Snoopy (Peanuts)

Se o sucesso pode ser traduzido em números, o das tirinhas de Snoopy é incontestável. Em 2000, quando completou 50 anos, o beagle e sua turma tinham 355 milhões de tiras impressas em 2600 jornais de todo o mundo (traduzidas para 26 idiomas distintos), os desenhos animados eram assistidos por 6,6 milhões de crianças apenas no canal pago Nickelodeon, nos Estados Unidos, e o site de Snoopy recebia uma média de 2 milhões de visitas diárias.

Os números são impressionantes tanto quanto o fato de que o fenômeno Peanuts (o nome original da tira de Snoopy, “traduzido” em português por idéia do cartunista Ziraldo como “Minduim”) poderia nunca ter ocorrido não fosse a insistência do autor. Charlie Schulz criou em 1947, para o jornal St. Paul Pioneer Press, a tira “Lil’ Folks” (Gente Pequena), um protótipo da turma de Snoopy. A tira foi cancelada após dois anos, porque Shulz solicitou que a historinha fosse publicada diariamente – e acabou demitido por causa disso.

Determinado a vencer com sua obra, Shulz continuou trabalhando nas tiras e as enviava pelo correio para a distribuidora United Feature Syndicate, que a recusava sistematicamente.

Até que, no segundo semestre de 1950, após uma reunião pessoal com a diretoria do sindicato, a tira acabou sendo aprovada e, no dia 2 de outubro daquele ano, estreou em sete jornais. Com um detalhe curioso: o nome “Lil Folks” trocado para Peanuts, por imposição da empresa (Schulz detestou o nome).

A tira rapidamente se tornou uma coqueluche nos Estados Unidos e fora deles. Seguindo os quadrinhos, surgiram os inúmeros desenhos animados, peças de teatro (You are a Good Man, Charlie Brown, encenada na Broadway, ganhou dois prêmios Tony) e centenas de produtos de licensing, de camisetas e relógios a brinquedos e videogames.

Vale registrar ainda, em 2016, o excelente longa-metragem Snoopy & Charlie Brown – Peanuts, O Filme, produzido por computação gráfica. Um verdadeiro tributo à obra de Shulz, o filme traz elementos clássicos com um roteiro fluido e criativo, e ainda surpresas como a revelação do rosto da misteriosa menininha ruiva.

Snoopy ultrapassou até mesmo a fronteira do planeta: em 1969, os astronautas que pisaram na Lua pela primeira vez levaram na cápsula um desenho do beagle.

O sucesso do cãozinho e da turma de Charlie Brown se reflete claramente em cifras: em 1998, por exemplo, os produtos com a marca Snoopy renderam US$ 3 bilhões. No Brasil, onde naquele ano havia um total de 40 empresas comercializando 600 produtos da marca, o faturamento então foi de US$ 190 milhões.

ENREDO

As tiras dos Peanuts mostram o cotidiano de uma turminha capitaneada pelo garoto Charlie Brown, um eterno perdedor, e seu cachorro Snoopy (em português, Xereta). O beagle, por sinal, só apareceu nas tiras no final de 1950, como um filhote de cachorro adotado por Charlie – originalmente, Schulz pensou em batizá-lo de “Snuffy” e não Snoopy.

O detalhe que chama a atenção nas tiras – e que gerou uma série de teses acadêmicas, entre as quais uma do escritor Umberto Eco – é o fato de Schulz conseguir passar, por meio das crianças, discussões, problemas e até angústias dos adultos. As tiras são consideradas altamente filosóficas e, para alguns, chegam a ter uma “função terapêutica”. “Elas são o divã diário de milhares de crianças complexadas que cresceram”, analisava o especialista em quadrinhos Álvaro de Moya.

Além das cenas do dia a dia, Schulz também deu a Snoopy várias personas que aparecem nas tiras, como a do Ás Aviador, o Advogado e Joe Cool, além de alguns “primos” cachorros de outras partes dos EUA e do mundo. As discussões filosóficas que aparecem nas tiras também são complementadas pela presença de um passarinho estranho, o famoso Woodstock.

PESONAGENS

 SNOOPY – Um beagle extrovertido. É um perfeito conhecedor de tudo o que empreende e faz com devoção – em seus sonhos diurnos no alto de sua casa. Olha seu dono, Charlie Brown, como o “garoto de cabeça redonda” que lhe traz comida. Não tem medo de nada, embora seja prudentemente cauteloso com “o gato da vizinha”.

Nunca fala (pois seria uma característica extremamente humana), mas age de forma a transmitir tudo o que tem necessidade em expressões faciais e em balões de pensamento. Se pudesse escolher, a comida que Charlie Brown lhe traria sempre seria pizza de pimentão, refrescos e alguns biscoitos com pedaços de chocolate como sobremesa. Aparece como um “Show-Man”, com inteligência superior e imaginação viva, apresentando às vezes diferentes personalidades.

CHARLIE BROWN – O “bom e velho” Charlie Brown conquistou os corações do mundo com seu estilo perdedor. Sempre chove durante seu desfile, durante seu jogo de baseball e as coisas não dão certo em sua vida. Está sempre extremamente preocupado, queixando-se por ninharias. Embora esteja sempre preocupado com o verdadeiro sentido de sua vida, seus amigos (talvez por isso) o chamam de cabeça (grande e) dura.

Apesar de sua tendência em deixar-se abater, há algumas faíscas de sabedoria em seu repertório. Normalmente ele é alvo das brincadeiras, nunca aquele que prega a peça. Pode ser identificado a milhas de distância, com seu suéter com a linha colorida em zig-zag, cabeça baixa, mãos no bolso, em direção à barraca de psiquiatria de Lucy.

SALLY – A irmã mais nova de Charlie Brown, que se sentiu tão orgulhoso quando ela nasceu que distribuiu charutos de chocolate. Desde essa época ele vem tentando compreendê-la. Ela sempre procura o caminho mais fácil, principalmente na escola, onde sua visão sobre a vida se reflete muito nas frustrações e confusões por que passam as crianças.

Sua conversa é cheia de enigmas mal empregados. Desinibida e precoce, nutre uma paixão infantil por Linus, seu “Amado Senhor”. Ela pode não conquistar o coração de Linus, mas controla seu irmão mais velho com a ponta dos dedos, como marionete.

LINUS VAN PELT – Inspirou a expressão “cobertor de segurança”, com a sua pose clássica. É o intelectual da turma e deixa a todos os seus amigos perplexos com suas revelações e soluções filosóficas para os problemas. Sua irmã mais velha, Lucy, abusa dele.

Ele é um paradoxo; apesar da pouca idade vê a vida sob boa perspectiva, enquanto chupa o dedo polegar. Sabe o verdadeiro significado do Natal, embora continue a acreditar em Papai Noel. E tem um irmão mais novo que é a sua cara e, por isso, se chama Rerun (reprise).

LUCY VAN PELT – Mandona, rabugenta e egoísta. Seus sorrisos e razões dificilmente são genuínos. É sabichona, dá conselhos quer você os queira ou não, e para Charlie Brown esses conselhos são cobrados. É uma pessoa pedante, no verdadeiro sentido da palavra. É verdadeiramente mal humorada, com apenas uma ou duas fraquezas (entre elas uma paixão por Schroeder).

Segundo seu prisma, ela é quem importa. A falta de lógica em seus argumentos refletem uma espécie de disparate contundente. No que se refere a elogios, Lucy só gosta de recebê-los. Quando ela o faz, ou mesmo quando retribui com um sorriso, provavelmente está com má intenção.

SCHROEDER – Idolatra Beethoven, introduziu a música clássica nas histórias em quadrinhos dos Peanuts.

Reservado e normalmente tranquilo, Schroeder reage apenas quando Woodstock tenta fazer seu magnífico piano um “playground” ou quando Lucy se aproxima para fazer-lhe a corte.

 

PATTY PIMENTINHA – Uma verdadeira profissional na quadra de baseball, mas na escola está abaixo do insuficiente em tudo. Valente, impetuosa e traquinas, o que lhe falta em bom-senso lhe sobra em sinceridade. É a única pessoa que chama Charlie Brown de “Chuck”.

Desligada do que se passa à sua volta, por muito tempo ela nem reparou que o “garoto engraçado” que jogava baseball com a turma era um cachorro… Tem extrema dificuldade de se manter acordada na sala de aula.

MARCIE – A amiga leal e confidente de Patty. Desde o momento em que elas se encontraram pela primeira vez num acampamento de verão, Marcie a trata por “Sir” (Senhor), como forma de respeito e pela admiração que lhe tem. As poucas vezes em que têm um desentendimento, sempre é por causa de Charlie Brown, por quem Patty tem uma paixãozinha (e a quem chama carinhosamente de “velho cão matreiro”).

WOODSTOCK – O menor dos Peanuts tem grande presença para um pequeno pássaro. É um pouco desajeitado, seu voo e sua lógica são irregulares, porém tem habilidade para datilografar e tomar ditado, e normalmente é o companheiro de Snoopy para tudo. Embora seja alvo de muitas brincadeiras de Snoopy, é também seu amigo mais próximo e confidente.

Sendo um minúsculo pássaro, sente-se inseguro durante as comemorações do Dia de Ação de Graças e diante de grandes objetos em movimento. Woodstock fala a linguagem dos pássaros e tem um alfabeto exclusivamente constituído de pontos de exclamação, adequado para expressar suas emoções, aflições, frustrações e temperamento. Seus amigos de penas são Bill, Harriet, Olivier e Conrad.

 

Curiosidade: Charlie Brown é de verdade

Charlie Brown, aquele perdedor que nunca consegue chutar a bola de futebol americano segurada por Lucy nem tampouco se declarar à garotinha ruiva, existiu de verdade. Ele era um funcionário da escola de desenho onde Schulz trabalhou no final dos anos 40. Na escola havia ainda um professor chamado Linus e uma funcionária chamada Frieda, nomes que Schulz também decidiu usar em seus personagens.

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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