Mulher Maravilha de roupa (e passado) novo

Mundo HQ

 

 

 

Heroína muda visual, ganha novas origens e braceletes que marcam inimigos

 

 

 

Tudo bem que super-heróis têm muito mais do que a moda para ocupar seu cotidiano (salvar o mundo, entre outras coisinhas básicas), mas já estava passando da hora: depois de usar praticamente o mesmo modelito pelos últimos 69 anos, a Mulher-Maravilha acaba de ganhar roupa nova. Em Wonder Woman 600, publicada no último dia 30 de junho nos Estados Unidos, a heroína amazona trocou o short/microssaia/parte de baixo maiô por uma calça comprida preta agarrada e ganhou uma jaquetinha jeans por cima do tradicional corpete, que também foi um pouco alterado, mas manteve a cor vermelha predominante.

 

 

 

A nova roupa – com design do Publisher da DC Jim Lee – não foi a única mudança: os tradicionais braceletes de Diana agora deixam marcas na pele de seus inimigos quando estes são nocauteados pela princesa (no melhor estilo do anel da caveira do Fantasma) e, mais ainda, o passado da personagem foi alterado pelo roteirista  J. Michael Straczynski. Sim, você leu certo, o passado. Numa daquelas mudanças possíveis apenas nos quadrinhos de heróis – que o diga o Homem-Aranha (leia mais abaixo) – os Deuses Greco-Romanos que fazem parte das histórias da heroína resolveram alterar a linha do tempo e removeram a proteção divina que existia sobre a Ilha Paraíso (Themyscira), onde a heroína nasceu.

 

 

Resultado: quando Diana era criança, a ilha foi atacada por um exército comandado por uma figura sombria e a maioria absoluta das Amazonas foi massacrada. Pouco antes de morrer, a rainha-mãe Hipólita entrega Diana para guardiãs que fogem com a criança. Nesta nova versão, então, a Mulher Maravilha é a última das amazonas, cresce na cidade sem conhecer quase nada de seu passado e, vinte anos depois, vive fugindo de um exército que continua à caça de qualquer amazona sobrevivente.

 

 

 

Desde que foi criada pelo psicólogo William Moulton Marston

, em 1941, essa é uma das mudanças mais radicais pela qual a personagem já passou. De maneira geral, o que havia mudado se resumia a pequenas alterações na parte de baixo do uniforme, que ganhava um pouco mais ou menos de pano, acréscimos ocasionais de mitologias variadas nos enredos, um ou outro equipamento que ia e voltava nas HQs – como o infame jato invisível que fez sucesso nos desenhos da Liga da Justiça – e, claro, mudanças nas feições da moça. Quando foi lançada (no Brasil, com o nome de “Miss America”) ela era mais rechonchuda e, com o passar do tempo, teve corpo e rosto adaptados para se tornar cada vez mais exuberante e voluptuosa, com grande colaboração neste sentido do desenhista brasileiro Mike Deodato, que durante anos foi responsável por desenhar a personagem na DC Comics.

 

 

Por que, então, mudar agora?  Segundo Straczynski, por necessidade de adequar a personagem aos novos tempos. “É uma (nova) imagem criada para ser levada a sério, como guerreira, e em parte, uma resposta às muitas fãs femininas que durante anos perguntaram como ela conseguia lutar naquela roupa, sem que os peitos pulassem para fora”, disse no site da DC Comics.

 

 

 

A resposta do roteirista é parcialmente verdadeira. A razão completa, porém, é mais ampla e pode ser detectada em vários outros super-heróis que, na última década e meia, morreram e ressuscitaram ou ficaram paraplégicos e voltaram a andar (sendo temporariamente substituídos por “versões mais modernas”), trocaram de uniformes, ganharam poderes e vidas diferentes. Na prática, trata-se de um recurso de narrativa: toda vez que um herói ou heroína distancia-se de seu público alvo, é preciso mudar suas características para mantê-lo ou conviver com o fato de que menos gente seguirá suas aventuras.

 

 

 

No caso de uma heroína longeva como a Mulher Maravilha e de uma editora preocupada com os lucros como a DC Comics, a distância com o público feminino crescente – que não suportava ver a heroína como um objeto decorativo super-siliconado – e do masculino inteligente (que queria ver a personagem como algo além de sex simbol) se traduziu em números expressivos: o próprio Straczynski admite que a revista Wonder Woman estava perdendo de 500 a mil leitores por mês.

 

 

 

O que leva à próxima pergunta: a mudança é definitiva? Isso, mais uma vez, quem determinará será o público. A história dos quadrinhos tem mostrado ao longo dos tempos que, a cada vez que um personagem é substituído por outro ou é alterado, a definição é inteiramente condicionada ao sucesso financeiro e crítico da história. Se as mudanças agradam, ficam. Se não, sempre é possível fazer uma história melosa na qual o personagem retorna ao visual clássico ou uma aventura na qual se prova que os relatos sobre a morte de fulano foram exagerados ou, se foram reais, ele ressuscita e reafirma em grande estilo seus poderes divinos.

 

 

 

 

Uma das raras ocasiões em que um personagem de sucesso morreu e não ressuscitou, por sinal, foi utilizada de maneira metafórica por seu autor para relatar justamente as mudanças promovidas pelas editoras em seus super-heróis. Em Sandman, obra premiadíssima e cultuada do inglês Neil Gaiman, o personagem principal morre porque “os tempos são outros” e ele se recusa a mudar. Quando ele, o senhor dos sonhos, morre, é imediatamente substituído por outro aspecto de si mesmo, um Sandman que tem seus poderes, mas roupas e características diferentes de personalidade, porque sempre deve haver um senhor dos sonhos. Assim como sempre haverá uma Mulher Maravilha, independentemente de suas roupas e poderes.

 


 

 


 

 

 

Metamorfoses ambulantes

 

 

Mulher Maravilha entra para uma galeria de supers que já mudou diversas vezes para tentar (re)consquistar o público. Confira alguns deles:

 

 

Super-Homem – Chocou o mundo ao morrer, nos anos 90

. Por meses, o herói foi substituído por quatro – um ciborgue, um negro, um jovem e um a versão mais radical (todos apontados como testes de mercado) – até ressuscitar. Depois disso, ainda teve cabelos compridos, mudou de uniforme e ganhou poderes elétricos, chegou a se transformar em dois e voltou ao clássico. Continuamente, porém, tem seus poderes alterados por crises, vilões ou até mesmo a clássica Kriptonita vermelha.

 

 

 

 

 

Batman – O uniforme teve inúmeras mudanças desde o de 1939, com orelhas pontudas (que inclusive foi planejado pelo autor originalmente para ser vermelho). Batman também já ficou paraplégico e foi substituído por um herói de armadura modernosa, Azrael, durante um período.

 

 

Atualmente, no Brasil, Bruce Wayne foi dado como morto e vários aliados (entre eles o Robin original) disputam a vaga. Nos Estados Unidos, Wayne já voltou de sua viagem pelo tempo e reassumiu o manto.

 

 

 

 

 

Homem-Aranha – Entre outras, já teve uniforme negro cultuado pelos fãs (que na verdade era um alienígena que se tornou o vilão Venon) e pensou ser um clone de si mesmo e deu lugar ao clone Ben Reilly (que tinha uniforme diferente com o codinome Aranha Escarlate).

 

 

A maior mudança veio em 2009: o herói e a esposa, Mary Jane, fizeram um pacto com o demônio Mefisto – ele para salvar a vida de Tia May e ela, a do marido – que apagou o passado de Peter Parker. Ele agora não é mais casado com a modelo, ninguém mais sabe de sua identidade (que havia sido revelada ao mundo na série Guerra Civil – as pessoas se recordam que o herói divulgou sua identidade, mas ninguém se recorda dela).

 

As teias, que eram lançadas por aparelho e passaram a ser orgânicas, mais uma vez voltaram para a origem mecânica.

 

 

 

Hulk – Surgiu cinza e ficou esverdeado logo no início por causa de gráficas de má-qualidade, mudança abraçada pelo autor Stan Lee.  Voltou a alternar entre as duas cores diversas vezes, bem como teve versões alternando entre extremamente burras e inteligentíssimas. Recentemente, a editora Marvel lançou um Hulk Vermelho

, mantendo durante algumas HQs o mistério: seria ele uma nova mutação do Hulk ou outro personagem? Era outro.

 

 

 

Capitão América – Já mudou de uniforme, de nome e em 2007 morreu

. O cargo permanece (até o momento) ocupado pelo mais radical e alterado Bucky Barnes, que foi parceiro mirim há muito tempo.

 

 

Coisa (Quarteto Fantástico) – Nos anos 90, teve seu “revestimento” de pedra mudado tantas vezes – para pedras pontudas, arredondadas, em forma de tijolo – que até hoje é motivo de piada entre desenhistas da Marvel.

 

(Publicado em 11/07/2010)

 

 

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

Comentar

Follow us

Don't be shy, get in touch. We love meeting interesting people and making new friends.

Most popular

Most discussed

Nós usamos cookies para melhorar sua experiência. Ao continuar, você concorda com nossa Política de Privacidade.