Cartunista Glauco é assassinado em casa junto com o filho de 25 anos

Mundo HQ

“O dia fechou com o desaparecimento do Glauco. Não há palavras para justificar, explicar, entender… “ Maurício de Sousa

 

 

"A primeira pessoa que recebeu ele em São Paulo fui eu. Ele dormiu na minha casa, comeu da minha comida, paquerou a minha mulher (risos), ele teve uma participação intensa na minha vida. Perdi uma boa parte da minha história com a morte do Glauco", Angeli.
 
Em um crime bárbaro que chocou o país, o cartunista Glauco Villas Boas, criador de personagens como Geraldão e Dona Marta, foi  assassinado na madrugada deste dia 12 de março de 2010, em Osasco. Glauco levou quatro tiros à queima roupa e o filho do cartunista, Raoni, de 25 anos, também foi morto – o autor do duplo homicídio foi o estudante Carlos Eduardo "Cadu" Sundfeld Nunes, de 24 anos.
Inicialmente surgiram duas versões para os assassinatos. A primeira delas foi apresentada pelo advogado da família, Ricardo Handro, dando conta que o cartunista estava em sua casa quando houve uma tentativa de assalto e sequestro, que teria terminado com a morte de Glauco e Raoni e a fuga dos bandidos.
A segunda versão  dizia que o assassino era um conhecido da família, que já estava dentro da casa no início da madrugada e teria tentado se matar. Glauco e Raoni, na tentativa de impedir o suicídio, acabaram sendo mortos.
Dois dias depois do hoícídio, porém, a viúva de Glauco, Beatriz, deu seu testemunho. Ela revelou que Nunes havia procurado a Igreja Céu de Maria (fundada por Glauco) dizendo querer se livrar das drogas, mas seis meses antes simplesmente sumira da comunidade. Na madrugada do dia 12, ele chegou na casa do cartunista e rendeu a enteada dele, Juliana, forçando sua entrada na casa. Glauco e Beatriz ouviram barulho e depararam-se com o rapaz, já armado e dentro da residência.
Visivelmente alterado, Nunes chegou a agredir as mulheres e o próprio Glauco levou uma coronhada no rosto ao tentar conversar com ele. O criminoso dizia ser "o todo poderoso" e queria levar a família até a mãe dele, para que confirmassem a ela o que Nunes estava dizendo.
Beatriz disse ainda que Glauco foi obrigado por Nunes a pegar as balas da arma do assassino do chão e entregá-las para que ele recarregasse a arma do crime, e que toda a ação foi testemunhada pelo cúmplice do rapaz, Felipe Iasi, que levou Nunes em seu carro ao local e ficou sentado no sofá observando tudo sem demonstrar qualquer reação. "Cheguei a implorar para que ele interferisse, mas ele só sorria."
Glauco teria tentado negociar com o Nunes e foi levado para fora da casa. Raoni, então, chegou de carro e, ao interpelar Nunes, o assassino acabou atirando em pai e filho, fugindo na sequência no carro com Iasi. O cartunista e Raoni foram levados da residência (na Estrada Alpina, no bairro de Santa Fé) ao Hospital Albert Sabin, mas não resistiram.
O caso foi registrado no 1º DP de Osasco. Glauco e o filho foram enterrados no dia seguinte e Nunes foi preso pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu, três dias depois do crime, tentando fugir do País. Ele estava em um carro roubado e baleou um policial ao ser interpelado. Uma vez preso, confessou o crime e mais uma vez chocou o país ao aparecer sorrindo ao descrever o que fez.
Em 30 de maio de 2011 a Justiça definiu que o assassino é inimputável, por ser portador de esquisofrenia paranóide e que, portanto, não teria condições de "entender a gravidade de seus atos."
Ele permanecerá internado por tempo indeterminado ("pelo menos três anos") no Complexo Médico Penal na região de Coritiba.
 
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Clique aqui para ver o tributo ao cartunista. Abaixo, mais declarações de cartunistas e pessoas ligadas ao meio sobre  interrupção bárbara da vida de Glauco
“Nem sei o que dizer sobre a morte do Glauco. To abismado e triste… Vou desenhar pra tentar não pensar tanto nisso… “,  Mario Cau
 
“É um absurdo. Era um cara muito da paz, estava tentando falar com o bandido . Só o que podemos fazer agora é mandar uma vibração positiva para ele, o filho e a família. Tô arrasado… “ Bira Dantas
 
“ Ainda morava na fazenda quando peguei um autógrafo dele (…) Tive pouco contato pessoal com ele , mas o desenho dele, aqueles narigões, foram inspiração pra mim e para muita gente. Era um cara que tentava levar coisas boas pra todo mundo”, Dalcio Machado
 
“Sem Geraldão, Dona Marta, Casal Neuras, Doy Jorge minha juventude e a de muita gente teria sido diferente e bem mais chata. Quando conheci o Glauco, em um HQMix em São Paulo, ele confirmou que era o que eu imaginava por seus desenhos: um cara bacana, gentil, muito bem humorado e em paz com o mundo”,  DJota Carvalho
 
“Esse mundo não tem jeito mesmo… Mataram o cartunista Glauco!” (Estevão Ribeiro, Os Passarinhos)
 
“Não estou acreditando nesse lance do Glauco! Ele não fazia mal a ninguém… E há a insegurança de que pode rolar com qualquer um de nós” Sidney Gusman
“Como eu disse no primeiro momento, no Twitter, o fato é tão chocante que nossa reação não pode ser medida em palavras, mas em um sentimento de dor, luto e desesperança. Apesar disso, nós sairemos do choque. E vamos encontrar caminhos, mesmo que sejam longos, demorados, para contermos essa onda de irracionalidade e desumanidade. Famílias bem formadas, educação, fé em Deus, justiça social serão alguns dos pontos por onde passará o caminho do respeito à vida. Vamos lutar para isso. Como tributo ao Glauco e ao Raoni”, Maurício de Sousa
 
“Todos estamos pasmos com o nível de violência com mais uma notícia sobre a morte de pai e filho por assaltantes em São Paulo. Desta vez, foi nosso amigo Glauco Vilas-Boas e seu filho Raoni. Dois grandes desenhistas que escolheram o humor gráfico para pensar o ser humano. Glauco, companheiro de sempre de Laerte, Angelí, Toninho Mendes e Adão Iturrusgarai nos quadrinhos, publicava na Folha de S.Paulo desde 1977. Seus personagens satirizavam as relações de uma geração perdida entre as questões comportamentais e instintivas do ser humano. Usava o humor como arma de anteparo à violência. Foi uma das "crias" de Henfil. Podemos ver em seus traços e personagens a marca do questionamento herdada de seu mestre. Seu filho Raoni também escolheu ser cartunista e trabalhava com o pai. A notícia de uma execução sumária em um assalto, como muitos que acontecem nas grandes cidades, é quase sem nexo diante de alguém que justamente lutava contra isso. Fica a lembrança, para todos nós, cartunistas, de um amigo que fez de sua vida uma história de sucesso no humor gráfico do País. E o compromisso de continuarmos na batalha de enfrentarmos a violência de nossos dias com o que melhor sabemos fazer: o humor. Salve Glauco. Salve Raoni”, Associação dos Cartunistas do Brasil
 
A violência em São Paulo, mais uma vez, mata e empobrece a cultura brasileira. Aos 53 anos, no auge de sua produção artística, morre assassinado por assaltantes em sua casa o cartunista paranaense Glauco Villas-Boas. Glauco, como era conhecido, foi descoberto pelo jornalista José Hamilton Ribeiro, então diretor do Diário da Manhã, em Ribeirão Preto, interior paulista. Lá começou a publicar suas tiras cômicas. Mas foi na 4ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em 1977, ao conquistar um dos prêmios, que Glauco foi projetado no cenário artístico brasileiro e internacional. Com seu imenso talento, criatividade, estilo único e, em especial, humor inteligente baseado no comportamento da nossa sociedade, que Glauco saltou, ainda no mesmo ano, para as páginas da Folha de S.Paulo. Em 1984, a mesma Folha abriu espaço diário para a nova geração de cartunistas brasileiros. Glauco estava entre eles e, assim, ficou conhecido em todo o País. Surgiram seus principais personagens: Geraldão, Zé do Apocalipse, Dona Marta, Doy Jorge, Casal Neuras, Geraldinho e outros. Multimídia, também era músico e se apresentava em bandas de rock. Integrou a equipe de redatores do TV Pirata e do TV Colosso, programas da TV Globo. Publicou livros de humor. Em plena Era Digital, Glauco continuava fiel à prancheta, desenhando à mão com nanquim. Usava o computador apenas para colorir os trabalhos, depois de escanear cada um deles. Glauco registrou, a cada momento, as transformações pelas quais passou o mundo, o Brasil. Era um profundo conhecedor e critico da alma humana, mas sempre de maneira bem-humorada, provocando reflexões.O Brasil e o mundo perdem um de seus maiores cartunistas.Restam, diante de mais esta tragédia, as perguntas:  
– Senhores governantes, até quando?
– Quantas vidas ainda faltam para que seja colocado um basta na violência?”

Ricardo Viveiros e Zélio Alves Pinto, respectivamente, presidente e vice-presidente do Conselho Consultivo do Salão Internacional de Piracicaba

 
Não há muito o que dizer. Só quem cresceu rindo e se divertindo (e, por que não, aprendendo?) com as tiras e tiradas infames, irônicas, sarcásticas, escrachadas, maravilhosas do Glauco sente o que a nossa geração está sentindo. Que vá em paz e, se possível, volte em nossos sonhos e inspirações. E, mais uma vez, vão os que devem ficar. Ficam os que devem ir”, Marcus Laranjeira
 
“Passei minha adolescência lendo as revistas Chiclete com Banana e Circo, ambas me introduziram no mundo do quadrinho nacional e geraram muitos derivados, entre elas a revista Geraldão, de Glauco. De um humor marcante, com piadas certeiras e desenho simples e ágil, que muito me lembrava o do Henfil, Glauco agradava adultos com suas piadas e chegou até a agradar crianças,com o Geraldinho, que publicou na Folha de S.Paulo. Para as artes, perder Glauco é perder um dos mais originais expoentes do humor da década de 80 no Brasil, é perder um dos "Los 3 Amigos", que marcaram tantos e tantos de nós que vão nos seus 30 e poucos anos. Perder Glauco para a violência nos dá a sensação de impotência e indignação. Escrevo estas palavras tentando prestar uma homenagem justa a alguém que foi importante na minha juventude, embora ele não soubesse, alguém que, junto com Laerte e Angeli, me fez rir muito. Escrevo essas palavras com a sensação de querer chorar, com a sensação de perder alguém que passou pela minha vida em momentos bem mais simples, me deu alegria e momentos que não consigo descrever aqui. Queria poder dizer mais, queria ter a forma de ajudar a evitar violências como essas, que arrebatam Glauco e seu filho da gente. Fica minha indignação e meu respeito. Glauco, você nunca será esquecido. Obrigado”, Tiago Vasconcelos Modenesi.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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