algo bem difícil no Brasil ultimamente (a criação desta arte é de 2019/2020), faz uma crítica política que fará sentido para leitores de qualquer espectro da polarização vivida no país – mesmo que cada um pense em candidatos diferentes, claro.

Outro ótimo exemplo de humor certeiro e ácido (e que com certeza deixará adeptos de algumas religiões de cabelo em pé) aparece em  “Transubstanciação2.0”. O mesmo ocorre em “Fucklore” e na história curta “Hélpis.” Detalhe, os quatro casos citados acertam o alvo com precisão, e todos têm texto enxuto e não há sequer um palavrão.

Ilustrador de mão cheia e morador de Aracaju (SE), Eduardo Cardenas trabalha com histórias em quadrinhos, educação à distância, publicidade, livros e cinema (concept art, figurinos, cenários e direção de arte). Pigz é a primeira publicação dele no gênero de humor que, conta o autor, foi produzida como alternativa ao terror, à ficção científica e à fantasia que são predominantes no trabalho dele.

Talvez justamente por ser a primeira coletânea, Cardenas ainda esteja acertando a mão. Fica claro que Pigz tem muito potencial, mas a fuleiragem ainda precisa de uma calibrada, bem como os roteiros de algumas histórias mais longas.

É torcer então que isso ocorra e a Editora Universo Fantástico (que por sinal surpreendeu trazendo o bárbaro Brakan e outras obras do mestre Mozart Couto de volta às bancas e livrarias) lance um segundo número em que os leitores possam acompanhar a evolução dos personagens.

A turma de Pigz

Poe – Um porquinho egocêntrico, pedante, que tem raiva do mundo e faz questão de deixar isso bem claro. Poe, na verdade, é apelido (ou sigla) de Pelúcio Ofélio Eberardo, nome verdadeiro do bichinho – que ele diz ser Power Of Evil.

Afonsinho – Outro porquinho com aparência fofinha e cabelo lambido, que não gosta de nada, nem dele mesmo.

Dark Angelo – único ser humano entre os protagonistas, tem cara de criança, mas segundo o   autor é “um arrombado com espírito de porco e afilhado de satanás” que ainda bebê “foi encontrado numa roça de maconha enrolado numa camisa do Ozsy” e criadopo “uma pug retriever com leishmaniose.”

Crockx – O jacaré da turma é aparentemente um contraponto ao mal humor do personagem principal, pois quase sempre aparece sorrindo e fazendo comentários positivos sobre a vida e as situações que vivencia.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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