No segundo semestre de 2001, durante uma palestra sobre histórias em quadrinhos que fazia para professores de Campinas, no projeto Correio Escola, o jornalista Dario “Djota” Carvalho ouviu da coordenadora do programa, professora Cecília Pavani, a sugestão de se criar um personagem de quadrinhos que contasse o cotidiano escolar. Segundo Cecília, os professores do grupo passavam por situações engraçadas e caricatas, que poderiam muito bem serem quadrinizadas.
O jornalista manteve a ideia na cabeça, mas já pensando em uma fazer tirinhas mais amplas, que focassem tanto professores quanto alunos, serventes, diretores e o restante do universo escolar. DJota, que já havia lançado tiras satirizando as eleições de Campinas em 2000 (na série O Bosque das Campinas, onde os políticos apareciam como bichos), ficou matutando a idéia até dezembro daquele ano quando, após uma leitura inspiradora de Mafalda – do argentino Quino – vieram à cabeça as ideias para a primeira personagem da tira: Niquinha, uma garotinha contestadora, politizada e de muita personalidade.
“Conforme lia Mafalda, pensei: como seria a Mafalda nas salas de aula do Brasil da atualidade? A resposta veio na Niquinha, que também é inspirada em parte na minha irmã Danielle (cujo apelido é Nika) quando pequena, já que ela era terrivelmente questionadora e crítica com os professores e com o resto do mundo. O físico da Niquinha também é livremente inspirado na Dani: magrelinha, loirinha, olhos claros, nariz arrebitado.”
Os demais personagens foram surgindo misturando estereótipos e lembranças da sala de aula, tanto do autor como de sua família – a avó e a mãe de DJota eram professores, assim como pelo menos oito de suas tias e vários primos também abraçaram a árdua tarefa de lecionar. E o próprio DJota, além de ter sido aluno em várias instâncias, também foi professor de inglês e professor universitário: lecionou nove anos na PUC-Campinas, como titular de diversas disciplinas em Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas.
As tiras começaram a ser confeccionadas em dezembro de 2001, com os personagens feitos em um traço agradável e estilizado. “Os desenhos de Só Dando Gizada eram bem simples e bidimensionais, ainda que ‘bonitinhos’. Isso ocorria até mesmo porque eu tinha de fazer uma tira por dia e era apenas um dos meus muitos afazeres, não havia como ser altamente detalhista. Eu me consolava no fato que o próprio Bill Watterson (criador de Calvin) já dizia que um bom argumento sustenta melhor uma tira do que um bom desenho, assim eu procurava apostar no argumento e, sempre que possível, caprichar um pouco mais na arte”, diz.
Assim, com as primeiras 16 tiras prontas (e outras tantas boladas), DJota apresentou a turma no início de janeiro de 2002 à direção do jornal Correio Popular, que gostou dela e propôs que Só Dando Gizada fizesse sua estreia junto com a volta às aulas das primeiras escolas da cidade, em 28 de janeiro de 2002.
Ao todo, foram sete anos e meio e quase 2,6 mil tiras de Só Dando Gizada publicadas no Correio Popular, até o dia 18 de julho de 2009, quando o jornal publicou a última em papel. Por causa da crise econômica, o Correio cortou a publicação das tiras nacionais naquele ano. Menos de um mês depois, no entanto Cecília Pavani entrou em contato com o autor dizendo que inúmeros professores estavam pedindo a volta das tiras, não só simplesmente por gostarem delas como também porque as utilizavam em atividades em sala de aula, propostas pelo projeto Correio Escola.
Ela propôs, então, a volta diretamente no site do projeto e DJota concordou – Só Dando Gizada voltou a ser “publicada” em 16 de agosto daquele mesmo ano de 2009, às segundas, quartas, sextas, sábados e domingos.
Em março 2013, as tirinhas voltariam a ser publicadas diariamente no jornal Correio Popular, por cerca de mais dois anos. A última tira saiu no final de 2014, ano em que o autor entrou em “sabático.” “Na verdade, em janeiro de 2015 assumi o comando da Comunicação da Câmara Municipal de Campinas, com um volume de trabalho muito intenso, e não teria mais tempo para produzir tiras diárias. Então acabei abrindo mão de Só Dando Gizada indefinidamente”, conta.
Posteriormente, DJota colocaria as tiras em uma conta no Instagram com a ideia de disponibilizar todas, do começo ao fim e com insights de como foram produzidas (além de algumas inéditas). “É um projeto em andamento, porque leva bastante tempo para formatar as tiras pro insta e ainda relembrar e contar um pouco da história de cada uma. Então a atualização é devezemquandal, mas um dia espero conseguir colocar tudo lá”, diz.
Contando as duas fases no jornal impressos as tiras on line, além de uma página especial para a Revista Metrópole, foram mais de 3,2 mil tirinhas. Várias delas foram – e ainda são – utilizadas em apostilas de Português e até mesmo em questões de vestibular. A tira e o autor também foram homenageados em exposição temática na gibiteca de Campinas por ocasião do aniversário de dez anos de Só Dando Gizada, com trabalhos de vários artistas.
Também é importante notar que ao longo dos anos o traço dos personagens também foi mudando, ficando mais fofinho e ganhando detalhes, como o desenho das bocas, delineando melhor dentes e língua, que antes eram “chapados”. Também houve mudanças de colorização e, à medida em que o autor foi desenvolvendo o traço e aprimorando técnicas (inclusive com a ajuda de amigos como o cartunista Bora Dantas), os cenários também foram mudando e ganhando detalhes.
Enredo
Só Dando Gizada satiriza situações vividas dentro do ambiente escolar. A tira enfoca tanto situações aluno/professor quanto aquelas vividas só por alunos e só por professores. Também aparecem situações externas, nas quais o autor aproveita para criticar muitas vezes temas atuais, o que muitas vezes fez com que a tira ganhasse o rótulo de “chargística”.
A escola e a série(ano) que os personagens cursam são indefinidas, de modo a possibilitar uma gama maior de piadas. “Entre os alunos nenhum personagem passa ou repete de ano, porque a ideia é abordar desde situações vividas no primário até o colegial. Se alguém perguntasse qual a idade dos alunos, por exemplo, eu seria obrigado a dizer ‘entre oito e dezesseis anos’, ou seja, nada específico.”
É interessante notar que várias situações mostradas nas tiras ocorreram de verdade em sala de aula e foram transpostas para o quadrinho. O caso da prova de Educação Moral e Cívica e da sopa, por exemplo, é baseado em um fato real. Até porque DJota aceitava contribuições de histórias reais para a tira, dadas por professores e alunos.
Personagens principais
Niquinha – É a contestadora da turma, a mais politizada, estudiosa, alterna momentos de alto ceticismo com grande ingenuidade. Visualmente é inspirada no visual da irmã do meio do criador, Danielle, quando era menininha. Nos primeiros anos da série, as maria-chiquinhas da garota subiam e desciam dependendo da situação e do humor dela.
Bobrinha – Edivaldo Bobrinha é aquele sujeito que (adivinhe?) só fala abobrinhas. “Ele é mais ingênuo do que burro”, defende DJota. O nome “Bobrinha” e o visual do personagem, com cabelos lembrando um talo de abobrinha, foram feitos para que o leitor identificasse sua personalidade na hora. “Fiquei em dúvida quando aos cabelos verdes, mas como na época já tinha alunos na PUC que pintavam o cabelo de azul, de rosa, de roxo e por aí afora acabei achando que isso não tornaria o personagem irreal.” Quanto ao primeiro nome, Edivaldo, ele vem de um colega de quinta série que só falava besteira…
Doug – É aquele garoto que senta no fundão da classe e que sempre reclama que é acusado de ser culpado de tudo o que acontece de errado… e geralmente é mesmo. O nome veio do apelido de um aluno de Jornalismo de DJota, cujos cabelos às vezes também se assemelhavam com o personagem. Visualmente, porém, ele é a cara de outro personagem criado por DJota ainda na oitava série para satirizar um colega, o “Tuíca”. “É um personagem que criou vida própria e que cada vez conquista mais seu espaço na turma. Acho que isso acontece porque em toda classe tem sempre um Doug…”
Chica – É aquela menina que fala sem pensar, que é bem tosca, meio sem noção. Elatambém tem um lado “Dedé Santana”, fazendo escada pra outros persomnagens. O nome vem de uma aluna da madrinha de DJota, que inspirou uma das professoras da tira, a Dona Lena.
Kunta – É um garotinho negro que mistura em doses iguais o politicamente correto e o incorreto. O nome Kunta vem do personagem Kunta Kintê, do antigo seriado raízes. Ele também tem em sua alma um pouco dos Little Black Scrotos, do Angeli. DJota conta que gosta muito do cabelo do personagem, que permite algumas brincadeiras visuais que apareceram em diversas tiras.
Dona Lena – É aquela professora que adora dar aula, mas que não passa um dia sem sonhar com a aposentadoria, em especial depois de aguentar Bobrinha, Doug e companhia. Dona Lena é inspirada na falecida tia e madrinha de DJota, que tem o mesmo nome e parte da personalidade da personagem. Visualmente há algo dos personagens do Angeli no rosto dela, assim como um “quê” de Sargento Tainha, do recruta Zero.
Professora Zinha – É aquela professora que ninguém gostaria que existisse, mas infelizmente existe. Ela não tem condições psicológicas de dar aula, não tem didática e muitas vezes sequer sabe o conteúdo que deveria ministrar. Tem medo ou raiva dos alunos e entra em pânico quando tem de responder uma pergunta.
Mestre Herman – É aquele mestre paciente, consciencioso, carinhoso, o oposto da professora Zinha. Visualmente foi feito como velhinho por dois motivos: para passar uma certa experiência e porque é inspirado na avó do autor, dona Hermantina, que lecionou a vida toda. Mestre Herman constantemente é consultado por outros professores, o que faz crer que ele ocupa um cargo similar ao coordenador escolar.
Mr. Handsome – É o professor de inglês narcisista, cujo visual é meio Capitão Guapo (da Corrida Espacial) e meio Bond Boca (da propaganda do Cepacol…)
Seu Rolando – É o diretor da escola, que tem a ingrata tarefa de punir alunos indisciplinados (leia-se: Doug).
Curiosidade: tira iria se chamar “quadro negro”
Quando teve a idéia para a tira, DJota pensou em chamá-la de “Quadro Negro”, pois acreditava que o leitor imediatamente faria a referência com o ambiente escolar e, ao mesmo tempo, daria um duplo sentido em relação à situação em que se encontrava boa parte da Educação no Brasil. A idéia, porém, acabou sendo abandonada por diversos motivos:
– O autor achou que o nome puxava para uma situação mais triste, enquanto a tira, por mais crítica que seja, explora o bom-humor;
– O nome poderia ser interpretado como preconceito/racismo. DJota inclusive aproveitou esse fato mas tiras 14 e 15 da série, usando o personagem Kunta;
– O trocadilho “Só Dando Gizada” foi melhor aceito pelo público teste da tira, que o achou bem melhor que o anterior, eliminando de vez o antigo nome.
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