Caça às Bruxas

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Caça às Bruxas

Apesar de ser um jogo divertido e, comprovadamente, uma ferramenta eficaz na educação, o Role Playing Game quase virou vítima de uma verdadeira Caça às Bruxas no Estado de Minas Gerais. Isso porque, no ano passado, a estudante Aline Silva, de 18 anos, foi encontrada esfaqueada em um cemitério de Ouro Preto e, como Aline freqüentava repúblicas onde pessoas jogavam RPG, o inquérito apontou que ela teria sido morta por causa do jogo.

O fato ganhou ares de caça às bruxas em decorrência da ação de grupos religiosos que enxergam o RPG como "agente do demônio" (porque em algumas histórias há personagens como vampiros e dragões, por exemplo) e foi ampliado por matérias preconceituosas e irresponsáveis veiculadas, em especial, pela imprensa de Belo Horizonte. Alguns jornais chegaram a afirmar, por exemplo, sandices como "a regra do jogo de RPG exige que o perdedor seja morto pelos vencedores no final da partida".

O vereador Betinho Duarte (sem-partido) chegou a anunciar que estaria "estudando a possibilidade de apresentar um projeto na Câmara Municipal de Belo Horizonte para proibir a comercialização dos livros de RPG na capital". O Ministério Público Federal acabou intervindo e exigiu uma classificação etária dos jogos de RPG, classificação esta beirando à censura. O mais absurdo de tudo é que até o momento o assassinato da garota não foi esclarecido e sequer foi comprovada a autoria ou sua suposta relação com os RPGs.

O curioso é que nos anos 70 alguns grupos evangélicos americanos tentaram relacionar crimes ocorridos nos EUA com os jogos de RPG. Todas as investigações feitas pela polícia americana descartaram o fato e até mesmo alguns crimes cometidos por fanáticos para incriminar o jogo foram descobertos. Outras áreas de entretenimento também chegaram a servir como bodes expiatórios em vários períodos da história recente.

No final da década de 50, nos EUA, as revistas em quadrinhos foram censuradas e até queimadas em praça pública por causa das afirmações de um obscuro psicólogo dando conta de que elas influenciavam crianças a se tornarem criminosas e homossexuais. O próprio psicólogo, Frederick Wertham, viria a público pedir desculpas por suas afirmações desastrosas anos mais tarde, mas o estrago já havia sido feito. Nos anos 90, uma garota que suicidou-se tendo nas mãos um exemplar do gibi "Morte: o grande momento da vida’, de Neil Gaiman, também por pouco não gerou uma caça às bruxas contra o autor inglês.

E nunca é demais lembrar que, quando o estudante Matheus Meira matou pessoas que assistiam a um filme em um shopping de São Paulo, vários "especialistas"e parte da imprensa chegaram a atribuir o crime à influência do filme "Matrix" ou ainda a "O Clube da Luta". Só depois foi constatado que o estudante de Medicina assassino tinha problemas psicológicos e era dependente de cocaína.

No caso do RPG, dada a eficácia que o jogo demonstra na área da Educação e ao prazer que ele proporciona sem ser um jogo caro, espera-se que a caça às bruxas já tenha acabado. Tomara.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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