Há histórias que merecem ser eternizadas e a da desenhista Dina Babbitt é uma delas. Nascida na Tchecoslováquia e vítima do nazismo, ela sobreviveu ao holocausto graças aos dons artísticos e, mais ainda, fez o possível para prolongar as vidas de vítimas do próprio anjo da morte, Josef Mengele.
A história de Dina Gottliebova, nome de batismo da artista, começa em 1923 na cidade de Brno. Em 1926, aos três anos, a menina começa a fazer os primeiros desenhos em sacos de papel que a avó guardava. Vendo o talento da menina, a família incentiva a pequena Dina, que cresce fazendo ilustrações, se interessando em especial pelo trabalho dos estúdios Disney. Quando chega à adolescência, a jovem passa a estudar na escola de arte local.
Em janeiro de 1942, quando Dina estudava arte em Praga, a mãe – Johanna – é obrigada a se apresentar aos nazistas e a moça vai junto. Inicialmente, as duas são enviadas para o campo de Adt, onde judeus eram mantidos antes de serem enviados ao campo de concentração – Dina tinha então 19 anos. Dois anos depois, em um dia 19 de setembro, Dina, a mãe e outros 400 judeus são enviados ao temido campo de Auschwitz – o local onde Josef Mengele fazia experiências terríveis com os prisioneiros (aproximadamente 1,5 milhão de pessoas foram mortas pelos nazistas no local, sendo que dos 400 que foram enviados para lá com Dina apenas 26 sobreviveram).
Freddy Hirsch, amigo da artista antes que os dois fossem presos, tentava ajudar no alojamento onde as crianças judias eram mantidas antes de serem enviadas para a morte nas câmaras de gás. Em uma tentativa de alegrar os pequenos, Hirsch convidou Dina para pintar imagens nas paredes do local.
Mesmo correndo risco de ser morta caso fosse pega, a moça pintou (em 1944) uma cena de Branca de Neve e os sete anões, causando grande alegria entre os pequenos. Pouco depois de terminado o mural, um oficial nazista foi pegar Dina nos dormitórios femininos e a levou aos campos onde ficavam os ciganos e ela foi colocada cara a cara com Mengele. O anjo da morte fazia experiências genéticas com o povo romani e estava intrigado com a cor da pele de suas vítimas.
Como o equipamento fotográfico que dispunha era ruim, determinou que a artista pintasse retratos que mostrassem a cor real das peles dos presos. Em troca da própria vida e da vida da mãe, Dina começou a fazer isso. Mas trabalhava o mais devagar possível, manipulando Mengele de modo a prolongar a vida dos romani, na esperança do fim da guerra ou de um salvamento.
Em cerca de um ano, ela pintou 11 retratos de ciganos, além de outros de oficiais da SS, do próprio Mengele e até mesmo de um coração humano retirado de um homem morto, na manhã do mesmo dia em que o órgão foi levado a ela para ser pintado.
Em janeiro de 1945, com a aproximação das tropas russas, os nazistas abandonaram o campo e forçaram os judeus que ainda viviam à famosa “marcha da morte”. Em maio, após muito sofrimento, Dina e a mãe foram libertadas em definitivo pelas tropas aliadas. No mesmo ano, de volta a Praga, Dina conheceu o animador Art Babbit. Art foi o responsável pela animação de Dunga em Branca de Neve, bem como o criador do personagem Pateta para os estúdios Disney. Os dois se apaixonaram, casaram-se e foram para os Estados Unidos, onde ela se naturalizou.
Morando em Hollywood, Dina trabalhou para diversos estúdios por 17 anos, em especial para a Warner Bros e a MGM. Em vários desenhos animados foi Dina quem desenhou Patolino, o Coiote (das aventuras do Papa-Léguas) e Ligeirinho. Se você assistiu a desenhos antigos destes personagens, provavelmente apreciou mesmo sem saber o trabalho desta mulher memorável.
Em 1962, ela se divorciou de Art. Um ano depois, o Museu de Auschwitz comprou de uma pessoa não identificada seis quadros com a assinatura “Dina 1944”. Pouco depois, um sétimo quadro foi adquirido. Só em 1973, no entanto, o museu descobriu que a pintora era Dina Babbitt e entrou em contato com ela. A artista foi chamada para identificar as obras e, pagando sua própria passagem, foi até Auschwitz levando uma pasta para trazer de volta os quadros, mas após confirmada a autoria, o Museu alegou que elas eram de Mengele e não os devolveu. “A partir daquele dia, era como se um pedaço de meu coração tivesse ficado preso no campo de concentração”, costumava dizer a autora.
No decorrer dos anos, Dina pediu diversas vezes o retorno de sua obra, o que foi sistematicamente negado pelo Museu. A artista pediu que se tirassem cópias para manter em exposição e devolvessem as originais a ela. O museu alegava que só podia expor originais, apesar de repetidamente ter sido flagrado expondo cópias e mantendo as originais guardadas em local desconhecido.
Inúmeros advogados e o governo americano tentaram em vão ajudar Dina (segundo alguns, o governo estadunidense não foi “tão comprometido” quanto poderia). Em 2006, 450 cartunistas se uniram e fizeram trabalhos defendendo Dina – entre eles, uma HQ contando a história dela, que aqui no Brasil foi publicada em Magneto Testamento. Um documentário também foi produzido. Mas tudo em vão.
Em 2009, aos 86 anos, Dina morreu em decorrência de um câncer no abdômen, descoberto um ano antes, sem ter conseguido o pedaço que faltava em seu coração. O trabalho e a história desta fantástica desenhista, porém, continuará no coração de todos.
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