De Escoteiro da América a "ingênuo consciente":
o Homem-de-Aço nas HQs
Criado por dois adolescentes em 1933 e lançado nos quadrinhos em 1938, Super-Homem foi o primeiro super-herói criado no planeta. Por isso mesmo, é o mais longevo, o mais explorado em todas as mídias e o que mais mudou em toda sua história. Em parte isso ocorreu para manter e atrair leitores, mas as mudanças também foram feitas porque o herói tornou-se ícone da sociedade americana e, assim, nada mais natural que mudasse conforme os valores dos estadunidenses também se alterassem.
Quando foi criado, o personagem era visualmente mais austero (com olhos negros "entradas" no cabelo indicando um homem mais maduro), não tinha os mesmos poderes – em vez de voar, por exemplo, pulava prédios altos com um único pulo – e era uma espécie de mistura entre um agressivo super-policial e um super-assistente social: ao mesmo tempo em que prendia bandidos, reprimia aqueles que desrespeitavam as normas morais, éticas e até trabalhistas dos Estados Unidos.
Bêbados, machistas que batiam em suas mulheres e até um dono de Mina que explorava seus trabalhadores irregularmente sofreram com a ira do Super nestes primórdios. Na década de 40, Superman ajudou, nas HQs, as investidas aliadas contra os nazistas, a ponto de despertar a ira do ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, que ordenou que o jornal Der Stümer fizesse um artigo contra o herói sob o título "Super-Homem é judeu". Após a Guerra, o herói assumiu de vez o apelido de "escoteirinho da América".
Ao mesmo tempo em que aparecia em algumas histórias ingênuas e com altas doses de psicodelismo, defendia acima de tudo os interesses estadunidenses, de tal forma que seu lema (usado tanto nas HQs quanto nos programas de rádio) foi modificado para "O Campeão da Justiça, da verdade e do American Way".
Super também chegou a defender os americanos na Guerra do Vietnã e contra a ditadura da Lubânia, uma referência à extinta URSS. No final da década de 70, com o lançamento do primeiro filme, o Super das histórias "desradicalizou" um pouco e assumiu um caráter mais ingênuo Nos anos 80, continuou a atuar nos Estados Unidos, mas agindo mais em prol dos cidadãos e abandonando o discurso governamentista de lado. Muitas vezes, inclusive, o Superman agia sob a chancela da ONU e mostrava em suas HQs os dois lados da moeda: tanto as ações de terror de ditadores quanto as falhas ideológicas dos EUA.
Ainda assim, Super-Homem continuava a acreditar no sistema, de maneira muitas vezes ingênua, o que lhe rendeu o papel de soldado do governo na histórica HQ Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, em 1985.
Na década de 90, o personagem ficou mais forte psicologicamente, não deixando se manipular tanto, mas fisicamente estava tão descaracterizado (apanhava de qualquer um, tinha cada vez mais fraquezas, machucava-se até fazendo a barba), que os roteiristas resolveram matá-lo e – aproximando-o ainda mais os vários decalques da história com a de Jesus Cristo – ressuscitar o herói.
Ainda na mesma década Super casou-se com Lois Lane, mudou de poderes e uniforme (em uma temível fase "elétrica" na qual até a pele do herói era azul) e, em seu anioversário de 50 anos (1999) voltou aos poderes originais.
Ainda é cedo para dizer como se caracterizará o Super do século 21, bem como o novo filme irá (ou não) inspirar mudanças nos quadrinhos, mas uma coisa é certa: ao menos nos quadrinhos, Super-Homem agora é um personagem muito mais consciente de suas opções. Em uma HQ recente, premiada em todo o mundo, ele deparou-se com um grupo de heróis violentos, "do mundo moderno", que usavam força extrema e matavam vilões e inimigos.
Aclamados pelo público, os novos heróis humilham o Superman dizendo que ele deve se ater a cientistas malucos e ameaças extra-terrestres, deixando " os verdadeiros vilões" pra quem "sabe o que fazer com eles".
Em uma surpreendende virada de eventos, Super-Homem dizima violentamente o grupo em uma luta televisionada mundialmente e, com o líder dos heróis violentos a seus pés, proclama que é muito fácil ganhar pela violência, e que ele poderia fazer isso quando quisesse. Difícil, mesmo, é ater-se a princípios éticos e morais, acreditar no sistema e ainda assim defender a humanidade. Com certeza, este é um trabalho para o Super-Homem !
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