Lanterna Verde é out. O must agora é ser Lanterna, digamos, arco-íris. Na reformulação dos heróis da DC – a macrossérie “Novos 52”, iniciada no ano passado nos Estados Unidos e que no Brasil começou neste mês de junho 2012 – os roteiristas da editora resolveram mudar a orientação sexual do herói clássico, criado em 1940 pelo desenhista Martin Nodell. A justificativa oficial é que, antes da reformulação, Scott tinha um casal de filhos gêmeos (Jade e Todd Rice) e o garoto – que também era super-herói usando o nome de Obsidian ou, em português, Manto Negro – era homossexual. Como após o reboot Scott não tem mais filhos e aparentemente transformar o herói em gay seria uma forma de manter o equilíbrio cósmico em virtude da inexistência do herdeiro…
Justificativas à parte, o fato deu pano pra manga. A mudança foi noticiada por boa parte da mídia mundial – com direito a divulgação do beijo de Alan e um namorado – e causou impacto sobre opinião pública em diversos países. No Brasil o programa Fantástico fez uma mini-matéria em sua edição do dia 3 de junho fez uma matéria sensacionalista e ridícula, dizendo que “as máscaras estão caindo” e mostrando outro Lanterna Verde, Hal Jordan, como o “herói que saiu do armário”.
O equívoco do domingo foi o suficiente para que diversos veículos propagassem a notícia errada nos dias seguintes. Pior ainda, em vários programas de rádio AM e FM houve até debate sobre o tema e a maioria deles elevou a ignorância ao quadrado: além de achar que Jordan saiu do armário, fizeram inúmeras piadinhas de gosto duvidoso e criticaram a suposta “opção” do personagem como se homossexualidade fosse um defeito de caráter, em uma demonstração lamentável e preocupante de homofobia.
Em primeiro lugar, é preciso desfazer a confusão anti-jornalística do Fantástico: Alan Scott, o Lanterna que nesta releitura da DC é gay, não tem nada a ver com Hal Jordan, o herói do filme cujas imagens foram usadas pelo programa da Globo.
O loiro Scott é um sujeito que se tornou o primeiro Lanterna Verde quando achou uma lanterna mágica feita com um meteoro que caiu na China. A lanterna possuía poderes mágicos que podiam ser utilizados por quem a possuísse, mas que não funcionava em madeira. O personagem foi cancelado em 1949 e uma década depois veio Hal Jordan (o do filme, de cabelos castanhos), depois o negro Jon Stewart (em 1968), Guy Gardner nos anos 80 e Kyle Rayner nos 90 – sim, Fantástico, existem VÁRIOS Lanternas (clique aqui para saber tudo sobre os personagens).
Em segundo lugar, seriam normais críticas contra a mudança de um personagem clássico e até mesmo acusações de que isso foi feito só para vender mais gibis (alguém duvida?). Mas gracinhas e xingamentos por alguém ser gay é estupidez pura, tão grande quando criticar alguém por ser heterossexual ou pertencer a uma religião qualquer.
Encerrado esse triste capítulo, vale lembrar que Alan Scott não é nem de longe o primeiro herói gay dos quadrinhos. A própria DC Comics tem e teve diversos outros personagens homossexuais ao longo dos tempos. Em comum, o fato de todos serem secundários, como a detetive de Gotham City (e agora heroína Questão) Renée Montoya, a estranha Batwoman, a policial amiga do Superman Meggie Sawyer, o vilão Flautista – das HQs do Flash – e o já citado filho de Alan Scott, Manto Negro (imagem abaixo).
O próprio Lanterna Alan Scott não deixa de ser um secundário, mas muito mais famoso, significativo e conhecido que todos os demais – razão pela qual o fato tenha ganho tanto destaque. A DC tem deixado claro que seus heróis não carregam nenhuma bandeira, ser gay ou não é apenas mais um item que compõe as características particulares de cada um. Por que não, então, um super de primeira linha homossexual?
Nunca é demais lembrar que nos anos 50 um certo Frederick Wertham lançou o livro “A Sedução do Inocente”, no qual dizia que quadrinhos eram responsáveis por desvios de conduta, que levavam ao crime e ao… homossexualismo. Foi Wertham quem afirmou que Batman e Robin eram gays, lenda que se perpetua até hoje, mas na época isso não causou risadas e sim uma reação exacerbada da sociedade. Os gibis foram literalmente para a fogueira e surgiu a censura, disfarçada em um “código de ética dos quadrinhos”.
É fato que se na época a homofobia e a ignorância eram bem maiores, mas o episódio ainda deve causar arrepios à editora e as reações após a matéria do Fantástico deixam claro que os tempos ainda não são tão liberais quanto se espera em boa parte do mundo. Portanto, ter transformado o clássico Alan Scott em gay pode não ter sido um grande passo para a humanidade, mas com certeza foi um gigantesco passo para a DC.
(publicado em 7/6/2012)
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