Histórias de terror com monstros aterrorizantes e chacinas sanguinolentas há tempos deixaram de ser novidade para quem acompanha o gênero. Mas quando as vítimas são crianças e a tarefa de acabar com as criaturas envolve uma heroína inusitada e organizações secretas cheias de intriga, o resultado é bem diferente. E muito bom.
Tanto que a série em quadrinhos Something is Killing the Children/Alguma Coisa Está Matando as Crianças, que já amealhou uma série de prêmios desde que foi lançada em 2019, é forte concorrente a ganhar em 2025 mais um Will Eisner Award – a maior honraria mundial das HQs, que neste ano será entregue em 25 de julho, durante a San Diego Comic Con. E uma adaptação para as telas já está em processo de desenvolvimento na Netflix, tendo como responsáveis Baran Bo Adar e Jante Friese, criadores de Dark e 1899.
Criada pela dupla James Tynion IV (roteiros) e Werther Dell’Edera (desenhos), Alguma Coisa Está Matando as Crianças tem até o momento três arcos publicados: a saga Archer Peak (edições 1 a 15); Eu e meu monstro (16 a 20); e a saga Tribulation (21 a 35). No Brasil, todos já foram lançados pela Devir em três volumes, cada um deles contendo um arco completo.
Archer Peak
A história reunida no Livro 1 da Devir começa com um grupo de crianças que decide brincar à noite em uma casa abandonada em Archer’s Peak, uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. O que acontece então, claro, não surpreende a nenhum fã de história de terror. Basta dizer que há gore de sobra e no dia seguinte apenas um garoto chamado James continua vivo.
A polícia obviamente não acredita em monstros e, apesar de não ter ideia do que aconteceu, vê em James o principal suspeito. É neste momento que chega à cidade Erica Slaughter, uma moça loira estranha, de olhos esbugalhados e carregando um bichinho de pelúcia. Érica não só consegue enxergar monstros, como é muito boa em matá-los.
Este primeiro arco já vai introduzir uma série de elementos comuns a todos os capítulos de Alguma Coisa Está Matando as Crianças. A primeira delas é que monstros existem, são criados em especial pelo medo de crianças, das quais se alimentam para ficar mais fortes, e não podem ser vistos por adultos (pelo menos não por adultos normais).
A segunda é que a Ordem de São Jorge, a misteriosa organização da qual Erica faz parte, atua para que os monstros sejam mortos a qualquer custo. E se preocupa mais em guardar os próprios segredos dos seres humanos (entre os quais a existência do monstros) do que em protegê-los.
E a terceira, e talvez mais importante, é que em Alguma Coisa Está Matando as Crianças não existem finais felizes, apenas sobreviventes.
Eu e meu monstro
O segundo arco (reunido no volume 2) revela a história de origem de Érica – que também teve a família destruída por um monstro – em flashbacks que ela tem enquanto está atuando para conter uma criatura que matou uma família inteira em outra cidadezinha dos EUA.
Agora brigada com a Ordem, ela tem que se virar sozinha. Em paralelo, o autor vai revelando mais elementos sobre a organização e introduzindo/revelando novas informações sobre o universo da HQ, como o que realmente são (ou o que há dentro) dos totens, os tais bichinhos de pelúcia que os matadores de monstro carregam.
Tribulation
Em outra cidadezinha, desta vez no Novo México, Erica tenta proteger a única sobrevivente do ataque de um monstro que segue perseguindo a menina e matando outras crianças no caminho. Ao mesmo tempo, tem que se manter a salvo de uma outra assassina da Ordem de São Jorge, Charlotte Cutter, que recebeu ordem de matar a ex-integrante.
Arte impressionante
Além dos bons roteiros recheados de terror, mistério e intrigas, a arte da série merece destaque. O desenho de Werther Dell’Edera se encaixa bem com o argumento e a escolha de cores é bem trabalhada, fugindo do tradicional “todo ataque acontece no escuro.”
A violência dos ataques é bem gráfica, o que já gerou rumores de que a Netflix irá suavizar a versão para as telas, até mesmo porque boa parte das vítimas destroçadas são crianças. E Erica Slaughter, com a tradicional bandana sobre a boca e facões na mão, é bem “menos delicada” que personagens como Buffy, a caça-vampiros…
Os desenhos de Dell’Edera também sustentam bem as sequências sem texto da HQ, por vezes longas, tanto as que envolvem cenas de ação quanto as mais “paradas.”
Números e prêmios
Something is Killing the Children/Alguma coisa está matando as crianças já vendeu mais de 2 milhões de exemplares em todo o mundo – o quadrinho já foi traduzido para diversas outras línguas e comercializado em mais de 20 países. A HQ original gerou uma série spin-off, House of Slaughter, que vendeu 500 mil cópias e se tornou a segunda série estreante com maior número de vendas dos últimos 25 anos sem ser da Marvel nem da DC.
Já em 2020, um ano após a estreia, a série foi indicada para o prêmio Will Eisner de melhor série estreante. Não levou a primeira indicação, mas o roteirista James Tynion IV foi contemplado com o Prêmio Eisner na categoria de Melhor Roteirista pelos três anos seguintes – 2021, 2022 e 2023 – e individualmente Alguma Coisa Está Matando as Crianças também levou o Eisner 2022 como Melhor Série Continuada. No Eisner que disputa neste ano Tynion IV é indicado novamente como Melhor Roteirista e também por Something is Killing the Children.
O roteirista, que ironicamente é odiado por um número razoável de leitores de Batman pelos argumentos que escreveu para o Homem-Morcego quando foi responsável pelo título, também concorre neste ano com outra obra, O Departamento da Verdade (também lançada no Brasil pela Devir) . Neste título, que tem argumentos de Tynion IV e desenhos de Martin Simmonds, a história gira em torno de Cole Turner, um agente especialista em teorias da conspiração que acaba descobrindo que praticamente todas elas são verdadeiras — do assassinato do presidente estadunidense JFK até metamorfos reptilianos.
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