Em 1998, na revista Dragão Brasil (Editora Trama), o trio Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e JM Trevisan publicou uma aventura para o jogo de RPG (Role Playing Game ou jogo de interpretação) Tormenta, com o título de Holy Avenger. A aventura – ou campanha, como são chamadas pelos RPGistas os desafios criados para uma partida – foi publicada em três números da Dragão (44 a 46) e fez enorme sucesso entre os leitores.
Cassaro, editor da Trama que já havia trabalhado nos estúdios de Maurício de Sousa e na Editora Abril Jovem, viu no sucesso da aventura a possibilidade de transformá-la em algo mais. A Trama já vinha alcançando sucesso com quadrinhos nacionais argumentados por ele – como Godless, UFO Team e o excelente Lua dos Dragões – e resolveu apostar na idéia. Assim, em 1999 chegou às bancas o primeiro número da revista em quadrinhos Holy Avenger, com argumento de Cassaro e desenhos em estilo mangá de Érica Awano.
Logo de cara, a revista conquistou um público fiel, composto não só por RPGistas como também por fãs de mangá e de fantasia e ficção científica. As histórias se destacaram tanto pelos bons argumentos quanto pelos excelentes desenhos. Érica Awano, por sinal, faz brincadeiras com mangás e animes famosos em algumas aventuras, por meio de “citações visuais” a eles.
Cassaro e Érica também adotaram no gibi (mensal), com sucesso, pelo menos duas características típicas de mangá: o traço infantil que transforma os personagens em crianças quanto há uma cena cômica, e uma “sensualidade light” que mostra personagens sem roupa (em especial a “elfa peituda” Niele) sem, no entanto, mostrar detalhes como os bicos dos seios ou qualquer tipo de genitália, obtendo um resultado mais cômico que sexy.
A história foi contada em 42 edições – contando especiais – lançadas entre 1999 e 2003 (depois relançadas pela editora Jambo como “Edição Definitiva” em quatro volumes). E com final feliz, mas fora do óbvio, como é destacado dentro da própria HQ (sem spoilers aqui).
Holy Avenger ganhou os Troféus HQ Mix de melhor história seriada em 2001 e 2003, e ficou em sexto lugar na primeira edição do Prêmio Internacional de Mangá, concedido pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão.
Também houve um belo livro publicado em 2004 pela editora Talismã, A Arte de Holy Avenger, com foco sobre o belíssimo trabalho de Érica Awano. Um jogo eletrônico baseado em HA também foi produzido pelo estúdio Messier Games, em 2017, e há expectativa de uma animação com os personagens, que já foi cogitada várias vezes e até teve teaser mostrado na CCXP 2019, mas ainda não se tornou realidade.
Enredo: A história começa com a druida Lisandra e seu “primo”, um lobo, visitando pela primeira vez uma cidade, a metrópole de Valkaria. Criada na ilha de Galrasia junto a criaturas selvagens – entre as quais um guerreiro de uma raça troglodita chamado Tork (na ilustração ao lado aparecem Lisandra e Tork) – a moça está na cidade para procurar um renomado ladrão, chamado Galtran.
Antes que possa procurá-lo, no entanto, ela é detida pela guarda por andar com um lobo e acaba revelando que procura o ladrão para realizar um roubo. Lisandra é presa e seu “primo” acaba sendo morto por um dos guardas ao tentar defendê-la. Na cadeia, ela é “salva”(mais ou menos) por um ladrão que se identifica como Galtran, mas é na verdade Sandro Galtran, filho do famoso ladrão e um iniciante atrapalhadíssimo na “arte” do furto.
Ainda assim, Sandro a salva e ela revela ao rapaz que está atrás de uma pedra, um rubi da virtude. Lisandra está atrás de rubis como este porque, noite após noite, sonha com o guerreiro Paladino (ao lado), o maior herói de Arton, cujo corpo repousa na ilha de Galrasi. A druida acredita que ama o herói e quer conseguir as pedras (que se encaixam na armadura dele) para ressuscitá-lo.
Sandro e Lisandra, então, invadem o Palácio de Naxus Dilkar e derrotam dragão que guardava o Rubi da Virtude. Agradecida, Lisandra retorna a Galrasia com a gema. Enquanto isso, Sandro fica sabendo da existência de outra pedra e invade o quarto de sua possuidora: Niele, a mais poderosa e exuberante (entenda-se siliconada…) maga elfa do Reinado.
Depois de receber relâmpagos bolas de fogo, ser perseguido por toda a cidade, transformado em hamster gigante, ser morto e depois devoldido à vida, Sandro finalmente convence Niele a ceder sua gema. Infelizmente, ela insiste em acompanhar o ladrão em sua viagem até a ilha de Galrasia e demais aventuras em busca de outros rubis.
Já Lisandra reencontra seu “pai adotivo”, Tork, e o convence a partir com ela também em busca de rubis. A partir daí, os quatro se envolvem em diversas aventuras, encontrando outros heróis e vilões diversos (e se separando e se encontrando uns com os outros), sempre em busca dos rubis. Também aparecem na história o pai de Sandro e seus antigos companheiros, mostrando que há mistérios mais amplos por trás dos rubis e do Paladino, que na verdade foi um antigo companheiro de Galtran.
Toda a trama é muito bem pensada e amarrada, com um final surpreendente que inclui a vitória dos… vilões?!
Personagens
Lisandra: jovem druida, uma sacerdotisa de Allihanna, a deusa da natureza. Criada por animais na ilha pré-histórica de Galrasia, ela não tem qualquer pista sobre seus pais verdadeiros – exceto pelo bracelete de ouro que traz no pulso esquerdo. Lisandra pode falar com os animais e tem poderes mágicos de cura. Ela também pode invocar uma armadura e armas mágicas de madeira e espinhos, tão mortais quanto qualquer lâmina metálica. O fato de uma druida manipular armas de destruição dá uma pista sobre os pais de Lisandra…
Sandro: Filho do grande Galtran, um dos mais famosos ladrões aventureiros do Reinado, Sandro quer seguir a mesma carreira – mas o pai, arrependido da vida de crimes, recusou-se a ensinar o “ofício” para o filho. Como resultado, Sandro é um ladrão totalmente incompetente, mas aproveita a fama trazida pelo sobrenome para conseguir missões. Sandro usa como arma o kailash, uma combinação mágica de funda e boleadeira.
Niele: Linda, exuberante e um tanto desmiolada, Niele é a maga elfa mais famosa e poderosa em todo o Reinado. Com seu cajado ela pode lançar TODAS as magias existentes (e até algumas não existentes!) quando e quantas vezes desejar – só que Niele não controla bem esse poder e costuma cometer (muitos) erros. Niele veste (?) apenas um conjunto de tiras de couro unidas por anéis de aço e gosta muito de cantar. Ela exala alegria e entusiasmo, mas parece esconder um passado sombrio. Resolveu ajudar “Sandrinho” – que acha um gatinho – em sua missão de reunir os Rubis, mas já percebeu que o jovem ladrão está amando Lisandra e seu maior desejo é que os dois fiquem juntos.
Tork – Membro da raça guerreira dos trogloditas – um povo de homens-lagarto subterrâneos -, Tork foi expulso da tribo ainda filhote por ter nascido anão. Depois de crescer entre humanos e vagar pelo mundo, ele acaba indo parar em Galrasia com Lisandra (a quem chama de “Filhota”). Quando a menina deixa a ilha ele parte atrás dela. Tork é rabugento, brigão, grande apreciador de cerveja e seu mau cheiro e maus modos tornam difícil o convívio social com humanos. Tork luta com um machado mágico feito com a garra decepada de Deenar, um elfo-do-mar e seu antigo inimigo. Na falta dele, também podem contar com as temíveis garras e presas. Às vezes, quando irritado, também pode exalar um gás fedorento que enfraquece os inimigos – mas que funciona apenas contra humanos e semi-humanos (elfos, meio-elfos, anões…). Se o personagem lembra Wolverine, não é por acaso: basta conferir a capa do especial da origen dele e Wolverine Origem…
Completam o elenco outros personagens como o já citado guerreiro Paladino, a centaura Odara, o vilão mestre Arsenal, o sumo-sacerdote Nekapeth,o capitão James K. e sua irmã Anne, a cozinheira Petra, o bardo Luigi Sortudo, o elfo-do-mar Deenar, o necromante Vladislav, a gladiadora Loriane e vários outros.
Curiosidade: Até nome é de RPG
Uma das perguntas mais freqüentes sobre Holy Avenger é o por quê do nome em inglês. Holy Avenger, ou “vingadora sagrada”, é o nome de uma espada usada pelos paladinos, os guerreiros santos do jogo de RPG Dungeons & Dragons – o mais famoso e primeiro dos jogos de interpretação.
No caso da revista, a homenagem adquire também outro significado: como em inglês o termo Holy Avenger não tem gênero definido, em português ele também pode ser traduzido como Vingador Sagrado, que no caso se aplica ao herói Paladino da HQ. Outra ligação forte do quadrinho Holy Avenger com o RPG é o fato da revista original ter trazido fichas com as características de jogo com os personagens que aparecem no gibi. Desta forma, o leitor podia usar os personagens para jogar com eles em campanhas de Tormenta.
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