Ultimatum: como e por que Jeph Leob chacinou o universo Milenium…e o que acontece depois do “começo do fim”

Mundo HQ
Na série que está nas bancas brasileiras em 2010, Loeb mata mais de 30 personagens, entre eles heróis como Professor Xavier, Noturno, Wolverine e o vilão Magneto
 
A série Ultimatum, originalmente publicada nos EUA de novembro de 2008 a julho de 2009 (e cujo número 2 chegou às bancas brasileiras em fevereiro de 2010) merecia um subtítulo. Algo como “carnificina total” ou “chacina generalizada” com certeza seria apropriado. Mas talvez fosse melhor algo mais descritivo, do tipo “Confira como Jeph Loeb tenta acabar com uma das melhores ideias da Marvel dos últimos tempos.”
Explica-se: no agora longínquo ano de 2000, a autoproclamada Casa das Idéias lançou a série “Ultimate”, que por aqui ganhou o nome “Millenium”. Com roteiros para lá de bem amarrados, a Marvel deu um “reboot” em seus principais heróis. Em um universo paralelo ao das histórias da cronologia normal, chamado carinhosamente pelos leitores de Ultiverso, a editora reiniciou as histórias de seus principais personagens, atualizando cada um deles para tempos modernos e mais realistas.
Observando décadas de histórias do universo regular, os argumentistas – em especial o genial Mark Millar – descartaram fatos que não funcionaram nas HQs originais, adequaram ou simplesmente recriaram personagens (bem como ignoraram vários refugos), e trouxeram ao público histórias ágeis, com arcos bem resolvidos acompanhados de (em geral) ótimos desenhos.
O sucesso foi tanto que o Ultiverso chegou a ficar mais popular – e a vender mais – do que várias das revistas, digamos, “normais” da Marvel. Mais então Jeph Loeb aconteceu. Primeiro o argumentista produziu a série Ultimates 3, em 2008. Com desenhos exageradamente anabolizados do brasileiro Joe Madureira, Loeb criou uma história na qual descaracterizou totalmente o grupo dos Supremos (versão ultimate dos Vingadores), um dos carros chefe do Ultiverso.
Fez uma HQ na qual os irmãos Feiticeira Escarlate (Wanda) e Mercúrio, filhos de Magneto, de repente e sem mais nem menos se comportavam de maneira nojentamente incestuosa; um vídeo de sexo entre Homem-de-Ferro e Viúva Negra era divulgado via Internet graças a uma ação de robôs Ultron que, para completar o quadro, matam a Feiticeira Escarlate. No desenrolar da história, Mercúrio é aparentemente morto por Gavião Arqueiro, Magneto pega o corpo de Wanda e promete vingança contra a humanidade. E é mostrado que Dr. Destino está por trás do assassinato da Feiticeira.
A história com certeza não foi o ponto alto dos Supremos e causou bastante estranheza, mas o grupo sobreviveu a ela. Loeb, porém, estava com sede de sangue, e não apenas dos Supremos. Então, em novembro daquele mesmo ano de 2008, o argumentista uniu todas as séries do universo Ultimate/Millenium em um grande arco e praticamente matou meio mundo. Atenção: se não quiser saber quem morreu para não estragar alguma surpresa, é bom pular o próximo parágrafo.
Nas cinco edições de Ultimatum abundaram cenas grotescas, como a já famosa na qual Blob aparece comendo o cadáver da Vespa – e na sequência tem a cabeça arrancada fora por uma mordida do Gigante/Zangão (Hank Pym). Loeb determinou também as mortes de, entre outros: Cristal, Fera, Noturno, Vespa, Blob, professor Xavier, Cartel (e outros inúmeros alunos desavisados do Instituto Xavier), Capitão Britânia, Doug Ramsey (Cifra), Sam Guthrie (Míssil), Demolidor, Detonador, Emma Frost, Forge, Franklin Storm (pai do Tocha e da Mulher Invisível), Fanático, Longshot, Lorelei, HardDrive, Polaris, Psylocke, Mancha Solar, Thor, Hank Pym, Jamie Madrox, Dr. Estranho, Anjo, Wolverine, Magneto, Ciclope e Dr. Destino. Também são dados como mortos, mas por enquanto sem confirmação: Groxo, Pesadelo, Destrutor e Flama. Tá bom ou quer mais?
Tudo isso porque Magneto resolve se vingar do mundo por causa da morte de seus filhos. Uma das poucas coisas boas da série, por sinal, é o chamado punchline (frase de efieto) disparado pelo vilão: “Quando Deus não gostou do que criou, submergiu o mundo por 40 dias e 40 noites. Eu o farei em três.”
Para executar o plano, o mestre do magnetismo começa por inverter os eixos polares da Terra e inundar Manhatan, matando milhares de pessoas (e alguns heróis e vilões junto). Depois, o mundo entra em guerra com ele e entre si, claro. Minutos antes de ser morto pessoalmente pelo vilão, o professor Xavier chega a dizer que ele será comparado a Hitler e outros genocidas. Loeb também foi, por inúmeros fãs inconformados com a chacina que recebeu críticas duríssimas lá fora e fez com que inúmeros leitores se sentissem traídos. Afinal, desde 2000 compravam uma das melhores séries que já tinham lido e, de repente, ela é totalmente destruída em cinco edições (“Magneto queria três dias para destruir o mundo, Loeb detonou o universo em cinco gibis”, ironizaram alguns).
Gostar ou não da história fica por conta dos leitores, mas a grande questão é: por quê? O que levou a Marvel a permitir a lambança promovida por Loeb? Antes de a série ser publicada, o roteirista já a classificava de maneira antecipada como “o começo do fim do começo”. Por trás da frase (pobre) de efeito, a pista de que a série Ultimate estava chegando a um marco inicial, mas que, mesmo com o Ultimato, haveria continuações.
Na mesma entrevista, Loeb justificava a “limpeza” dizendo que as histórias do universo Ultimate haviam sido lançadas como algo radicalmente diferente do universo normal das revistas Marvel, mas que, oito anos depois, não estavam mais tão diferentes assim (e, diziam as más línguas, haviam caído em vendas). Seria necessário, então, fazer algo radical para que se tornassem mais uma vez histórias diferenciadas e especiais. Ultimatum seria esse “algo”. “Vai ser como o Holocausto ou um 9 de setembro para o Ultiverso”, pontuou.
A justificativa soa verdadeira, mas foi muito melhor explicada por Mark Millar, apontado como melhor roteirista das HQs Ultimate de todos os tempos. “O Universo Ultimate era melhor do que o universo Marvel regular até meados de 2005. Então o universo regular foi ‘ultimatizado’ e eles ficaram muito iguais. É preciso mudar o Ultiverso para ele ficar melhor que o universo Marvel normal de novo.”
Ou seja, as idéias do Universo Ultimate foram tão boas que ele se tornou melhor que o original. Para não ficar atrás, boa parte delas foi adotada ou “adaptada” nas histórias regulares e, como tudo ficou muito parecido, melhor mudar de novo o Ultiverso do que mexer no original. Colocando de outra forma, é  como se a filial de uma grande loja tivesse ficado melhor que a matriz e que esta, para resolver o problema, não só copiasse os métodos da filial como também mandasse demolir a unidade.
A pergunta, então é: o que será reconstruído no local? Para começo de conversa, logo depois do Ultimatum, cada um dos três títulos originais dos Estados Unidos que compõem o universo Millenium (Ultimate X-Men, Ultimate Spiderman e Ultimate Fantastic Four) ganhou edições chamadas Réquiem.
Para o Aranha foram duas edições, nas quais James Jameson reconhece o Aranha (dado como morto) como um grande herói e escreve seu obituário.
No requiém dos X-Men, Kitty Pride  recupera o que restou do braço de Wolverine e os X-Men enterram e fazem um funeral para seus mortos, com direito a homenagens e brigas.
Por fim, na edição réquiem dos quatro Fantásticos, Sue abandona Reed e resolve se dedicar a pesquisas. O Borracha retorna para a casa dos pais, Coisa se alista na SHIELD e Johnny, em depressão, decide passar uma temporada na Europa. Os quatro réquiem são o fim do começo do fim do começo (bwa há há).
Depois deles, em Agosto, surgiram os dois primeiros novos títulos da linha Ultimate:  Ultimate Comics: Spiderman e Ultimate Avengers.
O primeiro, sob a batuta de Brian Michael Bendis (roteiro) e David LaFuente (desenhos) traz a vida de Peter Parker pós-ultimato.
Agora Peter namora a ressuscitada Gwen Stacy. Tocha Humana volta da Europa e passa a morar com os Parker, fingindo ser primo de Parker. Bobby Drake, o Homem-de-Gelo, também entra na mesma onda: se finge de primo de Parker e mora na casa da Tia May. Kitty Pride, Kong e o pessoal da escola que sobreviveu continuam na história e voltam vilões como Mystério e rei do Crime. Um detalhe importante: a maioria da população de Nova York agora vê Aranha como um grande herói em virtude de sua atuação no Ultimato.
Já Ultimate Avengers traz o melhor roteirista, Mark Millar, acompanhado de belos desenhos de Carlos Pacheco. No primeiro arco, Gavião Arqueiro conta a Furry que o Capitão América enlouqueceu. O motivo: ele descobriu que o Caveira Vermelho é na verdade filho dele e da namorada Gail Richards.
O Caveira Millenium/Ultimate é uma das melhores criações do universo paralçelo até agora (só poderia ser pelas mãos de Millar).
Os Vingadores (Avengers) do título são compostos por uma nova Viúva Negra, uma nova Vespa, Máquina de Guerra, uma vesão sanguinária do Homem Aranha e um (quem diria) Hulk Afroamericano.
Com as novas revistas os fãs começaram a voltar para a linha Ultimate, mas o teste de fogo virá agora. O mesmo Loeb está por traz de duas outras revistas, uma delas lançada em fevereiro e outra com data prevista para março.
Quando os fãs ficaram sabendo disso, os blogs e twitters se enxeram de frases como “Loeb volta para arruinar o universo Ultimate.”
 
O primeiro título, já lançado em fevereiro de 2010, é Ultimate X (que causa estranheza, já que o próprio Loeb garantiu que não haveria X-Men nem Quiarteto Fantástico nas novas revistas Ultimate).  
A história mostra Jimmy Hudson, um adolescente que descobre ser filho de Wolverine. A arte é do comemorado mestre Arthur Adams e o texto de Loeb.
O título com estreia marcada para 3 de março de 2010 é New Ultimates : Thor Reborn , que já diz no título a que veio… Os novos Supremos serão os heróis da linha de frente governamental contra qualquer ameaça. A história começa com a tentativa do grupo de ressuscitar Thor (que deu sua vida em troca da amada Valquíria e agora é o senhor do Inferno) e o grande vilão, claro, é Loki.
Não se sabe se Loeb realmente vai estragar o universo Ultimate por aqui com seus argumentos, mas pelo menos a arte é de primeira: o genial Frank Cho, com seu traço maravilhoso em especial para desenhar mulheres.
As duas perguntas que ficarão em aberto e que só o tempo responderá são:

1)      Conseguirá a Marvel reerguer a linha Ultimate e torná-la de novo melhor que o universo Marvel regular?

 

2)      Vale a pena torcer para que isso ocorra ou, se acontecer, Loeb virá e destruirá tudo de novo?
 
(publicado em 28 de fevereiro de 2010)
 
 
Em tempo: as histórias de Réquiem chegaram às bancas brasileiras no finalzinho de julho de 2010, em um único encadernado (R$ 14,90). Um dia depois foi a vez do número um de Ultimate Marvel – reunindo histórias pós Ultimatum de Aranha, Homem de Ferro e Vingadores – chegar, por R$ 6,50.

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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