Hiketeia

Mundo HQ

Fetiche ? Maravilha !!!

É difícil olhar a capa de Hiketeia, a mais recente aventura-solo da Mulher Maravilha lançada no Brasil, e não relacionar a cena da heroína pisando em Batman usando suas botas de couro vermelho com algo sexual, um fetiche, uma fantasia de dominação. E seria ingenuidade pensar que a dupla J.G. Jones (arte) e Greg Rucka (argumento) não levou o duplo sentido (ou triplo, quem sabe?) em consideração ao produzir a cena, afinal, em se tratando de Mulher Maravilha, o pano de fundo erótico está presente na personagem desde sua criação, em 1942.

William M. Marston, criador da princesa Diana das Amazonas (vulgarmente conhecida por Mulher Maravila, ainda que tenha feito sua estréia no Brasil sob o pseudônimo de "Miss América"), era psicólogo por profissão e, em entrevistas concedidas antes de sua morte, em 47, admitiu repetidas vezes ter usado nas histórias da heroína elementos fetichistas. Desde sua origem, Mulher Maravilha amarrava os homens com seu laço e, sempre que possível, o autor adicionava à fórmula correntes e algemas. O "sexual bonding", portanto, estava ali, disfarçado, para quem quisesse e soubesse enxergá-lo.

A princesa amazona também sempre desfilou em trajes sumários e, na década de 90 e neste início do século 21, teve suas formas exageradas por diversos artistas, em especial pelo brasileiro Mike Deodato. O artista colocou "tanto silicone" na heroína que é comum encontrar fã-clubes "da Mulher Maravilha de Mike Deodato".

Assim sendo, nada mais lógico que ressaltar atributos e fantasias nas histórias da personagem. No entanto, quem comprar Hiketeia (R$ 7,50, formato americano, 96 páginas) achando que vai ver mais que uma sugestão de sexualidade irá se decepcionar. Mais uma vez, os autores deixam um certo erotismo mal-feito apenas como pano de fundo, um algo mais subliminar que nada interfere ou tem a ver com a história.

O argumento de Greg Rucka segue outra linha criada pelos contratados da DC Comics nos anos 90 com o objetivo de atrair mais leitores: misturar hábitos e mitos gregos a histórias modernas de super-herói. Assim, a Mulher Maravilha é surpreendida por uma assassina confessa que a procura e a força a aceitar o ritual de Hiketeia, pelo qual uma pessoa se oferece como serva a outra pelo resto da vida, em troca de proteção.

A situação se complica porque Batman está atrás da criminosa. Já o argumento se complica porque Rucka insiste em misturar na história a figura mitológica das temidas Fúrias, as três que são uma, as deusas da vingança. Acontece que a ação das três mulheres – que geralmente vingam crimes de sangue – fica meio perdida na história. Além disso, o fato de Diana aceitar proteger uma criminosa confessa que agiu de acordo com princípios de três mil anos atrás, por causa de um juramento arcaíco, não é nada convincente. Assim como não é convincente a luta da Mulher Maravilha com o Homem-Morcego.

Se bem que o desfecho da luta, como o leitor acaba percebendo, é planejado desde o início por Batman, que propositadamente cai aos pés da heroína (será que ele gostou?). Quanto ao final da história, bem, como toda história grega que se preze é preciso haver uma tragédia. Mas em Hiketeia, a tragédia maior provavelmente é um argumento mal amarrado que faz com que o leitor curta a HQ apenas pela arte. E, quem sabe, também por causa de botas vermelhas de couro e um uniforme apertadinho.

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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