Feita pelo mangá Watashi ga Mita Mirai (O Futuro que Eu Vi), a previsão de que uma grande catástrofe natural ocorrerá no Japão em julho de 2025 está afetando o turismo daquele país, que até então vivia um momento de crescimento recorde. Nos três meses iniciais deste ano, mais de 10,5 milhões de turistas visitaram a Terra do Sol Nascente e a expectativa era superar 40 milhões até dezembro, mas viagens previstas para julho estão sendo canceladas e o crescimento do temor em torno da “profecia” feita pelo mangá – que já havia acertado a data de um terremoto ocorrido em 2011 com 15 anos de antecedência – está provocando uma revisão nas estimativas.
Uma revisão embasada em fatos, é bom dizer, já que em Hong Kong, um dos países onde o mangá é popular, a companhia aérea Greater Bay Airlines anunciou redução de voos para o Japão após registrar uma queda de 30% nas reservas de viagens para julho. Segundo Hiroki Ito, representante da empresa no Japão, a queda ocorreu pelo medo gerado pela tal profecia.
Watashi ga Mita Mirai foi publicado originalmente em 1999 pela autora Ryo Tatsuki (Tatsukiryō), como uma HQ fechada de 26 páginas. A mangaká nascida em 1954 já trabalhava argumentado e desenhando as próprias histórias desde os 21 anos de idade, quando estreou na revista Akita Shoten’s Monthly Princess. O foco da autora era, em especial, o gênero Shoujo (shōjo), nome dado aos mangás que tem como público-alvo meninas e adolescentes do sexo feminino.
Mais ou menos na mesma época, segundo a autora, ela começou a ter sonhos que passou a anotar e que posteriormente se tornaram realidade. Utilizando alguns desses sonhos ela criou Watashi ga Mita Mirai, portanto um quadrinho com um certo caráter autobiográfico. Nele, a protagonista é uma jovem que, por meio de um incidente, adquire a capacidade de ver o futuro, o que causa diversas alterações na vida dela e dos amigos.
Neste primeiro número lançado em 1999, o foco eram sonhos com mortes de celebridades e desastres naturais, além de outros casos estranhos. O mangá trazia na ilustração de capa mãos celestiais que se projetavam sobre a protagonista, que por sua vez mantinha uma das próprias mãos em frente ao olho e, voando por cima da cabeça dela, apareciam alguns papéis com anotações de sonhos que ela (e a autora) tiveram e que poderiam se tornar realidade. Entre as anotações está uma que afirma que “O grande desastre será em março de 2011.”
E eis que, doze anos depois da publicação, em 11 de março de 2011, um terremoto de magnitude 9.0 atingiu a região de Tohoku, no Japão, causando um tsunami e resultando em 15.900 mortes, 2.525 pessoas desaparecidas e enormes danos a prédios e infraestruturas. Entre os danos, um acidente na central nuclear de Fukushima. Não demorou muito para alguém lembrar que aquele já esquecido mangá “previu” o terremoto na capa.
Outros leitores também apontaram que o gibi previa a morte de Freddy Mercury (com 15 anos de antecedência) e pronto: a publicação se tornou objeto de curiosidade e desejo de milhares de pessoas. Como se tratava de um mangá relativamente obscuro quando foi publicado, as poucas cópias existentes começaram a ser vendidas pelos (felizes) proprietários por mil dólares ou até mais, dependendo do estado de conservação.
A popularidade do mangá cresceu tanto – ainda mais em virtude de uma previsão da autora envolvendo a Covid-19 (veja mais abaixo) – que a editora Asuka Shinsha contratou Ryo Tatsuki para lançar uma nova edição, bem mais robusta. Esta “edição completa” traria outras histórias, páginas do diário da autora com as previsões dela (e não da personagem) nas datas em que ocorreram, fotos e outros detalhes.
Porém, a pedido da editora, a autora deveria fazer uma atualização na capa da nova versão retirando a profecia de 2011, afinal não faria sentido colocar em uma capa de 2021 uma “previsão” sobre algo ocorrido dez anos antes. Assim ela apagou a previsão anterior da capa, deixou um espaço em branco e, pouco antes do prazo final para entregar o trabalho, sonhou que “o verdadeiro grande cataclisma ocorrerá em julho de 2025”. Segundo o sonho, desta vez será um tsunami, não necessariamente causado por um terremoto.
Com tudo isso, a tal edição completa ultrapassou 960 mil cópias vendidas e atravessou as fronteiras do Japão, se popularizando também em países como China, Tailândia e Hong Kong. Com a aproximação do mês de julho de 2025, os fãs dos quadrinhos voltaram a espalhar “a profecia” nas redes sociais e o burburinho é cada vez maior, até porque muita gente quer ver se a autora “vai acertar de novo.” E, por via das dúvidas, muitas pessoas estão preferindo ficar longe do território japonês.
Aliás, como se não bastasse tudo isso, lá em Honk Kong (só para lembrar, país onde 30% das reservas de voos de uma companhia aérea para o Japão já foram canceladas), um suposto “renomado mestre de feng shui” e celebridade televisiva, Qi Xian Yu, anda afirmando que um terremoto ocorrerá no Japão entre junho e agosto deste ano. As autoridades japonesas e de outros países onde o mangá se popularizou estão alertando que fenômenos naturais como terremotos e tsunamis são imprevisíveis e, embora o Japão esteja em uma zona de alta atividade sísmica, não há como afirmar que um evento dessa magnitude irá ocorrer em uma determinada data.
Contudo, pelo sim ou pelo não, muita gente está preferindo confiar nas previsões de Ryo Tatsuki.
A Nostradamus do Japão
Assim como o vidente francês Michel de Nostradamus (1503-1506), a autora Ryo Tatsuki talvez não tenha acertado tantas previsões quanto os Simpsons, mas já ficou amplamente conhecida no Oriente pelas profecias que fez dentro e fora das histórias em quadrinhos- já que, na edição completa do mangá, páginas do diário dela foram publicadas.
Abaixo, algumas destas previsões que ela teria recebido em sonhos e anotado após acordar, com datas de quando a previsão foi registrada, quando ocorreria e se já ocorreu ou não. A autora diz que costuma dormir com papel e lápis perto do travesseiro e anota os sonhos assim que acorda, para não se esquecer deles.
Morte de Freddie Mercury
Em 24 de novembro de 1976, Ryo Tatsuki sonhou que a morte do vocalista do Queen, Freddie Mercury, ocorreria dali a 15 anos. Ela teve o mesmo sonho em 24 de novembro de 1981, desta vez prevendo que o cantor morreria em dez anos. A autora – que em uma das anotações registrou ainda que um filme seria feito a respeito do cantor – confessa não ser fã da banda nem dar muita atenção aos sonhos com celebridades, mas revelou o sonho a um amigo fanático pelo grupo, que chegou a chorar com a previsão (esta cena aparece no mangá ,onde o amigo é chamado de Y-san). Freddie morreu em 24 de novembro de 1991 – 15 anos após o sonho inicial, dez anos após o segundo.
Erupção do Monte Fuji
Em agosto de 1991, Ryo Tatsuki sonhou que o Monte Fuji entraria em erupção dali a 15 anos. Se a data inicial não se confirmasse, ela poderia ocorrer a cada 15 anos, no máximo até o ano de 2141. Esta previsão é estranhamente elástica diante das demais, mas como nada aconteceu em 2006 nem em 2021, todos estão de olho em 2036. “Erupção do Monte Fuji” também é um dos títulos das anotações que aparecem na capa do mangá de 1999.
Tsunami e terremoto em 2026
Em 1991, Ryo Tatsuki sonhou repetidamente, entre junho e setembro, que um terremoto e um tsunami ocorreriam em Kanagawa entre junho e setembro de 2026. Como o sonho do Monte Fuji, esta profecia também tinha data flexível: se não ocorrer em 2026, poderá acontecer no mesmo período a cada intervalo de 15 anos, no máximo até o ano de 2131.
Morte da Princesa Diana
Em 31 de agosto de 1992, Ryo Tatsuki teve um sonho confuso e “borrado”. Ao acordar, escreveu no diário apenas duas palavras “Diana? Morreu?” A princesa morreu em 31 de agosto de 1997, cinco anos após o sonho. O episódio integra o mangá publicado em 1999.
Terremoto de Kobe
Em 2 de janeiro de 1995, Ryo Tatsuki teve um sonho e anotou no diário que “a terra rachará em Kobe, daqui a 15 dias ou 15 anos”. Em 17 de janeiro, quinze dias depois, um terremoto devastou a cidade de Kobe, deixando 6400 mortos, 35 mil feridos e 300 mil desabrigados.
Covid-19
Em uma manhã de 1995, Ryo Tatsuki escreveu no diário: “Daqui a 25 anos, um vírus desconhecido virá, atingirá seu pico em abril e irá reaparecer 10 anos depois”. O Covid-19 começou a se espalhar em dezembro de 2019 e a pandemia foi declarada em 2020, e as mortes causadas por ele em todo mundo chegaram a 14,9 milhões. Esta previsão havia sido divulgada antes da Covid-19 e durante a pandemia a autora chegou a se desculpar nas redes sociais por ter se equivocado na previsão do pico, que ocorreu depois de abril, com a segunda e terceira onda do Coronavírus. O interesse sobre ela voltou a crescer no período e teria sido uma das razões que levara à publicação da “edição completa” de 2021. Espera-se que ela erre sobre a volta do vírus em 2030…
O próprio funeral
Também em 1995, Ryo Tatsuki sonhou que com o próprio funeral dali a cinco anos. A autora não morreu, mas encerrou a carreira como mangaká oficialmente em 2000, o que levou à interpretação de que sonhara com a “morte profissional.” “Meu próprio funeral” é um dos títulos das anotações que aparecem na capa do mangá de 1999.
Terremoto em Tohoku
Em 11 de março de 1996, Ryo Tatsuki anotou no diário: “Uma catástrofe em algum lugar no leste do Japão em março de 2011”, ou seja, dali a 15 anos (esta é a previsão que aparece no mangá de 1999). Em 11 de março de 2011, um terremoto de magnitude 9.0 atingiu a região de Tohoku, no Japão, causando um tsunami e resultando em 15.900 mortes, 2.525 pessoas desaparecidas e enormes danos a prédios e infraestruturas.
Tsunami em 2025
Em 2021, Ryo Tatsuky sonhou que o “verdadeiro grande cataclisma do Japão acontecerá em julho de 2025.” No sonho ela via uma imagem do oceano pacífico ao sul do Japão “fervendo” com bolhas gigantescas surgindo na superfície. Ela interpretou se tratar de uma erupção vulcânica submarina ou explosões gigantescas abaixo da superfície do mar, com poder suficiente para gerar o maior tsunami que já atingiu o Japão.
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