Uma caixa de aquarela sakura, oito litros de água para aquarela, três canetas pretas, 12 canetas descartáveis de nanquim japonesas, cinco canetas de retroprojetor, dez caixinhas de grafite 2B,quatro canetas pretas ponta porosa, três marcadores de retroprojetor pretos, quatro borrachas grandes, 180 páginas de papel sulfite, 90 cópias xerográficas e um ano e um mês de trabalho diário, com picos de 18 horas ininterruptas. Os números dão a dimensão do trabalho que teve o cartunista paulistano radicado em Campinas Bira Dantas para colocar em quadrinhos um épico de todos os tempos: Dom Quixote, de Miguel Cervantes, que será lançado amanhã em São Paulo.
“Minha mulher Cláudia, minha filha Thaís e minha funcionária Lourdes acompanharam tudo de perto e ajudaram até a apagar o grafite das páginas. Varei madrugadas, perdi filmes e comprei, mas não li, dezenas de revistas. Até a minha sogra já estava rezando para eu terminar logo. E não é que deu certo?”, brinca o cartunista de 45 anos, que coleciona prêmios nacionais e internacionais em sua carreira.
Durante todo o trabalho, o autor ainda manteve um “making of” em um de seus blogs na internet (http://domquixotehq.blogspot.com) contando o que fazia e disponibilizando na rede esboços e artes. “Li a obra integral em março de 2007, comecei a preparar o roteiro em maio ao mesmo tempo em que fazia o estudo de personagens, de roupas, arquitetura e cenários. Originalmente teria 120 páginas, toda em aquarela”, conta Bira.
Mas em dezembro de 2007, quando 80 páginas já estavam roteirizadas — e 15 delas transformadas em arte — e o autor já havia esboçado mais da metade da história, os editores pediram que a obra fosse reduzida para 80 páginas, por questões de custo e perfil editorial. E assim, a exemplo do personagem, Bira se viu frente a uma batalha fictícia, mas nem por isso menos trabalhosa. “Apertei as primeiras 40 para coincidirem com a metade do livro e refiz o roteiro das outras 40. Com tudo isso, levei até janeiro de 2008 para finalizar os desenhos com nanquim e escrever os diálogos, e finalizei tudo em 15 de abril deste ano”, relembra o cartunista, que dias depois enviava todo o material em DVD para a editora Escala Educacional.
Esta não é a primeira vez que Dom Quixote ganha uma versão brasileira em quadrinhos: em 2005, Caco Galhardo (autor da tira Os Pescoçudos) também se aventurou na obra de Cervantes, que resumiu em 47 páginas. Galhardo, porém, trabalhou livremente as passagens mais significativas da obra, priorizando o bom humor e o traço cartunesco.
Já o atual trabalho de Bira Dantas, apesar de não priorizar o texto original, retrata com a maior exatidão cenários e ambientes, como já havia feito para a mesma editora com Memórias de um Sargento de Milícias. Isso porque o Quixote de Bira faz parte da coleção Literatura Mundial em Quadrinhos, da Escala, que tem objetivos prioritariamente educacionais (traduzindo: o uso em escolas). “No caso do Memórias…, por exemplo, os textos e diálogos que aparecem nos balões são exatamente iguais aos do livro”, diz Bira, que recentemente também publicou trabalhos na revista Mad.
Dom Quixote é um dos maiores clássicos já escritos e um marco na criação do chamado herói romanesco ou prosaico. Para quem não conhece, a descrição da editora diz tratar-se “da história fidalgo que, de tanto ler histórias de cavaleiros medievais, confunde fantasia e realidade e sai pelo mundo acreditando ser um deles. É acompanhado por Sancho Pança, seu fiel escudeiro.”
Mas como todo bom livro — e HQ — a história de Dom Quixote vai muito além desta descrição e vale a pena ser conferida. O lançamento de Dom Quixote de Bira Dantas acontece na HQ Mix Livraria (Praça Roosevelt, 142, Centro, São Paulo, fone 11-3258-7740), às 17h. O livro de 88 páginas é todo colorido — o que valoriza a pintura em aquarela leve e sofisticada do autor — e custa R$ 23,90.
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