Em 4 de setembro de 1950, o cartunista Mort Walker – que faleceu aos 94 anos em 27 de janeiro de 2018 – lançou em 12 jornais americanos uma tira sobre um simpático e preguiçoso universitário americano. Inicialmente o rapaz se chamaria Spider, mas a distribuidora King Features sugeriu a troca da alcunha que considerava um pouco agressiva e o autor mudou o nome do personagem principal para Beetle Bailey, nome que no Brasil acabou se tornando Recruta Zero.
Inicialmente, a tira – que chegava a mostrar Zero com os olhos abertos (!!!) – era sobre a vida em uma grande faculdade e quase não fazia sucesso. A King Features já pensava em cancelar a série (sem que o autor soubesse) quando estourou a guerra entre EUA e Coréia, e Mort Walker, em uma inspiração repentina, resolveu alistar Zero. Imediatamente, a tira pulou para mais de cem jornais não parou de crescer. O mais engraçado é que, anos depois, os executivos da King revelaram que e a tira fosse sobre humor militar desde o começo, eles não a teriam comprado.
O recruta Zero ainda é publicado em jornais e revistas de vários países – dados divulgados no ano da morte do autor estipulavam que ela atingia então 200 milhões de leitores em 1,8 mil jornais em mais de 50 países, incluindo o Brasil. Após a morte de Mort, os filhos dele – Greg, Brian e Neal Walker – assumiram o comando do estúdio de produção e, como fez o pai, supervisionam e aprovam (ou não) tudo o que é produzido.
O trio auxiliava o pai com o trabalho desde a década de 1970. Até então, Walker tinha sido o único desenhista titular das historietas, que desenhou por 68 anos seguidos, o que lhe deu o título de cartunista mais longevo em uma publicação diária nos EUA. Apenas para se ter uma ideia, em 2020, quando o personagem completou 70 anos, já haviam sido produzidas e publicadas um total de 25.250 tiras, a maior parte delas sob responsabilidade de Mort Walker.
Em território brasileiro, Beetle Bailey surgiu em 1952, na revista A Mão Negra, com o nome de “Recruta 23”. O nome Recruta Zero surgiu em 1962, quando o personagem foi lançado em revista própria pela Rio Gráfica – um fato engraçado é que, no original, “Zero” é o nome do soldado que na versão brasileira é chamado de Dentinho. Os gibis do soldado chegaram a ser o segundo título mais vendido, atrás apenas do Fantasma, e várias histórias foram criadas por artistas brasileiros para a publicação.
Zero também teve – na década de 1970 – alguns livros com tiras publicados pela Saber, que por questões contratuais mudou os nomes dos personagens neles: o personagem principal era chamado de Zé Soldado Raso em vez de recruta Zero. Os gibis com o nome original, porém, continuaram a sair pela Rio Gráfica, que ainda nos anos de 1970 viraria Editora Globo, até a década de 1990. Na sequência, o desastrado militar teve quadrinhos lançados pela LP&M e opera Graphica e, a partir de 2012, passou a ter HQs publicada pela Pixel.
Vale lembrar que nos anos de 1960 o personagem também teve um desenho animado, que chegou a fazer certo sucesso inclusive no Brasil.
Enredo
Zero é um recruta preguiçoso que enfrenta todas as confusões, problemas e burocracias cotidianas de um Quartel (no caso, o Swampy).
Tem um sargento que não sai do seu pé, companheiros estranhos cheios de manias e vícios, e oficiais mais estranhos ainda.
Todos, revela Walker, são personagens baseados em tipos que ele realmente conheceu quando serviu o Exército.
Personagens
Além de Zero – que tem o apelido de Beetle (Besouro), mas cujo nome real é Carl James Bailey – destacam-se, entre os principais:
Sargento Tainha (Seargent Orville P. Snorkle): o carma de Zero, adora bater nele, xingá-lo, pegá-lo para cristo. É boca-suja, gordo e violento, ama o exército mais do que tudo (com exceção, talvez, aos filmes de John Wayne) e morre de medo de mulheres. Vive grudado em seu cachorro Otto.
General Dureza (General Amos T. Halftrack) – Autoritário, burocrático, adora golfe e se diz – e se sente – o mais poderoso do quartel. Depois de sua mulher, Martha, que manda nele.
Dona Tetê (Miss Buxley)– A secretária linda, loira e voluptuosa do general Dureza, por quem todos no quartel são apaixonados. Eventualmente se tornou namorada de Zero em algumas tiras e histórias, substituindo a morena Bunny.
Tenente Escovinha (Lieutenant Sonny Fuz)- oficial novo, quer mostrar que sabe fazer de tudo e dar ordens a todos, mas ninguém o respeita em função de sua pouca idade – e de sua chatice.
Quindim (Killer Diller) – Outro amigo recruta de Zero, é o garanhão -e o mais galinha – da turma.
Dentinho (Zero) – Este recruta dentuço, um dos melhores amigos de Zero, tem o coração enorme e a ingenuidade de uma criança, além do cérebro de uma ostra. Não faz absolutamente nada certo.
Platão (Plato) – O recruta intelectual incompreendido por seus pares.
Cuca (Cookie/ Cornelius Jowls) – O cozinheiro do exército, cujas “iguarias” são apreciadas apenas por Tainha.
Tenente Mironga (Lieutenent Jackson Flap) – Com cabelo Black Power e muita personalidade, é apontado como o primeiro personagem negro a ser retratado em uma tira de sucesso nos Estados Unidos.
Cosmo – Um viciado em jogo que, em paralelo, mantém um lucrativo comércio às escondidas dos mais diversos itens
Roque (Rocky) – Editor sensacionalista do jornal do quartel e um eterno rebelde, com ou sem causa.
Capelão (Chaplain Stainglass)– Paciente e muitas vezes incompreendido, é o conselheiro espiritual do quartel. Enquanto ele cuida das almas, o não tão normal doutor Bonkus é o psicólogo que cuida das cabeças dos soldados
Curiosidade: proibido no Exército !
Em janeiro de 1954, terminado o conflito com a Coréia, o alto comando das forças armadas americanas resolveu banir o Recruta Zero das páginas do jornal militar que era enviado às tropas do Japão, o Stars and Stripes, alegando que Zero zombava do exército e era um exemplo de má-conduta aos soldados. Resultado: milhares de soldados revoltados com a proibição e lucros redobrados para Mort Walker graças à “polêmica”. É que soldados e oficiais, que adoravam Zero, continuaram a ler o personagem em tiras recortadas de jornais americanos enviadas por seus pais e amigos, via correspondência. “E, mais uma vez, o exército acabou me rendendo mais um monte de piadas”, zombava Walker.
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