Muito mais que uma ‘mulher He-man’: direto dos anos 80, ela é She-Ra, a princesa do poder

O ano era 1985 e o desenho animado do personagem He-Man, da Filmation, era um sucesso absoluto. A empresa de brinquedos Mattel, detentora do personagem, então, teve uma ideia: por que não criar uma contraparte feminina do personagem? Afinal, se He-Man fora criado – com êxito – para vender action figures aos meninos, será que uma heroína superpoderosa não catapultaria também a comercialização de itens ao público feminino? E assim surgiu She-Ra, a Princesa do Poder (She-Ra, princess of power).

E sim, foi um sucesso, mas assim como ocorreu com o irmão gêmeo, não só para vender brinquedos. Exatamente com aconteceu com o desenho de He-Man, She-ha surpreendeu pela qualidade e conquistou fãs. A história da princesa Adora, raptada ainda bebê pelo tirano Hordak, rapidamente caiu no gosto de meninas, meninos, mães e pais ao redor do planeta.

 

O primeiro episódio (O segredo da espada mágica), na verdade um filme de quase uma hora e meia de duração, começava com a Feiticeira Zoar, de Etérnia, sonhando com um episódio do próprio passado, onde um estranho vilão fugia por um portal levando uma bebezinha. Alertada pelo sonho, ela chama o príncipe Adam (alter ego do herói He-Man) e dá a ele uma espada semelhante à que o herói empunhava, mas com uma joia no meio, e diz que ele deverá atravessar um portal mágico e usar a espada para encontrar alguém.

O portal leva o He-man a um outro planeta, Etéria, dominado pela Horda do Mal, um exército que maltrata, persegue e até escraviza os habitantes dos diversos reinos daquele universo. Adam rapidamente se envolve em encrenca ao proteger cidadãos em um bar local e, com a ajuda de um Arqueiro (que traz uma estranha coruja orelhuda nos ombros), derrota um trio de soldados. Ele é convidado, então, para integrar a Rebelião que luta contra o regime autoritário liderado por um tal Hordak.

Levado ao acampamento, Adam conhece a princesa Cintilante, líder do movimento rebelde, e pelo menos três personagens bem caricatos, pensados para garantir um suposto humor mais pastelão para a futura série: o anão (?) Skregg, a feiticeira Madame Rizzo e a, bem, a vassoura Vassourito.

Enquanto isso, do lado dos vilões, Hordak conversa com a tenente dele, a feiticeira Sombria, e alguns capangas no mesmo estilo dos vilões de He-Man: Felina (que se transforma em um puma), Scorpia (que tem rabo e garras de escorpião), Mantenna (com quatro pernas e olhos que lançam raios atordoantes) e Sangue-Suga (Leech).

Alertado sobre o estranho, Hordak manda chamar a capitã de sua guarda, Adora. No decorrer do desenho, é revelado que a moça, por meio de feitiços de Sombria, cresceu achando que deve fidelidade à Horda e se tornou uma grande soldada. Ela acaba enfrentando He-Man, que abre os olhos dela para quem a Horda realmente é e, quando o herói acaba aprisionado, ela é ‘chamada’ pela espada e, ao levantá-la e dizer “Pela Honra de Grayskull”, transforma-se na heroína She-Ra.

Outros heróis (como a rainha Angela) e vilões – como Pavoroso (Grizlor) e o estranho cara de porquinho voador de estimação de Hordak, Pingo (Imp) – também dão as caras neste episódio inicial.  Depois de ajudar a Rebelião numa primeira e importante vitória, Adam e Adora voltam para Etérnia pra que ela conheça seus pais, mas Hordak vai atrás, transformando-se num foguete (o vilão consegue transformar os braços em armas ou em si como um todo em determinadas máquinas).

No fim, os irmãos acabam se confrontando com Hordak e com Esqueleto (que, é revelado, era também um soldado da Horda, pupilo de Hordak).  No final da batalha, Esqueleto, ao ser derrotado por She-Ra solta a pérola: “Uma mulher He-man! Este é o dia mais infeliz da minha vida!” (“A female He-man! This is the worst day of my life”)

Adora, porém, resolve voltar para Eteria onde ajudará a Rebelião a se livrar em definitivo do julgo opressivo da Horda. E a partir daí irão se desenrolar os demais 92 capítulos das duas temporadas do desenho, sempre com a Princesa do Poder defendendo Etéria de Hordak e companhia.

Se de início She-Ra apareceu claramente associada a He-Man, após o primeiro episódio ela seguiria a carreira solo com os personagens do próprio desenho, mas nas aberturas sempre se apresentava como “irmã gêmea de He-Man”. Além da mesma proposta de uma heroína que vira guerreira por meio de uma espada (e de o fato de ninguém notar que a identidade secreta e o herói/heroína são as mesmas pessoas apesar de terem o mesmo rosto), dos vilões coloridos com poderes estranhos e do animal de estimação também transformado em super-ajudante  (no caso de She-Ra, o cavalo Espírito no unicórnio alado Ventania), o desenho também adotou a moral da história a cada final de episódio.

Se em He-Man, porém, era um dos personagens que resumia a lição do dia, em She-Ra isso ficava por conta do colorido Geninho (Loo-Kee). A criaturinha se escondia em alguma cena durante o episódio, numa espécie de brincadeira ao estilo “Onde está Wally”, e ao final do desenho primeiro fazia um joguinho com o espectador perguntando se o vira antes (e mostrando onde estava). Depois da brincadeira, deixava uma mensagem, em geral uma lição  – como sobre ajudar os outros ou não se discriminar as pessoas pela aparência , por exemplo.

Independentemente das similaridades, She-Ra também tinha vários aspectos próprios, a começar por seus poderes. Diferente do irmão sarado, que basicamente tinha superforça, ela também podia usar as mãos para curar e se comunicar telepaticamente com alguns animais. Além disso, a espada dela era muito mais legal: se transformava em escudo, laço, paraquedas, capacete e gancho.

Os personagens principais tinham corpos bem modelados, a exemplo de He-Man, e até certa sensualidade: pernas de fora, roupinhas coladas e eventuais decotes para os femininos e no muitos músculos para os masculinos. Em alguns casos, incompreensivelmente à mostra, ou alguém entendia por que o Arqueiro andava sem camisa, mas com uma capa amarrada às costas?

Não faltavam, porém, cenários mais fofinhos, animaizinhos e personagens feitos em estilo mais cômico e infantil. E sempre, sempre, muitas cores. No decorrer da série – no primeiro ano, eram cinco episódios inéditos por semana – She-Ra foi conhecendo outros reinos e ganhando novos aliados, como Perfuma, que dominava plantas e flores, o pirata Falcão do Mar, a rainha Mortella, a princesa das neves Gélida e a sereia Serena.

Aos poucos a personagem também foi desenvolvendo elementos próprios, como, por exemplo, o Castelo de Cristal. Construído no topo de uma montanha supostamente pelos colonizadores do planeta (os chamados “Primeiros”) o castelo não só fornece abrigo para a heroína como é também habitado por “Esperança da Luz”, o espírito destes antigos seres, que a ajuda e orienta em algumas missões.

É ele, por exemplo, que envia a heroína para um estranho relógio cuco gigante que controla o tempo de Etéria quando é preciso que um eclipse das luas do planeta termine logo, pois a ausência das luz delas está deixando sem forças a rainha Ângela e o reino de Lua Clara. She-Ra tem que combater os monstros que protegem o relógio e depois se pendurar no pêndulo (!!!) para balançá-lo mais forte e fazer o tempo ir mais rápido.

E sim, antes que alguém se pergunte, este é o mesmo Castelo de Cristal para o qual Xuxa foi convidada pra uma festa da pesada… o sucesso do desenho era tanto que a rainha dos baixinhos, em cujo programa o desenho era exibido nas manhãs da Rede Globo,  gravou uma música chamada “She-Ra”, cujo refrão inesquecível era:

“Por Grayskull, She-Ra, She-Ra
Me apresenta pro He-Man
Teu irmãozinho é uma gracinha
E eu sou todinha do bem

Por Grayskull, She-Ra
He-Man é um gato alto-astral
Desculpe se eu sou ousadinha
Beijinho-beijinho, tchau-tchau”

As aventuras de She-Ra embalavam os sonhos das meninas muito mais do que a música, e o sucesso da personagem crescia, bem como a venda de brinquedos. Com muitos personagens coloridos e uma maioria feminina, não faltavam bonecas com diferentes roupas e acessórios (e um muito desejado Ventania). He-man, cujo desenho já não era mais produzido, também continuou a fazer aparições esporádicas no desenho animado da irmã, assim como Esqueleto e o mago Gorpo.

De maneira geral, as aventuras seguiam sempre uma linha linear: um problema era colocado, os heróis lutavam contra ele, havia o momento em que tudo parecia que ia terminar mal, mas She-Ra salvava o dia.  Nem precisava mais do que isso. Com tanto sucesso, She-Ra também virou histórias em quadrinhos (no Brasil, lançadas pela editora Abril) e esteve em um dos dois filmes de He-Man estrelados por Dolph Lundgren, “A Espada Mágica”, de 1986.

Apesar de tanto êxito, foi justamente naquele ano de 1986 que o desenho chegou ao fim, com um total de 93 episódios exibidos em dois anos. Não se sabe exatamente porque o cancelamento ocorreu, mas há uma série de rumores a respeito, que vão desde uma suposta queda de vendas nos brinquedos (ou mesmo da repetição dos desenhos já criados ser suficiente para vendê-los) até à compra da Filmation pela L´Oreal, que teria encerrado o projeto.

Em novembro de 2018, a Netflix lançou um reboot de She-Ra (She-Ra and the princesses of power), com traço bem diferente da original. Foram 52 episódios deste desenho, muito bem elaborado, no qual a heroína é uma adolescente e o traço é bem diferente daquele dos anos de 1980.

Na época, a Netflix chegou a disponibilizar também o a primeira temporada do desenho original  de She-Ra, com a dublagem da época em português ou em inglês, mas aparentemente o serviço de streaming retirou a opção do catálogo posteriormente.  Contudo, alguns desenhos originais podem ser encontrados espalhados em sites de Internet e no Youtube.

 

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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