A editora Pixel merece os parabéns por trazer dois clássicos de volta às bancas, isso ninguém discute. O gibi do Recruta Zero em tiras preenche uma lacuna para gerações brasileiras que cresceram lendo as desventuras do preguiçoso soldado no Quartel Swampy e para outras que pouco contato têm com o personagem, hoje basicamente restrito a alguns jornais em território brasileiro. O mesmo vale para Hagar, que a revista também anuncia na capa junto com “outros clássicos”. E é aí que está a pegadinha.
Não que os R$ 4,50 não sejam um bom investimento para se ler 34 páginas da turma de Zero e do engraçado viking. O problema é descobrir que as outras trinta e tantas são de “clássicos” que, convenhamos, nunca foram clássicos, ao menos não por aqui. Pelo contrário, trata-se de quadrinhos pouco conhecidos e em sua maioria anacrônicos.
Dá para dar um desconto em relação a Zezé & Cia., que já foi publicada aqui no Brasil, mas nunca chegou perto do status de Zero, de quem inicialmente foi criada como irmã pelo autor Mort Walker (com participação de Dik Browne, o criador de Hagar). As tiras do casal classe média, cheio de filhos, foram atualizadas por Chance Browne e ainda fazem rir. Mas não justificam o rótulo de clássico de maneira alguma.
O caso é pior com as demais tiras, que realmente não compensam e fazem pensar se o pessoal da Pixel acha que “clássico” quer dizer “velho” e só isso. A “Arca dos Bichos” traz a assinatura de “Addison”, na verdade pseudônimo usado pelo mesmo Mort Walker quando lançou a série (no original, Boner´s Ark) em 1968. As piadinhas – que aqui no Brasil já chegaram a ser lançadas em coletânea como "Arca de Noé" – são muito ingênuas e infantis.
Mas a coisa piora com as tiras de “Sam e Silo”, que ao que se sabe nunca saíram antes no Brasil e não é de se admirar, pois não fazem falta nenhuma. Criadas em 1971 por Jerry Dumas com assistência de Mort Walker, a tira mostra um xerife e seu assistente, ambos tremendos preguiçosos a mando de um prefeito de uma cidade pequena.
A bordo de um calhambeque ou tendo enfadonhas discussões, os dois não têm graça alguma. Dumas assumiu a tira sozinho a partir de 1995 e talvez as mais atualizadas tenham algum atrativo, mas isso com certeza não se aplica às publicadas neste gibi da Pixel.
O mesmo vale para Zeca e Fiapo (Aberccrombie e Fitch), lixeiros que originalmente fazem parte de Zezé e Cia. As duas páginas dedicadas a eles no gibi fazem vontade de devolver a revista na banca ou jogá-la em um lugar bem conhecido pelos personagens em questão.
Saber que tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil há tiras de qualidade incontestável restritas à Internet – como Magias & Barbaridades e Bichinhos de Jardim, apenas para citar duas –enquanto a Pixel enche quadrinhos com uma dupla cantando sobre o baile dos lixeiros é de dar raiva.
Por fim, completam o estranho mix os personagens de Zé Fumaça , personagem criado por Billy DeBeck e continuado por Fred Lasswell. Zé também já foi chamado de Capim Gordura aqui em terras brasileiras e atende pelo nome original de Snuffy Smith. Criado em 1934 em uma tira chamada Barney Google como um jeca que o personagem-título conhece na Carolina do Norte, Snuffy roubou a cena por lá graças ao então chamado “humor caipira”, que então estava em alta com Ferdinando (Lil Abner). Tanto que o personagem título aos poucos parou de aparecer na tira.
Com a morte de DeBeck em 1942, Lasswell assumiu a tira, que ainda é desenhada nos EUA por John Rose, antes um colorista do próprio Laswell. Sem dúvida é um clássico… por lá. E aqui poderia até ser divertido, mas as tiras publicadas neste primeiro número não são: muito antigas, totalmente sem noção, fazendo graça com um homem que vive bêbado e explora o trabalho da esposa e outros fatos que, se um dia fizeram rir, hoje mal valem um sorriso.
É fato que talvez valha a pena o leitor conhecer todos estes trabalhos motivado por, digamos, uma curiosidade histórica. E que as tiras de Zero e Hagar já vale os R$ 4,50. Mas também é fato que seria no mínimo justo a Pixel avisar que os outros “clássicos” prometidos na capa são desconhecidos da maioria absoluta do público brasileiro.
Fica a impressão que a editora quis comprar Zero e Hagar e foi obrigada a engolir as demais tiras no pacote que comprou da King Features, que comercializa todas elas, e repassou o sapo para que o leitor também o engolisse. Espera-se que no número 2, caso Zero e Hagar não sejam os únicos no gibi, a Pixel tenha no mínimo a elegância de avisar o leitor corretamente sobre o que ele está comprando.
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