Magneto Testamento: os verdadeiros vilões

Mundo HQ

 

 

Os horrores da segunda guerra mundial já foram amplamente retratados nos quadrinhos, tendo como maiores expoentes o excelente Maus (de Art Spiegelman) e o maravilhoso Gen Pés Descalços (Keiji Nakazawa), ambos obras de jornalismo em HQ e de caráter biográfico.  Mas no campo da ficção ótimas histórias também foram produzidas e uma delas é Magneto Testamento, lançada no Brasil em julho de 2010. Aliás, ficção em termos, já que, apesar de Magneto não existir de verdade, fatos históricos envolvendo em o holocausto foram retratados com exatidão.

 

Outras histórias (e o primeiro filme dos X-Men) já haviam retratado a infância/juventude do mutante sob o domínio nazista e como sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Esta, porém, se aprofunda no tema. A bem da verdade, os poderes mutantes do futuro vilão são meramente insinuados em algumas partes da HQ, até porque não estavam desenvolvidos. Já os aspectos psicológicos do personagem, estes sim estão ali. Crescendo em meio à intolerância, à perseguição e à morte (muitas mortes), o espírito de Magneto é forjado em dor, revolta e, inúmeras vezes, impotência.

 

 

A HQ – com arte de Carmine Di Giandomenico – começa mostrando o jovem Max Eisenhardt (nome verdadeiro do vilão, que depois se rebatizaria como  Eric Lehnsherr), um garoto de família judia crescendo em meio ao também crescente nazismo. Inteligente e dotado de qualidades que usa para chamar atenção da menina cigana Magda, por quem está apaixonado, o garoto logo começa a sofrer na pele o preconceito e a agressividade dos adeptos de Hitler – até porque, como pontua um professor também judeu a ele, um prego saliente recebe pancadas até afundar. E o garoto não tarda a aprender que a metáfora é tristemente realista.

 

 

Com a ascensão do regime nazista, o jovem Max aos poucos vê seu mundo ser tomado de si e daqueles que ama, e usa toda sua sagacidade e força de vontade para sobreviver.  Após perder pais e irmã, fuzilados pelos nazistas, o garoto acaba em Auschwitz e se torna um Sonderkommando – a unidade composta inteiramente por judeus que, ameaçados de morte pelos soldados, eram forçados a ajudar os nazistas a se livrar dos restos mortais das vítimas das câmaras de gás e outras atrocidades cometidas. A cena em que o jovem Max se depara com os milhares de pares de óculos dos mortos ou a que testemunha mulheres e meninas entrarem nas câmaras enganadas pelos oficiais alemães são impactantes, ainda mais ao se saber que são baseadas em fatos reais.

 

 

Por sinal, a pesquisa realizada pelo roteirista Greg Pak é minuciosa e entremeia toda a HQ com relatos cronológicos do holocausto – e abordam também a situação dos ciganos (Romani), já que a namorada de Max é uma deles e o rapaz fará de tudo para não perder a única pessoa viva que ainda ama.

 

 

Saindo da história com H maiúsculo, há quem tenha questionado o argumento de Magneto Testamento. A pergunta feita pelos críticos: como um garoto que sofreu tanto e testemunhou o extermínio de inúmeros judeus pode ter ele mesmo – uma vez transformado no vilão terrorista Magneto – pregado e agido para extinguir uma raça? No caso, a dos humanos (homo sapiens) para que os mutantes (homo superior) reinassem supremos. Até porque o título "Testamento" se refere ao fato de Magneto registrar tudo o que se passa para que, caso morra, as gerações futuras conheçam o horror sofrido por ele.

 

Mas o próprio Magneto já explicou isso em várias outras HQs, em geral na linha “esta é a linguagem que eles entendem”, com variações que chegaram ao “já tentei todas as outras opções antes” e “dose do próprio remédio”. Um bom psicólogo, porém, talvez observasse que uma criança que sofre abuso é justamente a maior candidata a perpetuar abusos contra outras crianças quando se torna adulta…

 

 

Felizmente, Magneto só existe nos quadrinhos, mas os campos de concentração e os crimes cometidos pelos nazistas foram reais e eis aí mais uma razão para se ler Magneto Testamento: lembrar de que há vilões de verdade e manter em mente até que ponto pode chegar a monstruosidade humana, e assim para fazer o possível para que ela nunca mais volte a ocorrer.

 

Em tempo: a HQ brasileira – da editora Panini, 128 páginas, R$ 22,90 e ainda à venda via Internet – traz como bônus cinco páginas com a biografia de Dina Babbitt, artista judia que sobreviveu aos campos de concentração pintando retratos de ciganos para o anjo da morte Josef Mengele (e prolongou a vida de diversos deles no processo). Uma história que vale a pena ser conhecida.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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