Muita gente sentia arrepios ao ouvir a risada aterradora de Fantomas, protagonista de um anime exibido no Brasil pela TV Record nos anos de 1970. A risada, por sinal, era praticamente a única coisa que o herói com cara de caveira “falava” em toda a série, ao contrário do terrível vilão, cujo bordão em português é inesquecível: “Zeeeeeerooooooo”…
A história de Fantomas, porém, começa muito antes da animação. Como muitos personagens dos desenhos animados japoneses, ele surgiu no papel. E não foi nem no mangá: a dupla Takeo Nagamatsu (então com 16 anos) e Suzuki Ichiro (na época com 25) criou o personagem em meados de 1930 para o kamishibai, ou teatro de papel.
Muito popular no Japão antes da II Guerra Mundial, esse tipo de entretenimento se constituía basicamente de uma sequência de desenhos que era mostrada para o público enquanto um narrador contava a história. Ironicamente, o nome original do herói, Ōgon Batto (que significa “morcego dourado”) foi retirado de uma marca de cigarros da época.
Logo de início o personagem – que parecia um espadachim com cabeça de caveira – fez tanto sucesso que os primeiros brinquedos e selos postais inspirados nele apareceram no Japão já em 1932. Para criar as aventuras desse primeiro Fantomas, os autores se inspiraram em desenhos mitológicos que viram no Museu Real Ueno de Tóquio, mas colocaram diversos elementos de ciência nas histórias iniciais.
Após a guerra, com a decadência do kamishibai, Ōgon Batto – que também era chamado de Fantaman – começou a ganhar versões em mangá. Em1947, o lendário Osamu Tezuka, criador de ícones como Astroboy e A Princesa e o Cavaleiro, lançou uma história em quadrinhos com ele. Na versão em traço mais infantil de Tezuka, porém, o Morcego Dourado era um misterioso ladrão de joias com cara de caveira.
Já em 1948 um dos criadores originais do personagem, Takeo Nagamatsu, lançou mangá próprio com o personagem mais próximo do que havia idealizado. A publicação original seguiu até 1950, mas um novo mangá de Nagamatsu voltou a ser publicado na década de 1970.
Nasce o anime
A história de Fantomas foi consolidada e ganhou o mundo, porém, quando o misterioso herói virou anime. Veiculado no Japão em 1967 pela TCJ (Telecartoons Japan), o desenho levava o nome original Ōgon Batto e fez um tremendo sucesso logo de cara. Tanto que um ano depois já era exibido na Austrália e, na sequência, ganhou as TVs dos EUA , onde foi rebatizado como Golden Bat, da Itália (onde era chamado de Phantaman) e do Brasil, onde virou Fantomas.
A origem do estranho guerreiro de cabeça de caveira foi estabelecida no passado remoto: ele teria nascido na lendária cidade de Atlântida e trazido a vida novamente 10 mil anos depois para combater o mal.
O primeiro episódio do anime mostrava como um grupo comandado pelo professor Steel (no original, professor Yamatone), um renomado cientista, descobria um misterioso livro nas ruínas de uma ilha na Grécia. Ao decifrar e ler em voz alta caracteres antiquíssimos do livro, o grupo acaba trazendo do passado o grande herói Fantomas.
Além de ser inteiro dourado e com um crânio exposto no lugar do rosto, Fantomas segurava um cetro mágico (também usado como espada) e tinha superpoderes: podia voar, se teleportar, ficar invisível, soltar rajadas de vento e tinha habilidades incríveis de luta. Além disso soltava raios usando o cetro, que também causava verdadeiros terremotos quando enfiado no chão.
Havia ainda um morcego dourado misterioso que sempre aparecia antes de Fantomas surgir e, quando o mamífero voador sumia, a temida gargalhada de Fantomas era ouvida e o herói aparecia. Desta forma, nunca ficou muito claro se o morceguinho reluzente era um emissário, um pet ou o próprio herói transformado, em forma animal.
Os demais 52 episódios da série mostraram as aventuras da equipe de Steel – formada por ele, o filho Terry, a orfã (e candidata a namorada de Terry) Marie e o grande e desastrado assistente Gabbi. Invariavelmente o quarteto era perseguido pelo vilão cientista Dr. Zero (Dr. Nazo).
Por sinal, esse inimigo parecida não ser totalmente (ou nada) humano. Na parte de cima do corpo, tinha uma garra metálica em um dos braços. A cabeça de orelhas pontiagudas era totalmente negra (ninguém sabe se ele usava máscara ou era mesmo daquele jeito) à exceção de quatro olhos coloridos, dos quais saiam raios mortais.
Quando os planos não davam certo, Zero costumava usar os raios para pulverizar os próprios capangas. O único poupado (geralmente) era o topetudo Gorgo, braço (ou seria garra?) direito do criminoso. A parte de baixo do corpo de Zero simplesmente não existia: ele ficava sobre uma espécie de disco voador.
Além de Zero, Fantomas tinha outro inimigo peso pesado, o Dr. Morte (ou Fantomas Negro). Basicamente era um guerreiro idêntico ao herói, porém todo preto. Além de praticamente todos os poderes de Fantomas, Dr. Morte conseguia soltar fogo pela boca (ou seria mandíbula?) e transformar o próprio cetro em uma cobra.
Vale lembrar ainda que na maioria das aventuras o herói só aparecia (do nada) para salvar os amigos quando eles estavam enrascados. Nesta hora, a bela Marie sempre falava algo como “Fantomas, nos ajude, por favor, Fantomas!” e, após alguns segundos de silêncio, se ouvia as asas do morceguinho batendo. O bichinho desfilava um pouquinho pela tela, calmamente, e então desaparecia e logo se ouvia a terrível gargalhada e Fantomas aparecia para salvar o dia.
O último episódio recebeu em português o nome de “O Guerreiro da Justiça” ou, em algumas versões, “O fim do Dr. Zero” (que realmente estava merecendo um fim após raptar e torturar o pobre Terry). Nele, Fantomas tinha um confronto final com Dr. Morte e saía vitorioso.
Ao final da animação, em meio a destroços, Steel e companhia achavam a garra despedaçada de Dr. Zero e comentavam que ele provavelmente estava morto, sem que ninguém tivesse ficado sabendo quem o vilão realmente era.
Fantomas também ganhou um filme versão live action em 1966, no Japão. Mais recentemente, em 2001, a Anime International Company (ITC) chegou a anunciar uma nova versão do desenho para a TV, com 26 episódios – a notícia no Brasil foi publicada com destaque pela revista Henshin.
A ideia dos produtores era atualizar as histórias do misterioso herói, para que ele pudesse conquistar tanto novas gerações quanto fãs nostálgicos que sentiam a falta do desenho original. Uma arte com novo visual chegou a ser divulgada. Fantomas aparecia mais musculoso, porém com partes do abdômen e do encaixe das pernas mais finas (remetendo levemente ao “corpo” de um esqueleto), garras mas mãos e várias tatuagens de morcego no corpo. O projeto, porém, não foi para frente.
Em 2022, um novo mangá foi lançado, com argumentos de Jun Kagurazaka e desenhos de Kazutoshi Yamane. Foram publicados 18 episódios, até 2024. Nestas HQs, porém, o personagem teve uma origem totalmente nova, se iniciando em 1914 coma morte de um tenente do exército chamado Ryuji Tsukishiro.
Ele é ressuscitado como um recipiente para o monstro dourado “Morcego”, que vem à Terra para enfrentar um deus do mal chamado Nazo. Um conflito irrompe entre os líderes do exército que tentam usar os dois para aumentar o poder militar do Japão enquanto usam o legado de uma civilização antiga.
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