A expressão “há males que vem para bem” nunca teve uma prova tão divertida: em resposta a um artigo leviano, preconceituoso e anacrônico publicado no site Observatório da Imprensa (no qual o autor acusava a Turma da Mônica de ser, entre outras coisas, influência para bullying e violência no mundo), uma dupla de roteiristas resolveu criar uma réplica extremamente criativa e bem-humorada. Assim nasceu o blog (tumbrl) Porra, Maurício! ,ideia de Fernando Marés de Souza e Pablo Peixoto que mostra, com malícia e ironia, que “fora do contexto, ninguém é normal”.
Segundo Peixoto, os dois vestiram “a carapuça do censor paranóico” e, tirando trechos e quadros das histórias fora de seu contexto, apontaram nelas significados “terríveis” – e hilários – que não estavam ali. “Quisemos provar que com um pouco de má intenção qualquer um pode ver malícia em qualquer coisa, por mais inocente que seja. O segredo é tirar do contexto. Um fragmento da história sem situar o leitor, um frame do desenho animado sem mostrar seu porquê. Aí fica fácil achar pelo em ovo ou chifre em cabeça de cavalo, aí surgem todo tipo de deturpação de ordem moral e social. Fora de contexto, as coisas mais inocentes e infantis podem se tornar obscenas”, conta. Surgiram também gargalhadas aos montes e, por causa disso, o Porra, Maurício virou febre, inclusive entre os roteiristas e desenhistas do Maurício de Sousa Produções.
A própria filha (e personagem) de Maurício, Marina, fez menção ao blog em seu twitter (com uma mensagem “porra, pai”, seguida de link) e, claro, não tardou para que o próprio Maurício entrasse na página e, com a diplomacia e bom humor que o caracteriza, se rendesse a ele. Em mensagem a Pablo Peixoto, o pai da Mônica disse que não se sentia ofendido com as piadas e que o humor da dupla era levemente cáustico, mas muito criativo e gozado.
Fez apenas uma ressalva: como o blog traz palavrões e insinuações a situações sexuais (na verdade, enxerga essas insinuações nos quadrinhos do próprio Maurício), seria necessário colocar um aviso de que ele não era recomendado a menores de 16 anos. Foi prontamente atendido por Peixoto, que é hoje o principal alimentador das piadas.
Isso porque Narés teve a ideia original e boas sugestões, mas consta que está meio sem tempo com outros projetos. “Eu criei o site, mostrei pruma galera, o Pablo gostou e se ofereceu pra trabalhar comigo. Tentamos trabalhar juntos no começo, mas temos diferenças artísticas muito grandes. Ele usa msn, e eu skype. Eu escrevo “Mauricio” corretamente, sem acento, e ele escreve “Maurício”, com acento. Mas ele mandou bem, fez muitos posts, logo no primeiro dia. Alguns até engraçados. Então achei melhor deixar na mão dele. Além do mais, eu tenho coisa mais importante pra fazer”, brinca.
O próprio Peixoto, porém, chegou a duvidar da longevidade do Porra, Maurício!, explicando em uma entrevista que a estética do blog era “feita de uma piada só” e, portanto, logo se tornaria cansativa. No entanto, a tal estética única tem se reinventado. Se por um lado permanecem as interpretações de duplo sentido focando sodomia e atributos sexuais dos personagens, bem como o apontamento de erros técnicos de roteiristas e desenhistas, por outro o site se refresca ao brincar com acontecimentos e a cultura pop atual (fazendo conexões com filmes recém-lançados e acontecimentos do dia a dia).
Também se reinventa ao focar em personagens secundários da Turma da Mônica e promover dias inteiros dedicados a eles – já ocorreram, até o momento em que este texto é publicado, o Xaveco Day (dedicado ao personagem secundário “mais looser da história”), o Jeguemias Day (brincando com um suposto grande atributos do garoto) e o “Espera o Hiro Day” (no qual são separados quadros que mostram a turma do Chico Bento e o texto insinua que a garotada está prestes a iniciar atividades de, digamos, permuta..). Este último, por sinal, se tornou bordão entre muitos fãs de quadrinhos que adoram acrescentar a frase “Espera o Hiro” sempre que se vêm frente à uma situação dúbia propícia…
Diga-se de passagem, o “Espera o Hiro Day” fez tanto sucesso que muita gente elogiou a iniciativa para o próprio Maurício, que mais uma vez se manifestou sobre o assunto, via twiter: “O pessoal andou me avisando. Tirem as crianças da sala (à moda Simão) e boas risadas, pessoal”, postou o pai da Monica (e do Hiro!) em seu microblog.
O Porra, Maurício! faz também concursos regulares entre os leitores, para que eles encontrem erros ou maliciem um quadrinho e enviem para postagem, dando prêmios aos mais comentados entre os visitantes. “Existem casos em que eu não vejo nada na imagem, mas, no comentário (do internauta), percebo o que a pessoa quis com aquilo. Então, volto ao quadrinho e digo: é mesmo! Os leitores estão mais craques que eu”, diz Peixoto.
Como Maurício já ultrapassou os 50 anos de carreira e a cada mês são ao menos seis títulos nas bancas, fora os almanaques, material de pesquisa não falta e, segundo Peixoto, hoje 99% do material vem dos internautas leitores – ele apenas os edita e adéqua ao estilo do site, ao qual dedica apenas cerca de 20 qualitativos minutos diários.
Claro que visitar o Porra, Maurício todos dia, a todo momento, pode não garantir boas risadas, mas basta um intervalo de um ou dois dias – ou o surgimento de uma ou outra pérola – para que a graça volte a funcionar. Tanta atenção, rendeu aos criadores do blog entrevistas e reportagens nos mais diversos veículos de comunicação – entre eles a Folha de S.Paulo, revista Época, Estadão, O Globo, MTV e inúmeros outros.
Os criadores ficaram felizes com a repercussão, mas fazem questão de ressaltar sempre que podem que não querem fama ou fortuna com o blog e se dão por satisfeitos por terem dado uma resposta à altura ao artigo que indiretamente originou a brincadeira. Bem no estilo do blog, por sinal, Marés falou sobre o sucesso do Porra, Maurício! em uma das várias entrevistas que concedeu sobre o tema: “O sucesso é o reconhecimento de muito trabalho e dedicação. Do Mauricio e sua turma, claro, nós só tiramos os quadros do contexto, fazemos uma interpretação maliciosa e emendamos uns palavrões. Na verdade eu fico mesmo surpreso que alguém ache graça. Esse povo precisa sair mais de casa”.
Detonar o próprio público leitor é bonito? Porra, Marés!
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