Vivendo a História
Alunos do colégio Sagrado Coração de Jesus usam jogos de interpretação (RPGs) para aprender e melhorar desempenho escolar
Alunos do colégio Sagrado Coração de Jesus, de Campinas, estão confinados em um gueto da Varsóvia, lutando contra forças nazistas. Uma tarefa difícil, mas eles têm experiência suficiente para se saírem bem. Afinal, entre outras coisas, eles já sobreviveram a batalhas na Guerra de Canudos e até à escravidão na Roma Antiga. Não, os alunos do Sagrado Coração de Jesus não descobriram nenhuma máquina do tempo. Ou melhor, descobriram a melhor de todas elas, a imaginação, que os leva aos cenários mais diferentes em um projeto pioneiro que a escola está desenvolvendo há um ano: o uso de RPGs em sala de aula.
Sob a coordenação da professora de História Vivien Morgato, ela mesma uma apaixonada pelos chamados jogos de interpretação, os estudantes de quarta, sexta e sétima série estão descobrindo os benefícios de um jogo que cada vez mais é apontado por professores e educadores como uma excelente ferramenta na Educação. O RPG (abreviação de Roleplaying Game, ou "jogo de interpretação") surgiu nos EUA, na década de 70, e é um jogo um tanto diferente, já que seu propósito não é necessariamente "ganhar"uma partida. O RPG é, na verdade, uma espécie de processo narrativo coletivo, onde uma pessoa – chamada mestre ou narrador – conta uma história e cada um dos ouvintes representa um personagem.
Assim, a cada situação descrita, os "heróis"do jogo dizem o que fariam, interferindo no desenvolvimento da história. Muitas vezes, para saber se o personagem teve êxito no que se propôs a fazer, o narrador joga dados. Em outras, nem isso, vale o bom-senso e o contexto da narração. Boa parte dos jogadores de RPG joga partidas cujos temas remetem às origens do jogo, que têm cenários aventuras repletas de magos, guerreiros, paladinos, dragões e dezenas de criaturas mágicas oriundas, em especial, de mundos como a Terra Média, criada pelo escritor J.R.R. Tolkien (O Senhor dos Anéis). Os jogos desenvolvidos no Coração de Jesus, porém, têm como cenários fatos históricos do Brasil e do mundo – o mesmo ocorre em dezenas de outras escolas que usam o RPG como ferramenta didática.
E a disciplina de História, afirmam todos os professores que conhecem o jogo, não é a única beneficiada. "Quando proponho uma partida para um grupo de alunos, a História é o ponto de partida e o tema central, mas ele usa Língua Portuguesa quando elabora a história da partida, quando argumenta, quando cria. Utiliza geografia para se localizar, para compreender alguns problemas e elaborar estratégias. Utiliza Matemática em função da lógica e de cálculos com os valores de suas habilidades. Utiliza Literatura como enriquecimento de seus personagens. Caso seu personagem tenha conhecimentos de Medicina, pode utilizar Biologia ou Química", diz a professora Vivien, que teve seu primeiro contato com o RPG quando fazia sua graduação, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ela ressalta que o jogo também faz os estudantes se interessarem mais por leituras relacionadas aos temas propostos e desenvolve ainda outras qualidades dos alunos. "O aluno deve utilizar a ética, pois erá de tomar decisões na partida que afetam todo o grupo. Terá de pesquisar, pois irá perceber que quanto mais souber sobre um período, melhor jogará. Irá desenvolver vínculos de solidariedade, visto que para atingir um objetivo, deve trabalhar em equipe. Evidentemente, este tipo de atividade torna o aluno mais autônomo, mais independente, e a aula mais prazerosa e divertida", diz.
Alunos e pais
O uso do RPG em sala foi aprovado pela direção da escola e pelos pais, que inclusive afirmam terem notado melhorias no desenvolvimento de seus filhos. Os que mais gostaram da "novidade’, no entanto, foram os próprios alunos envolvidos. "É um modo diferente e emocionante de aprender História, você conhece pessoas diferentes e sempre aprende algo que irá te ajudar de alguma forma na vida", diz Daniela Holleben, de 14 anos. Ela está na sétima série e conheceu o jogo na escola. "Minha criatividade aumentou muito desde que comecei a jogar RPG. Acredito que o jogo me ajudou e ajuda a desenvolver o raciocínio de diversas áreas e várias formas", diz.
Patrícia Yuko Sakata, de 13 anos e também na sétima série, constatou melhorias efetivas nas próprias notas graças ao RPG. "Minhas notas em História aumentaram. Por causa do RPG tenho que pesquisar muito e ter material o suficiente para a história poder rolar legal. E também o fato de ter mais criatividade ajuda em muitos trabalhos, principalmente na produção de textos em português, que até no ano passado eu era péssima e agora estou cada vez melhor", afirma.
Aluno da sexta série, Felipe Barroso, de 13 anos, também adora o jogo. Ao contrário das colegas, porém, brinca de RPG desde os sete anos de idade, mesmo período em que começou a freqüentar a escola. Por este motivo, Felipe diz não conseguir avaliar se o RPG melhora seu desempenho pessoal na escola, mas acredita que o jogo possibilita que qualquer pessoa desenvolva melhor suas habilidades em sala de aula. "Jogando RPG estamos estimulando a criatividade e o raciocínio. Isto pode levar o aluno a apresentar idéias no estudo mais criativas, melhorando o seu desempenho."
Comentar