Sem muito alarde, Cascão e Chico Bento se tornam cinquentões

Olhando nem parece, afinal no traço  Cascão e Chico Bento são crianças, mas os dois conhecidos personagens de Maurício de Sousa acabam de completar meio século. Mas de maneira discreta: diferentemente do que aconteceu com os 50 anos de Bidu (criado em 1959), Cebolinha (1960) e do cinquentenário de carreira do próprio Maurício (que gerou livros especiais de homenagem lançados pela Panini e Maurício de Sousa Produções), Cascão e Chico se tornaram cinquentões sem alarde. Por enquanto, não há confirmação de nenhuma edição especial para comemorar o evento.

“Na verdade, íamos (lançar edições especiais), mas pode ser que não role porque estamos com excesso de títulos”, diz Sidney Gusman, expert em quadrinhos e responsável pelo planejamento editorial da MSP. Se serve de alento aos fãs, Gusman oficialmente também não revelava nada de especial planejado para o cinquentenário de Bidu, no entanto o caprichado especial de capa dura e 150 páginas surpreendeu os leitores em 2009 do mesmo jeito.

Com data de nascimento registrada em 1961, Cascão e Chico surgiram em tiras diferentes, ambos como secundários, e com o tempo foram mudando em traço e ganhando relevância até se tornarem parte do quinteto de ouro de Maurício: os cinco personagens que têm título mensal fixo (além dos dois, Mônica, Cebolinha e Magali).

Cascão surgiu nas tiras de Cebolinha (abaixo, a primeira aparição) e, curiosamente, Maurício o teria idealizado um ano antes junto com o diveltido tloca-letlas, mas teve medo de lançar o personagem. “O Cascão surgiu depois porque ficou nuns tempos guardado na gaveta. Eu temia que o ‘mau hábito’ do Cascão, fugindo do banho, pudesse chocar o leitor”, conta Maurício.

A inspiração do personagem veio de um garoto de verdade, que jogava bola em Mogi das Cruzes perto da barbearia do pai do autor. “De roupas sempre muito sujas de barro, de terra, e que aparentemente vivia muito longe de um banho”, relembra Maurício.

Vale lembrar que o garoto sujinho jogava bola com outro menino de cabelos arrepiados e que realmente sofria de lalismo (trocava os erres pelos eles) e que ambos foram apelidados pelo pai de Maurício como “Cebola” e “Cascão”. Ou seja, os personagens estavam prontos. Coube a Maurício a genialidade de lhes dar vida no papel.

Se inicialmente era secundário nas tiras, Cascão aos poucos se tornou tão principal quanto o amigo Cebola, e ganhou revista própria nos anos 80. Também desenvolveu núcleo próprio, com direito a vilões só seus (como Doutor Olimpo e as gêmeas Cremilda e Clotilde), além dos personagens que frequentam todas as revistas da turma – o porquinho Chovinista, a namorada Cascuda, os pais Antenor e Lurdinha, entre outros.

Seja no próprio gibi ou nos dos outros da turma, Cascão se caracteriza sempre pela criatividade, o jeito moleque e o medo da água, claro – ele inclusive se gaba de sua “invencibilidade”.  Mas na versão Turma da Mônica Jovem, o agora adolescente Cascão passou a tomar banhos diários, ainda que não goste deles, e se engana quem pensa que o personagem original nunca tomou banho. Já em 1963, em uma tira do Cebolinha, o sujinho fazia o “sacrifício” como um presente especial de Dia das Mães para dona Lurdinha.

O fato, claro, parece passar batido na cronologia oficial do personagem, que continua a ser conhecido como o menino que nunca tomou banho – para desespero de amigos e inimigos, especialmente em dias de calor… e suor. Mas ainda que se mantenha sujo, Cascão passou por algumas mudanças de hábito. Maurício vetou as HQs nas quais, por exemplo, o personagem brinca em lixões, por considerar um exemplo equivocado e perigoso.

O caipira Chico Bento tem uma gênese semelhante a de Cascão. Criado em 1961, Chico também demorou a ter uma estreia definitiva. Ela ocorreu em 1963 e também como secundário: ele apareceu em tiras que Maurício publicava no Diário da Noite, na Capital, estreladas por Hiroshi e Zezinho (abaixo, a primeira tira). 

Com o crescimento de Chico, os personagens principais acabariam se transformando em secundários do próprio caipira, com os nomes um pouco alterados: Hiro e Zé da Roça. “Chico apareceu, foi se infiltrando e ganhou seu lugar de destaque. Afinal, era mais interessante do que os dois primeiros, muito certinhos”, diz Maurício.

Nas primeiras tiras, além de mais alto e com ar de mais velho, Chico tinha lacinho segurando a calça remendada, galho de arruda atrás da orelha (para espantar mau olhado ) e  escapulário pendurado no pescoço (para trazer a proteção divina). Todos esses detalhes foram se alterando aos poucos. Segundo o autor,  Chico surgiu como uma montagem de características que ele viu e viveu na infância, nas cidades de Mogi das Cruzes e Santa Isabel.

“Ele tem o nome e é inspirado em um tio-avô meu, roceiro da região do Taboão (entre Mogi e Santa Isabel), que nem cheguei a conhecer pessoalmente, mas de quem conheci inúmeras histórias hilariantes, contadas pela minha avó. Era uma espécie de Pedro Malazartes, tanto que aprontava. E tinha um irmão gêmeo, Zé Bento, que no início ignorei,  mas que fui buscar quando precisei de situações mais cômicas. Batizei de Zé Lelé”, conta.

As histórias de Chico realmente invocam a infância e as aventuras de Maurício no interior. Autor e personagem têm até uma avó em comum: a vó Dita das histórias foi na realidade a avó de Maurício, exímia contadora de causos.

Chico também tem seu lado típico de menino da roça, do pescador mentiroso ao coração ingênuo, do namorado envergonhado ao menino que tem dificuldades nos estudos e prefere roubar goiabas a pegar na enxada. Tudo porém tratado com muita delicadeza –e até mesmo de maneira poética em várias HQs – e sem maniqueísmos ou julgamentos.  Enfim, dois personagens que, apesar de estarem fazendo 50 anos, são sérios candidatos à eternidade.

Em tempo: Cascão e Chico Bento não são os únicos personagens de Maurício de Sousa a completar meio século neste ano. Outros como o genial Penadinho (originalmente chamado apenas como “Fantasminha”) e Astronauta estão na galeria dos cinquentões.

Quem sabe então, em meio aos vários títulos excelentes que a MSP e a Panini planejam para este ano, não caiba aí um “Os cinquentões de 2011”. Pense nisso, Sidney Gusman!

Djota Carvalho

Dario Djota Carvalho é jornalista formado na PUC-Campinas, mestre em Educação pela Unicamp, cartunista e apaixonado por quadrinhos. É autor de livros como A educação está no gibi (Papirus Editora) e apresentador do programa MundoHQTV, na Educa TV Campinas. Também atuou uma década como responsável pelo conteúdo da TV Câmara Campinas e é criador do site www.mundohq.com.br

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