O herói dos heróis: as semelhanças entre Superman e Jesus Cristo

Vira e mexe o assunto volta à tona: afinal de contas, existem pontos em comum entre a história do primeiro super-herói do planeta, o Superman, criado em 1938, com  o “herói dos heróis”, Jesus Cristo? A resposta é simples e objetiva: sim, vários.

É preciso lembrar que o personagem criado por Jerry Siegel e Joe Schuster sofreu uma série de mudanças ao longo de mais de oito décadas de existência. E algumas destas alterações e até mesmo a arte de diversas histórias, de maneira proposital, reforçaram as conexões entre o messias o Homem-de-Aço. Mas desde o início, conscientemente ou não, as semelhanças existiam, elas apenas foram aprofundadas com o passar do tempo.

No livro The Gospel According to the Greatest Super Hero, lançado em 2006, o escritor estadunidense Stephen Skelton enumerou uma série de semelhanças entre a história do Super-Homem e a de Jesus. Mais ainda afirmou que vários argumentistas da DC Comics basearam características do super-herói e de diversas aventuras estabelecendo propositalmente paralelos com Jesus.

Quatro anos antes de Skelton, o jornalista e professor Dario Carvalho Júnior já ressaltava as semelhanças na dissertação de Mestrado em Educação que na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): A Morte do Herói- Introdução ao estudo de sobrevivência de modelos míticos nas Histórias em Quadrinho.

“Na realidade, muitos estudiosos brasileiros e estrangeiros já notaram estas semelhanças. O brasileiro Sérgio Augusto já havia escrito um ensaio para a revista Cultura Vozes na década de 1970 sobre o fato, assim como o renomado Roger Sabin fala sobre isso no seu Comics, Comix & Graphic Novels, de 1996.  A novidade na minha dissertação foi verificar como a morte do herói o decalcou ainda mais sobre Jesus Cristo e como isso explica o porquê do Superman ter morrido…e ressuscitado”, diz Carvalho Júnior.

Na dissertação, o jornalista destaca que a morte do Super-Homem, ocorrida no início da década de 1990, foi utilizada como um recurso narrativo para aproximar o personagem mais uma vez da origem do herói épico: o Super-Homem faria sua ascensão ao divino. “Mais ainda, a morte seguida de uma ressurreição reafirma que ele é o maior dos heróis, possível de ser comparado apenas ao maior dos heróis registrados na história e único a ter ressuscitado: Jesus Cristo.”

Ele acrescenta: “A comparação não é gratuita, já que a própria gênese do herói pode ser facilmente identificada com a do Cristo. Ele veio do céu (a nave espacial o trouxe) e quando chegou uma estrela brilhou indicando o local onde o bebê estava (na verdade, o rastro de sua própria nave). Ao retratarem a cena em que o bebê é encontrado, os desenhistas constantemente mostram a criança em uma pequena cápsula facilmente identificável com a clássica cena da manjedoura, imortalizada em quadros e ilustrações de todas as épocas.

Seu nome verdadeiro, Kal El, tem origem ou som judaico (…). Em 1º  de maio de 1995 o jornal Jerusalem Post publicou estudo afirmando que o Super-Homem é uma figura tipicamente judia. Segundo o jornal, o nome do original do herói, Kal El, tem ‘som judeu’ e pode ser interpretado com o significado de “deus” em hebraico. Ainda de acordo com o estudo, a missão do herói – defender os mais fracos em uma eterna busca por Justiça – corresponde ao conceito religioso judeu do “Tikkun olan”, ou reparação das imperfeições do mundo. Por fim, o disfarce original do herói para se ‘vestir’ de Clark Kent (óculos e chapéu de feutro) seria também prova de origem judaica. Segundo declarações do então presidente da Fundação Norte-Americana pela Cultura Judia, Daniel Schifrin, “essas características são atribuídas normalmente aos judeus da Diáspora, sob os quais se esconde o combatente hebreu, portador de uma missão divina”.

Siegel e Shuster já haviam falecido quando foi publicado o estudo, mas a viúva de Siegel, Joanna Carter, afirmou que as “tendências judias” do personagem não foram intencionais, apesar de o marido ter ouvido hebraico durante a infância e “provavelmente ter sido influenciado de maneira inconsciente.”

A dissertação continua: “Os nomes do casal que encontrou o Super-Homem, declaradamente cristãos, dão mais uma pista bíblica: Jonathan e Martha. (…) Jonathan era filho de Saul e amigo de Davi. Martha era irmã de Lázaro e Maria, a amiga de Jesus (…)

Depois de crescido, Super-Homem é capaz de fazer verdadeiros milagres, mas trabalha sempre para o bem e usa sua força em prol da humanidade, para nos salvar. A morte do herói é ainda mais emblemática. O vilão que o mata é um monstro disforme, chamado Doomsday, que em inglês quer dizer “Dia do Juízo Final”, aquele previsto na Bíblia para o fim dos tempos.

Ao contrário do herói, o vilão surge das profundezas da terra, de onde desde antes do Inferno de Dante esperamos que venha nossa perdição. Por fim, Super-Homem morre para nos salvar – e, como um bom herói épico, para salvar o mundo do Caos –  e a cena da morte, da qual a ilustração é aqui reproduzida, remete de maneira icônica à escultura La Pietá, de Michelângelo, que mostra Jesus nos braços de Maria.

Alguns dias depois da morte, surgem rumores de que Super-Homem foi visto pelas mais diversas pessoas nos arredores de Metrópolis, sempre fazendo boas ações – salvando vítimas de estupro, assaltos, incêndios…

Lois Lane decide entrar no túmulo onde o Homem-de-Aço foi colocado: o local está vazio e resta nele apenas o lençol que envolvia o corpo (ou seria o santo sudário?).

Com efeito, ele ressuscita, mais uma vez para nos salvar. A origem épica do herói agora está agora reforçada e recontada, da mesma forma em que ele promove um afastamento de sua humanidade. Agora ele é, sem dúvida, o herói dos heróis, literalmente “à Sua imagem e semelhança.”

Como se vê, não se trata de uma coincidência nem de heresia, mas sim de uma espécie de homenagem e de uma ótima tática: se a ideia é convencer o leitor de que Superman é o grande campeão da verdade, o defensor dos fracos, aquele que tenta fazer um mundo mais justo, por que não decalca-lo – ainda que sutilmente e em pequenas doses – na imagem de quem já é famoso justamente por ter feito isso há dois mil anos?

Em tempo, já houve quem tentasse fazer o caminho reverso.  Em 2018, o pastor Scott Bayles, da Blooming Grove Christian Church (em Palmyra, Illinois), lançou o livro Jesus Cristo: o maior herói do mundo! Com uma ilustração de capa tendo Cristo voando como Superman, sendo observado por desenhos genéricos de heróis facilmente identificáveis como versões de – entre outros, Hulk e Flash –  o livro busca mostrar Jesus como uma espécie de super-herói.

O objetivo declarado é despertar o interesse do público do gênero, em especial o infantil, para o cristianismo:

“Seus filhos adoram SUPER-HERÓIS!? Você quer que eles conheçam e amem JESUS ​​também!? Em Jesus Cristo: o maior herói do mundo, o escritor e ilustrador Scott Bayles reimagina a maior história já contada como uma história em quadrinhos de 24 páginas, cheia de ação e em ritmo acelerado, que destaca a natureza super-heroica de Cristo.”

 

A Unicamp disponibiliza gratuitamente a íntegra da dissertação  A Morte do Herói (clique aqui para fazer o download)

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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