Madame Bovary…ou Bovery?
Madame Bovary está, sem dúvida, entre os maiores clássicos da literatura francesa. Pois outra madame com o nome – e a história – muito similar ao da protagonista de Gustave Flaubert também promete entrar para a história das HQs. Trata-se de Gemma Bovery, história em quadrinhos criada pela brilhante cartunista Elizabeth "Posy" Simmonds na qual, além de dialogar diretamente com a obra prima de Flaubert, a autora dá uma verdadeira aula de observação do comportamento humano.
A HQ, lançada no Brasil pela Conrad Editora (120 páginas, R$ 39,80), narra as desventuras de uma inglesa que se muda para a França com o marido – um divorciado com o qual ela casou pelos motivos errados – em busca de uma vida melhor, mas acaba dando de cara com o tédio. Um tédio que só será rompido quando Gemma resolve trair o marido.
As coincidências na vida da personagem com a obra de Flaubert são notadas (e narradas) pelo vizinho Joubert, um padeiro culto, voyeur e fofoqueiro, não necessariamente nesta ordem. A partir daí, de uma maneira extremamente divertida, ele passa a se achar responsável por tudo que acontece com a vizinha e, mais ainda, acredita ser o único que pode evitar que a inglesa tenha o mesmo destino trágico da verdadeira Madame Bovary.
O que dá a Gemma Bovery o status de clássico automático das HQs, porém, não é apenas o excelente enredo, mas também uma série de outros componentes acrescentados pela autora na história. A começar pelo traço de Posy, que desde 1972 é autora de uma celebrada tira no jornal The Guardian. Os desenhos de traço ao mesmo tempo despojado e refinado misturam-se com textos em forma de diário e expressões em francês mantidas no original na tradução brasileira.
Completam o quadro uma ironia fina e senso agudo de observação de Posy, que transformam em muito reais todos personagens: o esnobe francês típico; a inglesa entediada que era gorda (para padrões franceses) e transforma-se em uma bela magra sedenta por sexo; o marido largado que continua a ser escravo dos desejos da ex-mulher; o casal bem-sucedido que faz questão de esfregar a riqueza na cara de quem quer que seja; e por aí fora.
A editora definiu Gemma Bovery como uma HQ literária sobre "o universo feminino e suas inquietações". Mas ela é bem mais que isso. Trata-se de uma sátira deliciosa ao comportamento humano (em especial, o europeu), que eleva Posy à categoria de Jules Pfeiffer – o quadrinista estadunidense que com suprema ironia destruía o american way of life em seus magníficos cartuns e histórias.
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