Dois fatos estão garantidos para ocorrer em qualquer evento com a presença do cartunista Bira Dantas: ele vai tocar gaita e haverá um bom conteúdo exposto. Assim, ninguém se surpreendeu quando Bira abriu a mesa-redonda sobre Angelo Agostini, no último dia 10 de fevereiro na Pandora escola de Arte, executando em sua gaita “Va pensiero", um trecho da ópera Aída (de Verdi). A escolha, disse Bira, se deu porque Agostini nasceu na Itália. “E acompanhou pelo mundo a mãe, que era cantora de ópera. Não é isso João?”, complementou o jornalista Djota Carvalho buscando a aquiescência do colecionador e estudioso João Antonio Buhrer.
Iniciava-se ali a conversa que confirmaria – com sobras – o segundo fato: informação não faltou para os cerca de 30 desenhistas e convidados que acompanharam o evento. E também sobrou bom-humor, claro. “Pouco antes de iniciarmos a conversa, Bira brincou por telefone com um amigo em comum que seria uma mesa redonda e não quadrada, como a dos barzinhos freqüentados pelo amigo. Na verdade, naquele momento já pensei que nenhuma mesa com Bira pode ser quadrada: as conversas das quais ele participa nunca vão se resumir a quatro linhas iguais e retinhas, muito menos serão tradicionais”, brinca Carvalho.
A mesa-redonda começou com Bira falando um pouco sobre a história de Agostini e, aos poucos, Buhrer e Djota foram se inserindo na conversa, complementando e, melhor ainda, suplementando pensamentos. Um momento de “tensão”: Djota afirmou que Agostini não foi o criador das Histórias em Quadrinhos no mundo. “Então foi quem?”, rebateu Bira, com um ar calculado e cômico de brabeza. “ Töpffer já trabalhava os elementos dos quadrinhos antes (em 1842, 27 anos antes de As Aventuras de Nhô Quim), os mangás já existiam desde 1702 e a progfessora Sônia Luyten, especialista em quadrinhos do oriente, já chegou a dizer que na China a linguagem existia desde antes de Cristo. Aliás, se formos pensar em quadrinhos como linguagem que usa desenhos em sequência para contar uma história…”
“Os egípcios!”, disse Bira, seguindo a linha de pensamento do amigo e sendo na sequência complementado por ele: “Sim, e mesmo as pinturas rupestres nas cavernas. É claro que elementos foram sendo incorporados, até mesmo a escrita que não existia então. Mas independentemente disso é fato indiscutível que Agostini foi o pioneiro no Brasil e, sinceramente, as HQs são apenas uma parte do trabalho impressionante dele, que deve ser reverenciado como um todo.”
E, pelo que mostraram os três participantes da mesa-Redonda, motivos para reverenciar Agostini não faltam. Na conversa que se seguiu, ficou claro a todos os presentes como o artista ítalo-brasileiro foi um visionário, tanto ideologicamente – em um Brasil colônia extremamente autoritário, lutou contra a escravidão e os abusos políticos, sociais e religiosos – quanto na criação: coube a ele trabalhar de maneira até então inédita o uso de ilustrações para relatar fatos, tanto por meio de charges (muitas delas atualíssimas em termos de críticas sociais) quanto reproduções de fatos, fotos e até quadros.
“Agostini reproduzia obras dos museus da Europa com fidelidade, em tempos nos quais uma viagem para aqueles países tomava muito tempo e era privilégio de poucos. Assim, também agiu em prol da divulgação da arte e da cultura para os brasileiros”, pontua Buhrer.
Graças à coleção dele, por sinal, os presentes puderam observar de perto o trabalho de Agostini: fac-símiles dos jornais e revistas ilustradas do artista foram mostrados e manuseados pela platéia. !Vimos livros que falam do Mestre, um original de O Malho e cópias de jornais de 130 anos atrás, mostrando políticos-ratazanas se cumprimentando e São Paulo afundada nas enchentes. Nada mais atual”, diz Bira.
Também foi debatida a falta de reconhecimento à altura para Angelo Agostini. O consenso geral foi de que faltava à época a visão necessária para verificar que ali estava um gênio – “ausência de distanciamento histórico”, na classificação de Buhrer.Além disso, acrescenta Djota Carvalho, falta divulgação adequada. “Há muitas invenções e descobertas feitas no Brasil ou por brasileiros, que acabam sendo atribuídas a outrem por falta de divulgação ou mesmo de memória. Por isso mesmo eventos como esse, promovidos pela Pandora, são muito importantes e devem acontecer com mais frequência e abrangência.”
Ao final da Mesa-Redonda houve ainda espaço para perguntas e mais tempo para apreciar a releitura de Agostini na exposição que a Pandora promoveu – com releituras do mestre feitas por mais de 20 artistas. Exposição que, por sinal, será levada em breve para o Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) de Campinas. Apesar do debate mais que completo e da satisfação da platéia, ao menos para Buhrer a noite poderia ter continuado."Não abordamos quase nada… Faltou falar tanta coisa", lamentou.
Já Bira Dantas expressou o desejo de todos ao sair-se com esta: “Haverá outras oportunidades e esperamos que na próxima mesa-branca (ops, digo, redonda) o nosso nobre artista Angelo Agostini, também baixe e distribua entre nós toda a sua criatividade e ousadia. Porque humor é isso! E nós precisamos de muito humor!.” Que assim seja.
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Em tempo: DJota Carvalho informa que há outro fato garantido para quem ousa palestrar a uma platéia de desenhistas: ser retratado por eles… (o jornalista colocou as homenagens que recebeu em seu twitpic – www.twitpic.com/djotacarvalho)
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