O Spirit está de volta.
E em grande forma.
Em 1940, um jovem chamado Will Eisner surpreendeu o mundo das HQs ao lançar as histórias de The Spirit. Com argumentos inteligentes e conceitos gráficos até então inéditos em HQs – fusões, cortes, ângulos insólitos, brincadeiras com títulos e uma utilização perfeita de luz e sombras – o estranho detetive mascarado revolucionou os quadrinhos, ganhou o apelido de "cidadão Kane das HQs" (em referência ao famoso filme de Orson Welles) e uma legião crescente de fãs até Eisner parar de desenhá-lo, em 1952. Will Eisner faleceu em 2005. O Spirit, porém, ressuscitou no ano passado pelas mãos do cartunista Darwyn Cooke e acaba de chegar às bancas brasileiras pela Panini Comics (R$ 5,90, colorido, 52 páginas).
Os fãs do personagem não vão se decepcionar. Cooke já havia feito com ele uma série “caça-níqueis” para a DC Comics, ao lado de Jeph Loeb (lançada no mês passado no Brasil), na qual promovia um crossover entre Spirit e Batman. O objetivo, então, era atrair a atenção de leitores mais jovens para o personagem de Eisner, pouco conhecido entre eles. Apesar dos belos desenhos e de momentos hilários – que incluíam o namoro do comissário Gordon com a femme fatale P´Gell – o episódio claramente não tinha o charme e a inteligência dos quadrinhos de Eisner.
A nova série, porém, têm ambos. Pode soar como um exagero, mas o fato é que Cooke parece ter psicografado as duas histórias que compõe o primeiro número. Está tudo ali: o humor refinado e a crítica ao jeito de ser humano, os esconderijos improváveis de Spirit, as surras que o personagem costuma levar antes de se dar bem, seu jeito patético com as mulheres – que inclui enrolar a jovem namorada Ellen e ser enrolado por outras mocinhas e vilãs. Entre elas, destaque, claro, para a viúva negra P´Gell, que classifica Spirit como “decente, bonito e estúpido.”
Para quem não conhece Spirit, ele é na verdade Denny Colt, jovem policial dado como morto e que, a partir de então, passa a combater o crime sob a alcunha de Spirit, uma máscara e o indefectível sobretudo, luvas e chapéu azuis. As histórias do personagem criadas por Eisner envolvem ação, intriga e muitas vezes política, mas o mais interessante nelas são as ironias – e muitas vezes o ceticismo – em relação ao comportamento humano.
Spirit, por vezes, sequer aparecia em uma HQ a não ser nos últimos quadrinhos, para fazer um comentário sarcástico/filosófico que resumia o espírito humano. "É importante dizer que não fiz o Spirit para se transformar em super-herói. No Spirit, o que realmente contava era o espírito das pessoas na época e eu estava mais interessado em histórias curtas", contou Eisner de certa feita a este repórter.
Para a felicidade dos leitores, Cooke conseguiu manter, com o perdão da ironia, o mesmo espírito de Eisner em relação aos argumentos. Os desenhos também estão à altura do grande mestre, com direito a clima noir a algumas atualizações: P´Gell continua sexy como sempre, Spirit aparece mais sem máscara quando contracena com personagens como Ellen, por exemplo, e o assistente Ébano ganhou um traço menos cartunesco. Não fosse isso e a colorização mais moderna, seria difícil distinguir o “novo” Spirit do original. O que, com certeza, é algo a ser comemorado.
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